Primeiro Capítulo de “A Casa das Sete Mulheres” (07 de janeiro de 2003)

 

“Em 1835, a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul sofria com o abandono e os altos impostos. O governo imperial, instalado no Rio de Janeiro, exigia tudo e não nos dava nada, sequer um presidente de província que zelasse pelos nossos interesses e respeitasse a nossa dignidade. Cansados de tanta opressão, as tropas de meu tio Bento Gonçalves entraram em Porto Alegre, destituíram o presidente Braga. Mas ao invés de o Império promover a paz, nos mandou Araújo Ribeiro para continuar a rapinagem. Com ele, vieram mais e mais caramurus”

 

REVOLUÇÃO FARROUPILHA… A GUERRA CIVIL MAIS LONGA DA HISTÓRIA DO BRASIL. Inspirado pelo livro homônimo de Letícia Wierzchowski, “A Casa das Sete Mulheres” é uma das minisséries mais célebres da Rede Globo, exibida entre janeiro e abril de 2003. Com uma fotografia belíssima, protagonistas fortes e a Revolução Farroupilha como pano de fundo, “A Casa das Sete Mulheres” é uma produção que impressiona e que marca, através de suas lutas, seus romances, suas impossibilidades… o primeiro capítulo já é impactante, e nos apresenta às protagonistas conforme elas partem para uma espécie de isolamento em uma estância, frente à iminência de uma guerra que todos sabem que está prestes a explodir, com destaque claro a duas mulheres: Rosário e Manuela.

Embora a narrativa inicial seja uma entrada em seu diário na voz de Manuela, interpretada por Camila Morgado, a primeira personagem de “A Casa das Sete Mulheres” que vemos é Rosário, interpretada por Mariana Ximenes – e é a partir do ponto de vista dela que grande parte do primeiro capítulo se desenvolve, tanto pela introdução de um romance shakespeariano de Rosário com um caramuru (como elas chamavam os soldados imperiais), quanto pelo ataque sofrido pela personagem, que faz com que a decisão de partir para a estância seja tomada. Rosário tem o costume de nadar no rio, e ela acaba chamando a atenção de alguns caramurus desgraç*dos, e embora ela e sua criada escapem, elas acabam sendo seguidas por dois soldados que querem abusar delas.

Toda a sequência de perseguição é angustiante e causa asco, e é curiosa a ironia de Rosário ser encurralada dentro de uma igreja – a perversidade escancarada daqueles homens em frente ao altar! Enquanto um dos homens agarra Rosário à força e o outro assiste, Manuela, a irmã de Rosário, aparece e manda ele se afastar da sua irmã, e é uma introdução digna à Manuela, uma personagem tão forte e tão expressiva de “A Casa das Sete Mulheres”: naquele momento mesmo, podemos ver a força da personagem! Felizmente, o Capitão Estevão, interpretado por Thiago Fragoso, também aparece, salvando Rosário com um tiro no homem que a agarra e mandando que levem o segundo preso… é tão intenso, e ele foi o herói em um momento traumático…

É natural que ela se apaixone.

O Capitão Estevão acompanha Rosário e Manuela de volta para casa, emprestando a sua farda para que Rosário possa “se recompor”, o que deixa a mãe de ambas enojada e com raiva. Dona Maria, interpretada por Nívea Maria, é da família de Bento Gonçalves, enquanto aquele homem que acompanha suas filhas é um homem do império… embora Rosário e Manuela defendam o caramuru e falem da honra com que ele se portou, Dona Maria pouco se importa – e ela acredita que essa é a oportunidade perfeita para a família se mudar para a estância: se os caramurus estão se sentindo tão “à vontade” na cidade para sair atacando mulheres, então a guerra é uma questão de tempo… e Bento Gonçalves as instruíra a mudar-se para a estância caso chegassem à guerra.

