Sítio do Picapau Amarelo (2005) – Dom Quixote

“Dom Serrote lá da Mancha”

A última história da quarta temporada do “Sítio do Picapau Amarelo” é uma das histórias mais emocionantes do programa e, até hoje, uma das lembradas com mais carinho pelos fãs! “Dom Quixote” conta a história do cavaleiro andante que aparece pelo Sítio de Dona Benta, e traz a novidade de ser muito próxima da história original de Miguel de Cervantes em vários sentidos, inclusive em seu final trágico e melancólico, o que me surpreendeu ao assistir… a história, de 39 capítulos, foi exibida no comecinho de 2005, antes do hiatus para a estreia da quinta temporada, e, particularmente, eu acho que ela ganha uma carga extra de emoção por ser, também, a despedida de Cândido Damm, que esteve no “Sítio do Picapau Amarelo” desde 2001 interpretando o nosso querido Visconde de Sabugosa… grande parte da emoção dedicada ao personagem de Dom Quixote é o carinho que sentimos por Cândido Damm sendo espelhado nele…

É impossível não pensar nisso quando a história já começa com o Cândido Damm deixando de interpretar o sábio sabugo, em uma sequência que é clássica do “Sítio do Picapau Amarelo” e que foi genialmente usada para esse momento da troca dos atores – depois que Dona Benta começa a contar a história do Dom Quixote para as crianças, Emília, sempre curiosa e mandona, decide que ela quer saber mais, que ela quer ler tudo, e faz o Visconde desobedecer uma ordem direta de Dona Benta para pegar o livro para ela: uma edição imensa e pesadíssima que está em uma prateleira alta. O acidente é certeiro: o livro cai sobre o Visconde, o achatando, e ele volta a ser um sabugo sem vida. Em 1978, uma história parecida conduziu “A Morte do Visconde” e, particularmente, eu acho isso uma história bastante sofrida… e, em “Dom Quixote”, um pouquinho mais.

Por muito tempo no início da história, as crianças choram pelo sabugo sem vida que costumava ser o Visconde de Sabugosa, e a Emília é bastante sem coração com o companheiro dela de tantas aventuras. Mas, eventualmente, várias pessoas se unem para tentar salvar a vida do Visconde, sem muito sucesso… eles percebem, no fim, que não há mais nada a se fazer com aquele sabugo, e a única maneira de salvá-lo é fazendo um novo boneco – talvez eles possam reaproveitar os bracinhos e as perninhas, mas eles precisam de um sabugo completamente novo, e eu acho genial essa estratégia do roteiro para apresentar um novo ator para ser o nosso querido Visconde de Sabugosa. É assim que conhecemos o Aramis Trindade, que assume o papel de Visconde com o mesmo figurino que Cândido Damm usava, e ganha a inteligência do antigo Visconde por causa do “suco de ciência” que extraem do primeiro.

Destaque para o Dom Quixote encontrando o novo Visconde: “Parece que eu te conheço de algum lugar!”

Mas Cândido Damm ainda não se despediu do “Sítio do Picapau Amarelo”, e eu fico TÃO FELIZ por ele ter tido uma despedida tão bonita, ficando uma última história, mais 39 capítulos, interpretando um novo personagem: o Dom Quixote de la Mancha. É um pouco estranho porque, se fecho os olhos, para mim parece ser o Visconde falando, e porque o vemos interagir com o Visconde de Aramis Trindade, e só podemos imaginar como foi para o Cândido Damm estar nessa situação… mas o ator dá vida, agora, ao carismático cavaleiro andante que vê coisas onde não tem, confundindo moinhos de vento com gigantes, celeiros com castelos e galinheiros com belas capelas… e a Tia Nastácia com a sua amada Dulcineia. Dom Quixote é um personagem que amamos, um clássico da literatura que encanta gerações com seu jeitinho todo especial de ser e de agir.

É assim que ele conquista o coração de todo mundo no Sítio de Dona Benta… uma das melhores partes dessa história é o Zé Carijó sofrendo um acidente (uma jaca cai na cabeça dele) e perdendo a memória, passando a acreditar, então, que é o Sancho Pança, o fiel escudeiro do Dom Quixote. Cassiano Carneiro brilha no papel de Sancho Pança, nos arrancando risadas com o seu espanhol todo falho e seu carisma natural, mesmo quando age completamente diferente do Zé Carijó que conhecemos! É simplesmente delicioso acompanhar a toda a trama de Dom Quixote e Sancho Pança! O problema, para as crianças, é que, enquanto acredita que é o escudeiro de Dom Quixote, Zé Carijó pode sair pelo mundo com o cavaleiro andante a qualquer momento, e eles precisam encontrar maneiras de mantê-lo no Sítio até conseguirem que ele recobre a memória…

No meio disso tudo, Dom Quixote arma as mais variadas confusões, seja caçando o “Coronel Fuxico” por ter “desonrado a jovem e bela moça, Dona Joaninha” ou enfrentando a Cuca, que acredita que ele é um perigoso Exterminador de Bruxas… uma parte bastante longa dessa história é toda a trama do Lazarilho, um ladrão astuto que passa bastante tempo enganando muita gente, e não é a minha parte favorita da história, na verdade… a história do Lazarilho acaba encontrando, também, a de Tambelina, uma fadinha que aparece pelas redondezas saída do País das Fábulas, prima do Pequeno Polegar, e que só quer encontrar uma maneira de voltar para sua casa – estar ali naquele mundo desconhecido é muito perigoso para ela. A fadinha deve ter ganhado o coração do público na época, porque ela retornará como personagem regular na próxima temporada.

