Lost 6x15 – Across the Sea

Origem.

UM DOS EPISÓDIOS MAIS ICÔNICOS DE “LOST”. E vem em um momento ideal: trazendo algumas respostas e a origem de alguns mistérios, regras e peculiaridades da ilha, “Across the Sea” se volta ao passado com calma e de maneira muito bonita (quase poética), como se intentasse ser, ao mesmo tempo, uma maneira de explicar mais sobre Jacob, o Homem de Preto e a Ilha em si, e uma forma de dar um descanso aos nossos sentimentos depois dos acontecimentos tristes do episódio anterior… apesar de ter muita coisa nova e de não ser protagonizado pelos mesmos personagens com quem começamos a jornada em “Lost”, “Across the Sea” me parece ter um tom estranho de nostalgia e de despedida – e é um dos meus episódios favoritos nessa última temporada.

Sem “Previously”, começamos o episódio com uma mulher grávida sendo levada pelo mar até a ilha, sem saber quem é ou em que tempo estamos… e, então, a mulher dá à luz a gêmeos – Jacob e um segundo bebê, cujo nome ela não tinha escolhido porque não sabia que teria dois filhos. É uma mulher misteriosa e moradora da ilha que ajuda Claudia a trazer os dois bebês ao mundo e, pouco depois, ela mata a verdadeira mãe deles, porque ela estava há muito tempo esperando por uma oportunidade como essa: alguém que pudesse criar para ser o seu substituto, como protetor da luz da Ilha. Portanto, ganhamos uma história de origem de Jacob e seu irmão sem nome, que chamamos de “o Homem de Preto”, e que explica muita coisa de “Lost”.

Adoro toda a primeira parte do episódio, que é protagonizada pela Mãe e pelos dois irmãos durante o fim da infância/início da adolescência. Os dois garotos são excelentes, e o roteiro colabora com um episódio bonito e gostoso de se acompanhar, especialmente porque ficamos tentando estudá-los para entender como eles se tornam o Jacob e o Homem de Preto que conhecemos anteriormente… e muito disso tem influência da própria Mãe, que os criou quase para serem antagonistas – ironicamente tendo como seu favorito, aparentemente, o “irmão sem nome”, que ela sempre julgou especial… e, embora pouco falasse a respeito disso, Jacob sempre se sentiu preterido, o que também é algo que foi lhe deixando cicatrizes conforme ele ia crescendo.

Talvez surpreendente, mas provavelmente nem tanto, a relação dos irmãos era muito boa inicialmente, e temos diálogos inteligentes e que são alegorias a elementos de “Lost” e à vida como um todo, como quando eles se sentam para jogar algo e o Garoto de Preto diz que Jacob não pode fazer uma jogada porque “é contra as regras”: um dia, quando ele criar seu próprio jogo, ele pode criar as próprias regras… e pode parecer simples, mas faz todo sentido para explicar algumas “regras” que foram criadas para a relação deles e para a ilha em si. Assim como em um jogo de xadrez, por exemplo, as regras foram “arbitrariamente” criadas em algum momento, por alguém, mas elas não podem ser simplesmente ignoradas durante um jogo de xadrez.

Mesmo que se saiba de sua “arbitrariedade”.

O episódio faz com que gostemos mais do irmão que nunca recebeu um nome do que de Jacob – o que é uma virada inteligente e surpreendente do roteiro. Jacob sempre foi mais “certinho”, não no sentido de ser inteiramente bom nem nada assim, mas no sentido de obedecer mais à mãe e questionar menos… o segundo irmão sempre foi mais questionador. Ele sempre acreditou que existia alguma coisa além do mar, mesmo que a mãe tentasse convencê-lo de que “a ilha era tudo o que existia”, e sempre quis conhecer mais coisas, descobrir. Por isso, ele foi o único capaz de ver o fantasma de Claudia, a sua verdadeira mãe, que lhe contou toda a verdade sobre o que aconteceu no dia do nascimento deles, e sobre as pessoas que vivem do outro lado da ilha.

Seu povo.

É aqui que os caminhos se separam – e podemos ver o quanto é doloroso também para o Jacob. O irmão sem nome chama Jacob para ir com ele, porque quer a sua companhia, mas Jacob tem medo demais de se afastar da mãe e de desobedecê-la, e desconta toda a sua frustração em socos sem sentido no irmão, que vai embora do mesmo jeito. E, ali, parece que alguns destinos foram traçados. De um lado, Jacob ficou com a mãe, fazendo com que ela não tivesse outra escolha para ser seu substituto do que ele, embora Jacob sempre tenha acreditado que ela queria que fosse o irmão; de outro, o irmão viveu com seu próprio povo, realmente vendo toda a maldade sobre a qual a mãe falava, mas esperando que eles pudessem encontrar uma maneira de sair da ilha.

