The Sandman 2x05 – Chapter 15: The Song of Orpheus

“Those who seek destruction usually find it”

Eu adoro os caminhos que a série encontra para incluir histórias razoavelmente isoladas, como “A Canção de Orpheus”, que esteve presente em “Fábulas e Reflexões”, no meio de outros arcos para os quais elas podem ser importantes – e, dessa vez, uma das melhores edições de “Sandman” se torna parte de “Vidas Breves”, e o resultado é tão bom que eu digo com tranquilidade que esse é um dos melhores episódios da série. Com 1h05min de duração, eu terminei o episódio com a clara sensação de que eu tinha encontrado ARTE. O episódio é lindíssimo visualmente e tem um roteiro bem trabalhado que conta a “história fechada” de Orpheus, o filho do Senhor do Sonhar, e a usa para impulsionar a busca de Sonho e Delírio por Destruição, o Perpétuo desaparecido.

Destruição não está “perdido”. Ele escolheu afastar-se de tudo: deixar seu Reino, deixar seus irmãos e viver isoladamente. Retornamos a 1675, na Inglaterra, quando Isaac Newton estava fazendo avanços significativos na ciência e quando Destruição percebeu que os humanos não parariam… que eles dividiriam o que parecia indivisível e usariam isso para destruir uns aos outros e a eles mesmos. Destruição não queria assistir a isso, não queria ser parte disso, e por isso ele foi embora. Sonho não entende por que ele abandonou a humanidade se ele dizia amá-la tanto, mas Lucienne sim: ele o fez para não se sentir culpado. Agora, ele está vivendo sozinho com Barnabas, tentando diferentes tipos de arte, como a pintura no episódio anterior e a escrita de poemas nesse.

Fiquei muito contente por esse episódio ainda retornar à história de Wanda, porque eu sinto que precisávamos de uma conclusão que intensificasse a mensagem. Mesmo com pouca aparição, Wanda é uma personagem importante e impactante da HQ e da série. Morpheus vai pessoalmente ao seu velório e conversa com uma tia que a chama pelo nome morto em uma fala que transborda transfobia, e então temos uma visão mais clara da família religiosa e preconceituosa da qual ela vinha, e a tia talvez fosse a pessoa que podia ser melhor… quando ela chama a sobrinha de “Wanda” e a trata no feminino, ela pergunta se ela era feliz, e ela parece muito mais leve agora. Ela está ali para entregar a Sonho o livro de Wanda que ele pedira.

Trata-se, é claro, de sua cópia de “A Maravilhosa Terra de Oz”. Morpheus sabe que, de um modo ou de outro, ele foi o responsável por essa morte por buscar Destruição e não há nada que ele possa fazer para mudar isso, mas ele quer fazer o pouco que pode… ele conversa com a irmã, Morte, sobre como não é certo ter aquele nome na lápide de Wanda e então o corrige, e deixa o livro para que, de alguma maneira, ela o encontre. E ela encontra. Tudo é muito simbólico e muito bonito, e ainda temos a oportunidade de ver Wanda uma última vez, sentada na relva, olhando para o céu e conversando com a Morte antes de partir… a Morte lhe estende a mão e Wanda caminha, abraçada ao livro que significa tanto para ela e que Sonho trouxera.

Morte aconselha Sonho a ir atrás de Delírio, mas diz que não pode ir com ele: ela tem suas tarefas a cumprir e essa é uma missão que ele deve concluir sozinho. Tudo o que ela faz é abrir o caminho até o Reino de Delírio, e Sonho caminha por lá em uma representação confusa e caótica que enfim o leva até a irmã mais nova, que está escondida, chorando, e disposta a dizer que o odeia – e ele entende que ela tem motivo para isso e diz isso em voz alta. É bacana ver o Sonho pedir desculpas por mentir para ela e quebrar sua confiança, e ele também diz que não veio para pedir perdão, porque não o perdoaria em seu lugar, mas para pedir que ela considere retomar a jornada deles. É uma cena sincera, bonita e eu adoro a relação de Sonho e Delírio.

Tão bom ver o Sonho deixar escapar um sorriso na presença da irmã.

A ideia de Sonho é ir em busca de Destino dessa vez… Delírio sabe que Destino não vai contar nada, mas Morpheus sabe que muita coisa está justamente no que Destino não diz. Para encontrar Destruição, Morpheus precisará de um oráculo, e embora inicialmente ele diga que não existe mais nenhum, Destino o faz se lembrar de um oráculo que, sim, ainda existe e que fala justamente sobre a família deles: seu filho. A introdução de Orpheus na história de “The Sandman” nos conduz de volta à Grécia Antiga no ano de 1700 a.C., para o dia em que o filho de Morpheus estava prestes a se casar com Eurídice e tivera um sonho premonitório. Eu gosto de tudo aqui: eu gosto da mudança no estilo, no visual, no clima da narrativa, os nomes pelos quais os Perpétuos atendiam na época…

É FASCINANTE!

