Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, 2021)


“Even when the dark comes crashing through

When you need a friend to carry you

And when you're broken on the ground

You will be found

 

So let the sun come streaming in

'Cause you'll reach up and you'll rise again

Lift your head and look around

You will be found”

 

Apesar de premiadíssimo (a versão da Broadway, que estreou em 2015, ganhou 6 Tony Awards, dentre eles o de “Melhor Musical”), “Dear Evan Hansen” sempre foi um musical e uma história que dividiu opiniões – tenho a impressão, em grupos de discussão sobre musicais na internet, que é um musical que as pessoas amam ou odeiam, sem meio termo. Particularmente, eu adoro, e acredito que a adaptação cinematográfica de 2021 faz um belo trabalho trazendo essa história do palco para o cinema. “Dear Evan Hansen” é um musical fortíssimo, na minha opinião, trazendo à tona temas como a depressão, a ansiedade e o suicídio, e o filme se sustenta com uma história dramática que nos envolve e, ocasionalmente, nos angustia, tudo embalado por uma trilha sonora impecável, que vai de músicas mais “alegres” como “Sincerely, Me” a músicas mais introspectivas como “You Will Be Found”.

A história de “Dear Evan Hansen” traz como protagonista um garoto que sofre de depressão e ansiedade, tem dificuldade para falar com as pessoas e, embora o texto não fale sobre isso, apresenta características que podem ser associadas ao autismo. Durante as férias de verão, ele caiu de uma árvore no lugar onde estava trabalhando, e passou muito tempo lá até que alguém o encontrasse, e agora ele retorna para a escola com um gesso no braço e sem nenhum amigo. Sempre achei “Waving Through a Window” uma música fortíssima, e eu acho que foi uma belíssima maneira de abrir o filme, porque nos permite aproximarmo-nos de Evan Hansen, conhecer um pouco do que ele sente, e eu destaco momentos como a aceleração e repetição da música em “When you’re falling in the forest and there’s nobody around, do you ever really crash or even make a sound?”, ou o Evan no meio da quadra barulhenta ao fim.

Ben Platt lidera o elenco do filme de “Dear Evan Hansen”, reprisando o papel pelo qual ele ganhou um Tony Award como Melhor Ator em um Musical aos 23 anos, se tornando o ator mais jovem a receber o prêmio, além de um Emmy e um Grammy. Infelizmente, sua escolha para o filme de 2021 foi duramente criticada por uma galera que dizia que “ele estava muito velho para o papel”. Aos 28 anos, Ben Platt realmente é bem mais velho que seu personagem, Evan Hansen, mas não é a primeira vez que vemos isso no cinema ou em séries – podemos citar milhares de séries com personagens adolescentes e atores que são bem mais velhos… não acho que a escolha de Ben Platt para o papel seja um problema. Na verdade, devido a todos os prêmios citados, eu acho justíssimo que seja ele a interpretar o personagem mais uma vez no cinema, mas ele também prova, mais uma vez no filme, que merecia esse papel, porque ele passou anos de sua vida o interpretando, e o faz novamente brilhantemente, com toda a emoção que o personagem exige.

Sua atuação é impecável e merece ser aplaudida.

“Dear Evan Hansen” é uma estranha montanha-russa de informações e emoções – não é o musical que vai te deixar feliz e pra cima, mas é um musical que vai te fazer pensar e que pode, ainda, te deixar com o coração quentinho no final… é um drama extremamente poderoso e bem contado. Para quem não conhece a história, é inesperado o “plot twist” que acontece logo no início do filme. Estamos acompanhando Evan Hansen durante seu primeiro dia de aula, e o vemos sofrer por não conseguir falar com a menina de quem gosta, por exemplo, ou quando Connor Murphy grita com ele no corredor da escola, sendo que ele só estava sorrindo solidariamente. A confusão é armada quando Evan digita uma carta para si próprio (uma tarefa de seu terapeuta) no computador da biblioteca e a assina com “Sincerely, Me”, e então a carta acaba sendo descoberta por Connor.

