Pássaro Branco (R. J. Palacio)
“Aqueles que não se lembram do passado estão
condenados a repeti-lo”
- George Santayana
Poderosa e
necessária, “Pássaro Branco” é uma HQ
escrita e ilustrada por R. J. Palacio e publicada em 2019, fazendo parte do
mesmo universo de “Extraordinário”.
Após contar a história de Auggie em seu primeiro livro, a autora expandiu a
trama de alguns personagens em “Auggie
& Eu”, e é daí que surge a história que, agora, podemos ler em “Pássaro Branco”: a história da
Grandmère de Julian e como ela precisou se esconder de nazistas na França
durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto judeus eram exterminados. A obra,
bonita, sincera e emocionante, é um chamado para que não deixemos que essas histórias
do passado sejam esquecidas, para que elas nunca aconteçam novamente –
especialmente frente às ameaças recentes.
A maneira
como é constante a intolerância é algo particularmente doloroso em “Pássaro Branco”, e é daí que parte a
narrativa de R. J. Palacio. Assim como Julian fez da vida de Auggie um inferno
porque ele era “diferente”, Sara, sua avó, teve todo o seu povo perseguido e
exterminado durante a Segunda Guerra Mundial também porque eles eram
“diferentes”, e o mais irônico (e perverso) de tudo é que, antes de Sara
precisar se esconder para salvar a própria vida, havia um garoto na escola, o
Julien, que era maltratado por tantos colegas porque… ele era “diferente”. E ainda que Julien não fosse maltratado
diretamente por Sara, ela era uma espectadora que assistia aos acontecimentos e
não fazia nada para impedi-los… então, quão inocente ela pode ser?
Sara, a
Grandmère de Julian, era uma garota judia vivendo na França durante a Segunda
Guerra Mundial, razoavelmente certa de que ela estava “segura” porque eles
viviam na chamada “Zona Livre”. É muito fácil não fazer nada e fingir que
está tudo bem quando as pessoas afetadas, ainda que seus iguais, não são literalmente você. O avanço da
intolerância e dos nazistas, no entanto, fatidicamente chega à “Zona Livre”, e
então Sara é despertada para o horror da guerra e da selvageria do fanatismo
que está matando tantas pessoas. Em uma sequência desesperadora, a escola é
avisada de que soldados nazistas estão chegando para buscar as crianças judias,
e elas tentam escapar, com ajuda, para a floresta – todos menos Sara, que fica
com medo…
Com medo de estragar seus sapatos vermelhos.
Os sapatos
vermelhos de Sara são um símbolo e tanto para “Pássaro Branco”, porque representam a futilidade das coisas com as
quais ela costumava se preocupar, e eles perdem totalmente o seu significado
quando Sara descobre que há muitas outras coisas com as quais ela deveria estar
preocupada… ironicamente, os “sapatos vermelhos” salvam a sua vida, porque as
crianças que fugiram para a floresta são capturadas rapidamente, e ela fica
escondida na torre do sino da escola, um lugar ao qual ninguém vem há muito
tempo – mas ao qual os nazistas vão chegar mais cedo ou mais tarde. Eles a
teriam descoberto, se não fosse por Julien Beaumier, o garoto que sofre bullying de tanta gente na escola porque
ele teve poliomielite…
Julien
Beaumier é um garoto bom, e ele sabe uma rota de fuga perfeita porque o pai
trabalho nos esgotos e ele conhece
aqueles túneis. Então, Julien esconde Sara no celeiro e os Beaumier ajudam
em tudo o que podem – anjos da guarda que salvam a vida de Sara. Eles preparam
o celeiro para que ela fique invisível para pessoas que por ventura entrarem e
levam roupas e comida diariamente… não quer dizer que não seja sofrido. Sara passa
meses e meses e meses trancada dentro do celeiro, sem nunca poder sair,
passando frio em noites geladas e calor em dias quentes, a maior parte do tempo
sem companhia, contando com aqueles pequenos bons momentos em que os Beaumier,
qualquer um dos três, aparece para lhe fazer companhia… as melhores horas do seu dia são com Julien.
As relações
que se estabelecem naqueles longos meses difíceis são muito bonitas. Sara tem
Vivienne como uma nova mãe, e Julien… bem,
Julien é tudo para ela. É muito bonito como Sara e Julien brincam dentro de
um carro estacionado ali, fingindo que estão vivendo grandes aventuras, ou como
eles jogam cartas ou como ficam em silêncio, apenas na companhia um do outro,
sem que o silêncio seja desconfortável. E é assim que o tempo passa… Sara fica
mais alta e mais magra, Julien fica mais bonito, e as novidades da guerra não
são necessariamente muito boas: os nazistas seguem avançando, a vida de Sara
segue correndo perigo. E, quando boas notícias surgem e ela se permite ter esperança, isso se converte em uma
verdadeira luz em sua vida.