O que mais me tocou ao assistir a “Dom Quixote” foi realmente o tom de despedida que a história conseguiu incluir, mesmo antes do seu final. O personagem do Dom Quixote está sempre querendo sair pelo mundo, porque é isso o que ele está habituado a fazer, mas as pessoas do Sítio, especialmente a Emília, se afeiçoam a ele e querem fazer com que ele fique de qualquer maneira – pelo menos mais um pouquinho. Para mim, os olhinhos da Emília cheios de lágrimas dizendo que não quer que ele vá embora me parecem metalinguagem, como se fosse (porque é, na verdade) a Isabelle Drummond se despedindo de Cândido Damm depois de eles terem atuado juntos por tanto tempo… então eu não estava realmente preparado para toda a emoção que as cenas dos dois trazem e, lá pela metade da história, quando temos a cena mais bonita, eu chorei.

Chorei de verdade, e chorei revendo logo em seguida – porque foi tão bonita a cena que eu tive que ver duas vezes.

Na cena em questão, Dom Quixote está conversando com Emília na sala do Sítio sobre ele ir embora, e os dois estão com os olhos cheios de lágrimas; Emília tenta argumentar com o cavaleiro andante, dizendo que ela podia ir com ele e ser sua “fiel escudeira”, e quando ele diz que sua missão é andar pelo mundo e consertá-lo, a bonequinha diz que ela é boa nisso, que até já reformou a natureza uma vez (!), mas o Dom Quixote responde, e sua voz está carregada de emoção e sinceridade:

 

“O seu lugar é aqui, você sabe disso. Por onde eu for, eu sempre vou te levar aqui, guardada no meu coração, bonequinha maluca. E eu sei que sempre vai ter lugar pra mim aí dentro também”

“Eu não tenho coração. […] Você vai voltar, não vai?”

“Isso só Deus sabe, marquesa”

 

Que diálogo lindo, que metalinguagem bela, que emoção na atuação de ambos… emocionante.

Dessa vez, Emília ainda consegue que o Dom Quixote fique por mais um tempo nas redondezas, mas eventualmente chega realmente sua hora de partir, e a própria Dona Benta sabe que esse momento se aproxima com a chegada do Bacharel Sansão Carrasco, um vizinho de Dom Quixote que só quer levá-lo de volta para casa, para junto de sua família… e, aqui, uma série de duelos acontecem na tentativa de vencer o Dom Quixote e fazê-lo voltar para casa. Do jeito do “Sítio do Picapau Amarelo”, a Cuca acaba participando dos duelos de Dom Quixote, primeiro contra o Cavaleiro dos Espelhos, que é a própria Cuca disfarçada, depois contra o Cavaleiro da Branca Lua, que ganha um poder a mais por feitiço da jacaroa, mas mesmo com o tom todo de comédia, eu ainda consigo encontrar melancolia na conclusão dessa história… assim como todo o pessoal do Sítio.

Emília em particular… depois que Dom Quixote perde para o Cavaleiro da Branca Lua e cai de cama, ferido e triste, Emília faz o Visconde contar-lhe o que acontece em seguida, na história de Miguel de Cervantes, mas ela se recusa a aceitar o que Visconde lhe conta: que, depois dessa batalha, Dom Quixote cai de cama e acaba entregando sua alma a Deus… a lágrima escorrendo dos olhos de Emília quando o Visconde lê essa parte do livro é de arrepiar, e ela faz de tudo para não deixá-lo morrer, mas, pela primeira vez na vida, Emília não pode fazer nada. Ela tenta, e temos momentos engraçados das tentativas da bonequinha e/ou emocionantes, como quando o Zé Carijó se lembra de ter sido Sancho Pança por tanto tempo, mas, no fim, Dom Quixote está acabado demais e é levado embora pelo Bacharel Carrasco, para morrer ao lado de sua família… é melancólico, triste, mas fica a mensagem de que Dom Quixote será imortal na memória e coração de todos que o amam.

É, realmente, uma belíssima história.

Maneira perfeita de terminar essa temporada.

 

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Comentários

  1. Essa história só passou uma vez (nunca foi reprisada), né? Assisti pelo canal Central do Picapau Amarelo e estão faltando alguns pedaços. Suspeito de que seja por isso. Nunca foi reprisado, então o que a gente tem hoje vem de pessoas que gravaram na época da exibição original.

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    1. Sim, até por isso o texto é um pouco "diferente". Apesar de ser uma história longa (e muito boa), escrevi em um texto só pela escassez de fotos e da possibilidade até de prints. Não lembro onde vi, mas foi em um canal do YouTube e estava completo. Não era a melhor qualidade do mundo, mas dava para acompanhar (isso foi há uns anos).

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  2. Pelo que entendi, você não gostou do Lazarilho. Eu amei. Ele me parece exatamente o tipo de personagem que funciona como antagonista pro Dom Quixote. Eu fiquei surpreso de descobrir que ele não existe no livro de Cervantes, porque parece ter sido feito sob medida pra ser o arquirrival do Quixote.

    É o arquétipo do palhaço esperto contra o palhaço bobo. Por mais que o palhaço esperto seja realmente esperto, a ingenuidade e pureza do palhaço bobo nos cativa. O palhaço esperto está sempre tentando passar a perna no bobo, mas o bobo sempre sai ganhando, quase que por acidente.

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