Connor Murphy é um personagem complicado. O vemos em “segundo plano”, ouvimos comentários a seu respeito, e demoramos para, de fato, prestar atenção nele – e o fazemos quando já é tarde demais. Connor também é excluído, zoado na escola, e também tem problemas psicológicos aos quais ninguém presta atenção. Naquela inusitada cena da biblioteca, ele e Evan quase se aproximam, Connor assina seu gesso dizendo que “agora os dois podem fingir que têm amigos”, mas ele é instável e surta logo em seguida ao ler a carta de Evan Hansen e ver que ele fala sobre Zoe, sua irmã. Então, Connor Murphy vai embora levando consigo a carta, para o desespero de Evan, que vasculha os perfis online de Connor sem parar, esperando pelo momento em que ele inevitavelmente vai publicar a carta e então a sua vida estará acabada de vez.

A carta, no entanto, nunca é publicada por Connor… na verdade, ele passa dias sem ir para a escola, e Evan Hansen é eventualmente chamado à sala da diretora porque os pais de Connor querem falar com ele. Essa é uma virada inesperada da história que nos faz rir de puro nervoso enquanto vemos as coisas se complicarem cada vez mais. Connor cometeu suicídio, e agora a mãe dele acredita que Evan Hansen era seu melhor amigo: afinal de contas, ele tinha com ele uma carta endereçada a Evan, além de “Connor” estar escrito no gesso do garoto… de alguma maneira, tudo realmente parece indicar que Connor e Evan eram amigos, e eu vou defender o Evan aqui e dizer que ele pensou em dizer a verdade, contar que foi ele mesmo quem escreveu a carta e Connor só a tomou, mas Evan Hansen tem dificuldade de comunicação, e Cynthia não lhe deu muito espaço…

Quando Evan Hansen percebeu, já era tarde demais – e ele acaba se enrolando nessa história cada vez mais. Cynthia é facilmente enganada porque, no fundo, ela quer ser enganada. Ela chama Evan Hansen para um jantar e ele pensa em dizer a verdade, mas ele vê a expectativa no olhar e na postura da mãe de Connor e percebe que não consegue fazer isso, e então começa a contar a história sobre a árvore, pensando no dia em que caiu, e os pais de Connor rapidamente completam a fantasia, citando um pomar que era importante para Connor na infância, e tudo parece se encaixar, enquanto Evan Hansen inventa toda uma história em “For Forever”. É, na verdade, de partir o coração, porque todos, inclusive o Evan, estão sendo enganados naquele momento. Foi doloroso assistir à cena do Evan caindo da árvore e o Connor vindo lhe dar a mão, porque parte dele queria que tivesse sido assim…

Assim, as coisas só se complicam cada vez mais, e dá um nervoso notar no que Evan Hansen está se metendo, mas ele não consegue evitar: a Família Murphy está muito mais feliz do que estava antes, e ele está recebendo carinho e atenção de uma “família de verdade”, enquanto a própria mãe parece passar o tempo todo trabalhando e não tem tempo para ele. Com a ajuda de um amigo da família, Evan Hansen forja uma série de e-mails entre ele e Connor durante a divertida e bizarra “Sincerely, Me”, uma cena que mostra o que Evan está projetando para seu melhor amigo Connor, uma figura alegre e parceira que ele gostaria de ter tido, que Cynthia fica feliz em saber que o filho era, mas que, na verdade, não é real – a imagem mais “monstruosa” de Connor, da qual Zoe se lembra bem, é lentamente apagada. Mas ele não era aquilo que Evan está pintando.

“Requiem” é uma das minhas músicas favoritas do musical, embora eu não saiba se consiga ouvi-la no CD, fora do filme, porque é uma música fortíssima… requiém é a prece feita nas igrejas para os mortos, e aqui temos a Família Murphy dizendo que não vai cantar nenhum requiém para o Connor – Zoe porque sabe quem o irmão era de verdade e isso ainda a machuca; Larry porque está em negação e ainda nem chorou desde a morte; e Cynthia porque, graças aos e-mails de Evan, sente que “o filho continua ali”. É doloroso demais. E é aqui que realmente acabamos julgando o Evan, porque ele deixa a mentira se prolongar de maneira perigosa, mas eu nunca o condenei. Eu não sei o que eu faria se estivesse na situação dele, infelizmente. E por mais que Connor não fosse o que ele conta, podemos ver Zoe se iludir com um irmão que a amava em “If I Could Tell Her”, por exemplo.