Uma das
cenas mais bonitas da história é, também, uma das cenas mais tristes. Julien
convida Sara a deixar o celeiro pela primeira vez em mais de um ano, porque as
flores azuis e violeta do chão da floresta floresceram e ele sabe que ela
gostará de ver isso… e, naquela única noite especial, eles compartilham os
melhores momentos de sua vida, e Sara nem se lembra dos detalhes da conversa
mais tarde. Tudo de que ela se lembra é da companhia, do que ela sentiu, de
como naquele momento ela se sentiu melhor do que se sentia há mais de um ano. É
tão bonito e tão triste porque
sabemos que esse vai ser o começo do fim… e porque, quando eles se despedem, a
Sara do futuro, a Grandmère de Julian, nos conta que foi a última vez que ela
viu seu rosto.
Julien
Beaumier acaba sendo levado preso também – não por ser judeu, mas por ser uma
pessoa com deficiência e, portanto, “diferente”. E, ao ser levado, ele deixa
cair o caderno de desenho que Sara tinha lhe dado de presente na noite
anterior… e Vincent, um ex-colega de classe e, agora, soldado nazista, encontra
o caderno e conecta todos os pontos. É bem provável que ele esteja por trás da
prisão e morte de Julien, também, mas naquele momento ele se dá conta de que “a
garota ruiva e judia” que desapareceu deve estar escondida naquele celeiro até
o qual ele seguiu Julien um dia… no dia em que Vincent espancou Julien. Então,
Vincent vai até lá com uma arma, pronto para matar Sara, e ela não tem outra
alternativa a não ser correr…
Correr e
tentar sobreviver.
É o que Sara
faz. No clímax do livro, em um momento de tensão acentuada, Sara está correndo
pela própria vida na floresta que antes fora cenário do melhor momento da sua
vida e, agora, podia ser o seu leito de morte… não é claro como as coisas
acontecem aqui, e eu tenho algumas teorias nas quais não pretendo me estender,
mas sabemos que Sara sobrevive – e Vincent, não. Se foi mesmo “o lobo dos seus
sonhos” que apareceu para enfrentar Vincent e salvar a sua vida ou se era uma
manifestação de seu interior, se “transformando” em um lobo para salvar a
própria vida depois de tudo, nunca
saberemos. De todo modo, Sara sobrevive, machuca o pé de alguma maneira e
retorna para casa, tentando encontrar os Beaumier para avisar sobre Julien.
Gosto
bastante das reviravoltas do fim do livro… gosto de como descobrimos que os
vizinhos dos Beaumier não eram “informantes dos nazistas”, como eles pensaram
inicialmente, e como descobrimos que eles pensavam o mesmo sobre os Beaumier.
Era um momento em que a bondade precisava ser encoberta e onde não se podia
confiar em ninguém… Sara, no entanto, teria ficado muito bem se tivesse podido
contar com duas famílias a
protegendo, e Vivienne não teria que ter tido o trabalho de dar a volta pelo
centro para ir até o celeiro todo dia. Mas não tinha como eles saberem… não sem
colocar a vida deles em perigo, e eles fizeram o que podiam. Todos que eram
bons e corajosos o suficiente fizeram o que podiam para salvar vidas de pessoas
que estavam a seu alcance…
Infelizmente,
tantos não tiveram essa sorte. Aproximadamente 6 milhões de judeus morreram
durante o Holocausto, além de tantos outros grupos que foram perseguidos e
exterminados por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A parte mais triste
ao concluir uma leitura como a de “Pássaro
Branco” é pensar que, no fim das contas, isso não é ficção… tampouco é
“apenas História”. Sara e Julien podem ser personagens fictícios, é verdade,
mas quantas pessoas inocentes não morreram durante esse horror e por causa
dessas crenças? Quantas pessoas não sofrem, ainda hoje, com a ascensão de
pensamentos intolerantes muito parecidos aos que causaram todo esse horror no
passado. A mensagem é clara: precisamos estar alertas sempre.
Não podemos
esquecer. Não podemos esquecer para que não aconteça novamente.
“O que está feito não pode ser desfeito, mas podemos
evitar que aconteça de novo”
- Anne Frank
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É uma história muito triste. Você pretende fazer uma resenha sobre a adaptação cinematográfica desse livro. Não sei se você sabe, mas esse livro ganhou um filme igual a Extraordinário.
ResponderExcluirSim!!! Na verdade, eu já estou com o texto escrito, só estava esperando postar primeiro a HQ para daí poder postar sobre o filme, mas postarei em breve.
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