Tudo o que ele sempre quis foi sair da ilha.

Gosto muito de toda a questão da luz que é oficialmente apresentada nesse episódio – mas que sempre esteve presente em “Lost”, de alguma maneira. Afinal de contas, sempre soubemos do quanto a ilha era mística (afinal de contas, John Locke voltou a andar assim que caiu ali, e Rose foi curada de um câncer terminal e por isso nunca quis ir embora), e mais de uma vez já foi falado sobre a “energia” daquele lugar… tanto é que é por isso que ela é tão valiosa a ponto de diferentes grupos de pessoas chegarem a ela em diferentes épocas, como a Iniciativa Dharma, que fundou ali uma base na década de 1970, ou o próprio Charles Widmore, que passou a vida tentando retornar àquele lugar. É essa luz/energia que a torna tão especial, e é perfeitamente compreensível.

“Across the Sea” explora um pouco da relação dos irmãos mesmo depois dos caminhos separados. Já adultos, Jacob vai constantemente visitar o Homem de Preto, o que eu achei algo muito bonito: a maneira como eles se sentam juntos para conversar e jogar, e como ainda se importam um com o outro… mas é uma visita de Jacob dessa que coloca a mãe contra o Homem de Preto de uma vez por todas, porque ela descobre que ele encontrou um outro caminho para a luz, e talvez eles estejam perto mesmo de conseguir uma passagem para fora da ilha, e ela não vai permitir que isso aconteça – não importa o que precise fazer contra o filho para impedir isso. Então, ela destrói tudo o que estava sendo construído e mata todos os moradores do outro lado da ilha.

Depois, enquanto o Homem de Preto ainda está desmaiado pelo ataque da própria mãe, ela acorda Jacob para levá-lo até a fonte de luz e vida que apresentou para eles na infância, tornando-o oficialmente seu substituto – e dizendo que, um dia, ele precisará encontrar um candidato para substituí-lo também. As cenas são reveladoras e interessantes, e ainda caminham mais longe, chegando à reação do Homem de Preto quando descobre o que a mãe fizera, o momento em que ele a mata (!), e a vingança de Jacob, que consiste em condenar o irmão a um destino “pior do que a morte”: ele o joga na fonte de luz, sem saber o que acontecerá com o irmão lá dentro, e, de certa forma, ele morre… mas sai de lá como o Monstro de Fumaça pela primeira vez.

É uma cena impactante e muito interessante visualmente. Ironicamente, talvez o Homem de Preto não tenha sido mal a sua vida toda – na verdade, temos certeza que ele não era, e a história da ilha teria sido muito diferente se ele tivesse simplesmente podido sair da ilha, que era a única coisa que ele sempre quis. Foi a maldade e o egoísmo da mãe que o prenderam ali, que lhe despertaram a fúria e o desejo de vingança, e foi a ação de Jacob, por fim, que o transformou nesse “mal” que é o Monstro de Fumaça. É como se o Homem de Preto estivesse realmente morto, resta apenas uma parte dele, vivendo como Monstro de Fumaça e se materializando na forma de pessoas cujos corpos estão na ilha: ele mesmo, inicialmente; Christian Shephard; John Locke.

Essa é uma das pouquíssimas vezes em que “Lost” é extremamente DIDÁTICA. Muito se comenta (erroneamente) sobre como “Lost” não dá respostas, o que é um equívoco imenso, e uma falácia de pessoas que não viram a série, ou não prestaram atenção suficiente… talvez à frente do seu tempo, “Lost” responde, sim, todas suas dúvidas mais importantes, mas, diferentemente do que alguns espectadores estão habituados, as respostas raramente vêm em um episódio ou um momento da narrativa em que a história “pausa para responder mistérios”. São respostas construídas através de elementos que os próprios fãs precisam encontrar espalhados em diferentes episódios, mas estão por lá… por isso foi tão intenso viver “Lost” na época e discutir em fóruns cada novo elemento.

“Lost” foi muito construído depois de se assistir, com base em tudo que eles apresentam.

Como um quebra-cabeças: as peças estão lá, e assim que você colocá-las todas no lugar correto, você poderá ver a imagem completa. Para mim, isso é uma experiência fascinante que “Lost” proporcionou, e poucas séries atualmente proporcionam, acostumadas a mastigar respostas. “Across the Sea” é um dos raros eventos de “Lost” que faz isso, incluindo, até, rápidos flashbacks da primeira temporada, talvez desnecessários, que conectam elementos dessa trama a coisas que já conhecíamos, como o saquinho com a pedra branca e a pedra preta que Jack e Kate encontraram na caverna lá no início da série, ou os corpos de “Adão e Eva”, que acabamos de descobrir que são os corpos da mãe e do Homem de Preto, “enterrados” ali na caverna por Jacob.

Que grande episódio! Que experiência maravilhosa!

 

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