É uma ilusão, uma mentira… mas Evan Hansen fez por mal? Eu não acho que tenha feito.

Naturalmente, tudo fica cada vez maior, e eu me peguei o filme todo extremamente angustiado, porque eu sabia que, em algum momento, isso tudo viria por terra, e me angustiava não saber como Evan Hansen lidaria com isso – porque eu me importo muito com o Evan Hansen e queria protegê-lo. Alana, alguém que gostava de verdade de Connor, aparentemente, busca Evan Hansen e pede sua ajuda para duas coisas: um memorial que está organizando para Connor, e um projeto para revitalizar e reinaugurar o pomar que era tão importante para ele, e um grupo para ajudar outras pessoas com problemas, como o Connor, como o Evan… como ela mesma (“The Anonymous Ones”) E, aqui, a mentira de Evan Hansen ganha proporções inimagináveis em uma cena desesperadora e bela. Durante o discurso em homenagem a Connor, Evan Hansen se atrapalha, derruba o microfone, as pessoas riem dele e o filmam, e isso é profundamente revoltante, porque mostra que ninguém aprendeu nada

Evan Hansen podia se matar por causa do bullying e, em uma semana, as pessoas estariam fingindo que se importavam com ele, como estavam fazendo com Connor naquele momento, mas seria apenas uma máscara até encontrarem outra vítima com quem eles não se importam. Esse era um dos momentos em que eu queria poder abraçar o Evan Hansen, como a mãe dele faz no fim do filme, e dizer que tudo ia ficar bem. Mesmo assim, Evan Hansen surpreendentemente consegue se levantar, apagar todos ao seu redor e fazer um discurso emocionante durante a lindíssima “You Will Be Found”, uma das melhores músicas de “Dear Evan Hansen”, que facilmente me traz lágrimas aos olhos. Uma música que viraliza na internet, que chama a atenção do mundo para Evan e para a história de Connor Murphy. Uma atenção que ele não sabe se queria.

As opiniões sobre o Evan Hansen divergem demais entre os fãs da história. Particularmente, eu não consigo vê-lo como “vilão” nem condená-lo. Evan Hansen é, também, uma vítima de uma série de coisas. Ele nunca teve um amigo e sempre quis ter um, por exemplo, e através dessa fantasia ele mesmo pôde acreditar na mentira de que ele e Connor eram amigos; ele sempre desejou que a mãe estivesse mais presente, e os Murphy o acolheram como se ele fosse o filho deles, e ele gostou de receber o carinho e a atenção que ele não achava ter em casa; e ele finalmente pôde superar seu medo de falar com a garota de quem gostava. Evan Hansen não fez a escolha certa ao mentir para os Murphy, mas, no fim, eu não sei se isso foi mesmo uma escolha… aconteceu sem que ele se desse conta da proporção que ia tomar e, quando viu, era grande demais.

Ele é obrigado a contar a verdade eventualmente, quando Alana começa a se perguntar se Evan e Connor eram realmente amigos e ele lhe envia a primeira carta, aquela que ele escreveu para si mesmo na biblioteca e que foi encontrada com Connor no dia de sua morte, como um “bilhete suicida” ao melhor amigo. Alana acaba a postando online para tentar conseguir o que resta do dinheiro para a revitalização do pomar, uma atitude inconsequente, e a carta toma proporções indesejadas quando ela é compartilhada infinitamente e os ataques passam a ser aos Murphy. Os Murphy provavelmente falharam demais em relação ao Connor, mas os ataques de ódio que eles recebem não eram necessários, e é desesperador ver as mensagens e os comentários chegando, ver como isso afeta Cynthia – as pessoas têm uma facilidade imensa para julgar e atacar os outros.

Então, Evan Hansen acaba tendo que contar a verdade, em uma cena dolorosa e emocionante, e aqui eu novamente elogio Ben Platt pela sua atuação brilhante, e não me refiro nem exclusivamente ao que ele diz, como diz ou à música, tudo impecável: mas a maneira como ele reage em silêncio e desespero profundo enquanto Larry pede que Cynthia pare de ler os comentários, por exemplo. Então, Evan finalmente coloca tudo para fora, diz que ele e Connor nunca foram amigos, que quem escreveu a carta foi ele mesmo e que o Connor só a encontrou e por isso estava com ela quando se matou, e então ele explica, embora não haja explicação, por que permitiu que essa mentira fosse tão longe… porque ele gostava de ter uma mãe que estava sempre ali porque não tinha outra coisa para fazer além de ser mãe, ou porque gostava de ter um pai presente.