O casamento de Orpheus é um dia de celebração, inicialmente, mas de lágrimas no fim. Durante a festa, depois da cerimônia, Orpheus e Eurídice resolvem sair sozinhos para uma clareira e, no meio do caminho, ela é picada por uma cobra. Desesperado, Orpheus segura a esposa e grita por ajuda, e não se dá conta do que a chegada de Teleute/Morte quer dizer… em sua cabeça, é sua tia, convidada do casamento, que estava por ali, mas Teleute está fazendo o seu trabalho – que é levar Eurídice. É a morte de Eurídice no dia do casamento que muda a trajetória de Orpheus para sempre. Jovem, inconsequente e incapaz de lidar com o luto, Orpheus é capaz de qualquer coisa para ter a sua esposa de volta, e ele pede toda a ajuda na qual consegue pensar. Ele pede a ajuda do pai, Morpheus, e acha um absurdo que o pai se recuse a ajudá-lo.

Morpheus não estava errado. Ele não estava, como Orpheus parece acreditar, sendo alguém insensível – é justamente o contrário: é por se importar com ele que ele se recusa a ajudar. Quando Orpheus pede que ele vá até o Submundo para falar com Hades e Perséfone, Morpheus fala sobre como eles pedirão em troca a vida de Oprheus, e ele não pretende negociar com a vida do seu próprio filho… “She is dead. You are alive. So live”. Incapaz de entender o pai, Orpheus o nega, diz que não é mais seu filho e segue adiante com seus planos, pensando em tirar a própria vida para estar com Eurídice no Submundo, sendo impedido por Destruição, que o orienta a ir falar diretamente com Teleute, abrindo, inclusive, a passagem para lá…

A casa de Teleute é diacrônica, não pertence à realidade da Grécia Antiga, e é interessante ver Orpheus ali, destoando do cenário e se sentindo estranho, mas ele acha que combina com a tia… a cena é excelente, e Teleute pode ajudar Orpheus, mas isso não quer dizer que ela queira fazê-lo, porque ela sabe o preço que será cobrado. Ele quer ir até o Submundo para negociar pessoalmente com Hades e Perséfone e tentar trazer Eurídice de volta, mas, para fazer isso, Teleute teria que concordar em nunca levá-lo. Naquele momento, a imortalidade pode até parecer uma dádiva, mas Orpheus está fadado a viver milhares e milhares de anos não desejando nada mais além da morte e não podendo morrer. Novamente, Orpheus é incapaz de entender isso.

Então, Orpheus desce ao Submundo, pedindo uma audiência com Hades e Perséfone, e toda essa sequência é arrepiante. A representação do Submundo é excelente, com um tom escuro e melancólico, e ele é tomado pela Canção de Orpheus. Hades e Perséfone lhe pedem uma canção, e ele canta… uma canção de coração partido, sobre a mulher que ama, e há tanto sentimento e verdade naquela música que isso disturba o Submundo. Almas, tocadas pela canção, alçam voo e as Fúrias choram de emoção. Após a canção, Morpheus faz o seu pedido, e os deuses do Submundo o concedem, com algumas condições e regras: ele trilhará um caminho de volta ao mundo mortal, e Eurídice subirá com ele, como sua sombra, mas ele não pode falar com ela… tampouco se virar para olhá-la até que o sol brilhe sobre os dois.

Orpheus descumpre o acordo, e enfrenta a consequência: ao virar-se para olhar para Eurídice antes que eles estejam sob o sol, ele a perde… tão perto e tão inalcançável. E, agora, ele viverá fadado à imortalidade sem ter as duas únicas coisas que ele quer: sua esposa ou a morte. Ele escolhe ignorar o alerta da mãe e permanecer ali e se entregar às Irmãs do Frenesi, as filhas de Dionísio que atacam e devoram animais e pessoas, achando que essa é a solução para o seu problema, que essa será a sua morte, mas Teleute lhe avisara de que nunca poderia levá-lo. Orpheus é atacado, é devorado, mas ele não pode morrer… fica para trás apenas a sua cabeça, que Morpheus encontra na praia no dia seguinte, com vida. Apenas uma cabeça que seguirá vivendo.

Filho pede ao pai que ele o ajude a morrer, mas Morpheus explica que Perpétuos não podem derramar sangue da família – e não precisa ser dito, mas isso tudo é consequência das escolhas que Orpheus fizera, mesmo com as advertências. Enquanto grita pelo pai e implora para morrer, Orpheus é deixado na areia da praia enquanto Morpheus caminha para longe. É UMA CENA BASTANTE MARCANTE… e uma memória que ainda atormenta Morpheus. Agora, ele sabe o que precisa fazer: para encontrar Destruição e deter o que quer que esteja acontecendo, ele precisa ir atrás do único oráculo do qual se tem notícia, que é o seu próprio filho… e ele sabe o preço que Orpheus cobrará para o ajudar: ele pedirá que o pai o ajude a morrer.

QUE EPISÓDIO FENOMENAL!

 

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