As mulheres organizam tudo depressa e partem em uma caravana rumo a um lugar isolado, e Estevão, ao ver Rosário partir, lhe entrega um botão, para que ela se lembre dele… ele também faz com que sua tropa siga a caravana de perto, para garantir sua segurança, o que, como Manuela escreve em seu diário, deixa Dona Maria furiosa – e ela nem imagina que um capitão caramuru está apaixonado por uma de suas filhas, e é correspondido! Durante a noite, quando elas acampam para descansar, Rosário escapa para encontrar-se às escondidas com Estevão, em um romance a la “Romeu & Julieta”: o romance de Rosário e Estevão tem a mesma intensidade, juventude e tragicidade da obra shakespeariana. E Rosário sabe o quanto é impossível… sua família odeia tudo o que a sua farda representa.

Quando ela escuta o chamado da mãe, ela diz que aquele foi o início e o fim do seu romance.

Mas promete nunca esquecê-lo.

Ao saber que a família está “de mudança”, Bento Gonçalves também envia seus homens para serem uma escolta e garantir a chegada em segurança na estância – essa segunda escolta, ironicamente liderada por Afonso, o prometido de Rosário (se Rosário é a Julieta, Afonso é seu “Conde Páris”). Eu ADORO a chegada da caravana à estância, como elas são recebidas (destaque para a bondade de Dona Ana Joaquina, interpretada por Bete Mendes, que interpretaria a Dona Benta na versão de 2007 do “Sítio do Picapau Amarelo”), e como “A Casa das Sete Mulheres” parece explodir de personagens e relações a partir dali… tem algo de tão gostoso em ainda não saber quais são as histórias de todos esses personagens, mas saber que poderemos explorar isso em breve.

A chegada das mulheres à estância e, pouco depois, também de Bento Gonçalves, traz novos elementos e incorpora detalhes da Revolução Farroupilha, que está prestes a estourar. Conhecemos o asqueroso Bento Manuel, por exemplo, que é um homem que inveja tudo que é de Bento Gonçalves, inclusive a esposa, e é descrito de maneira brilhante por Antônia: “Dizem que ele vendeu a alma ao diabo. Mas esse homem é tão ruim que nem o diabo ia se meter com ele”. E é também aí que Giuseppe Garibaldi, interpretado por Thiago Lacerda, é citado pela primeira vez e, ao ouvir falar sobre o italiano que está chegando, Manuela fica toda empolgada: é o estrangeiro sobre o qual ela sempre soube… esse é o dia em que ela descobriu o nome do seu amado.

Gosto muito da personagem de Manuela, e de como ela sente, vê e sabe de coisas antes de todo mundo… a chegada de Giuseppe Garibaldi não é uma novidade para ela, nem o romance que eles viverão, embora até aquele dia ela não soubesse o seu nome. Quando a família está organizando detalhes para o casamento de Rosário e Afonso, também, Manuela lhe dá um conselho: que ela diga a todos que “ela só vai se casar em tempos de paz”, porque ela viu uma nuvem de sangue no céu e ela sabe que a guerra vai estourar… e que elas ficarão ali por muito tempo. Rosário diz à mãe que não quer se casar, porque não ama Afonso, e aproveita para dizer algumas coisas para Dona Maria. Isso lhe garante um tapa furioso da mãe? Sim. Mas ela arrasou também!

E ainda tem a Antônia perguntando por que ela bateu na guria… por dizer a verdade?

O fim do primeiro capítulo acontece durante uma batalha sangrenta cuja ajuda de Neto e sua tropa muda o rumo da luta em favor dos Farroupilhas. A direção da cena e a dramaticidade do roteiro ao colocar Estevão e Afonso em um duelo um contra o outro são admiráveis, e Estevão leva um tiro próximo ao coração, que ainda o permite seguir lutando, mas o enfraquece – e, nesse exato momento, Rosário tem um mau pressentimento, mostrando que a sensitividade não é apenas de Manuela, talvez. Após a vitória dos Farroupilhas e entre gritos de “Viva o Rio Grande!”, Estevão vaga, parcialmente desmaiado, sobre um cavalo que não sabe conduzir, até ser encontrado por Rosário, em uma excelente última cena, na qual ela implora para que ele não morra.

ÓTIMO PRIMEIRO CAPÍTULO!

E, agora, seguimos em frente! “A Casa das Sete Mulheres” é um ícone da teledramaturgia!

 

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