Eu chorei com Evan Hansen. E temi pelo que ele faria em seguida. Descobrimos que Evan Hansen não “caiu” da árvore durante as férias de verão, como foi dito o filme todo, mas que ele se jogou lá de cima, e agora o vemos novamente no mesmo parque de antes, cantando a linda e dolorosa “Words Fail”, nos perguntando se ele tentará isso novamente… afinal de contas, ele está sozinho novamente… tudo o que ele tinha durante o filme depois da morte de Connor Murphy simplesmente desaparece. Eu fiquei angustiado e apreensivo durante toda a sequência, enquanto a mãe de Evan chega em casa e a casa está silenciosa, aparentemente vazia, e eu só solto todo o ar do pulmão, aliviado, quando ela chega no quarto de Evan e ele está lá, sentado no chão, abraçando os joelhos e chorando. E aqui temos uma cena lindíssima entre Evan e a mãe, Heidi.

Vários musicais nos comovem com cenas de mãe e filho, e “Dear Evan Hansen” faz isso lindamente em um diálogo importantíssimo que conta com a mãe se dando conta, talvez pela primeira vez, do quanto o filho realmente precisa de ajuda – o fato de a carta original ter sido escrita por ele e de ele ter tentado se matar no último verão a fazem ver que ele está sofrendo muito mais do que ela imaginava, e então ela promete estar ali por ele quando ele precisar. “So Big / So Small” é uma música linda e triste que relembra o momento em que o pai de Evan os abandonou, e é uma música que serve tanto para ver o sofrimento de Heidi e sua insegurança sobre como seria cuidar do seu filho sozinha, e o medo do próprio Evan Hansen, ainda criança, que temia que a mãe também fosse embora… agora, no entanto, ela promete que nunca irá, que sempre estará ao seu lado.

É TÃO LINDO E TÃO EMOCIONANTE!

O filme é doloroso, mas ele nos acaricia depois de tantos socos em uma sequência final que traz um pouco de esperança e calor ao coração. Depois de toda a confusão, Evan Hansen decide fazer o que é certo e confessar sua mentira no Instagram (apesar de que eu acho que ele devia ter explicado como aconteceu, porque não foi algo calculado nem nada) e conhecer o que puder de Connor Murphy. Ele começa a ler todos os livros favoritos de seu “amigo”, o que o faz se sentir mais próximo dele, e busca qualquer informação que consiga dele de pessoas que o marcaram em fotos no Facebook, por exemplo, e é assim que ele chega a um vídeo de Connor, na reabilitação, tocando o violão e cantando “A Little Closer”, e então ele envia esse vídeo de presente aos Murphy: finalmente algo real. É emocionante ver os Murphy assistindo ao vídeo, e eu chorei com eles. Infelizmente, os Murphy não podem esquecer tudo o que Evan Hansen fez, todas as mentiras que contou, o que quer dizer que eles precisarão se manter afastados, mas eles o perdoaram, no fim. E isso meio que une a família, de algum modo.

É muito bom ver Evan Hansen “recomeçando” no fim, acho que ele será uma nova pessoa de agora em diante… a sua última carta tem um teor bem diferente da primeira, e isso me enche de esperanças. Acho “Dear Evan Hansen” LINDÍSSIMO. É um filme forte, um filme intenso, um drama poderoso que nos atinge em cheio, e as músicas acentuam esses sentimentos de maneira brilhante. Um filme que eu recomendaria para quem é fã de musical e/ou para quem gosta de tramas que abordam temas como a depressão e ansiedade em adolescentes. É um filme rico e significativo, eu acredito. E acho que muitas pessoas também… afinal de contas, o filme pode ter um nível de aprovação de apenas 30% da crítica no Rotten Tomatoes, mas ele tem uma aprovação de 88% do público, provando que não foi apenas a mim que o filme tocou profundamente…

Adorei o filme!

 

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