HAIR: O Musical (2025) – HARE KRISHNA: Personagens e Temas

“Pra onde eu vou? Qual a saída?”

São nos personagens e nos temas abordados por eles que reside a maior força de “Hair: O Musical”. O musical, que estreou na Broadway em 1968 e ganhou versões brasileiras anteriores em 1969 e em 2010, ganha uma nova temporada em 2025 que mostra o quanto essa história, ambientada na Nova York de 1968 enquanto jovens eram enviados para a Guerra do Vietnã para “morrer por seu país”, segue sendo atual. “Hair” fala sobre identidade, sobre liberdade sexual, sobre pacifismo, em um texto rico de referências e de força. Em meu primeiro texto sobre a nova versão brasileira de “Hair”, falei um pouco sobre a minha história com o musical e a história da obra, e agora gostaria de me debruçar com um pouco mais de atenção sobre alguns personagens específicos.

 

O que que a gente quer?
PAZ!
Quando a gente quer?
JÁ!
E a gente quer ser?
LIVRE!
E quando vai ser?
JÁ!

 

Se em 2010 eu tinha plena convicção de que Claude era mais protagonista do que o Berger, em 2025 eu não tenho… o Berger do Rodrigo Simas é simplesmente FANTÁSTICO, e eu fico muito feliz com o quanto ele conseguiu trazer esse personagem à vida com todas as suas nuances. Além de ser lindíssimo (assisti-lo ao vivo das primeiras fileiras do teatro é uma experiência e tanto!), o talento inegável de Rodrigo Simas permite que as facetas do personagem estejam escancaradas em pontos diferentes da peça… há aquele quê de ousadia e de provocação que é através do qual somos apresentados ao personagem durante grande parte do primeiro ato, mas há também aquele ar mais soturno e sério que toma conta dele no segundo ato, quando ele percebe o que está acontecendo…

Berger é um personagem curioso, porque existe muito mais que ele vê, pensa e sente do que ele diz. Há uma fachada conquistadora e sensual que é hipnótica, mas que tenta encobrir um lado tão assustado quanto Claude está – e é fascinante quando fragmentos de sua angústia escapam de sua “interpretação” constante. Berger está hilário e gostoso como sempre em sua interação com a plateia, e é impossível tirar os olhos dele ou não sorrir quando ele se entrega aos seus números musicais e acrobacias mirabolantes no palco, mas me fascina demais perceber o quanto sua expressão muda e quase parece transformá-lo em uma pessoa completamente diferente quando ele entende que o fato de “Claude ter limpado o quarto” quer dizer que ele está se despedindo.

Claude Bukowski, que veio do Queens, mas diz ter vindo de Manchester, na Inglaterra, é o jovem protagonista de “Hair”“Eu sou de aquário… fadado à grandeza ou à loucura”. Convocado para a Guerra como tantos de seus companheiros, ele literalmente não sabe para onde ir, não sabe qual o porquê, e busca por respostas se faz sentido ou não viver. Ele não tem e não consegue performar a coragem que Berger consegue, e isso faz parte do desenho do personagem e de toda a sua trajetória durante o musical, conforme ele ganha destaque e percebemos, eventualmente, que o garoto que quer ser invisível e operar milagres é em torno de quem a história gira. Ele e Berger funcionam como contraponto um do outro, na maneira como encaram a realidade.

 

“Manchester, Inglaterra
É lá que é lugar pra mim
Chegou o gênio, gênio
Acredito em Deus
E já que Deus é Deus
Ele acredita em mim”

 

Eduardo Borelli é quem dá vida a Claude na versão de 2025 do musical, e o tom do personagem é muito diferente do tom do personagem interpretado por Hugo Bonemer em 2010-2012, ainda que o texto seja o mesmo – se isso vem do ator ou da direção, não sei dizer. O talento de Eduardo é inegável e é um prazer assisti-lo, mas acredito que o Claude do Hugo conseguia anuviar o “ou” e dançar tanto pela grandeza quanto pela loucura, e isso dava corpo e força a um personagem tão marcado pela confusão e pela dor. Seu desafio aos pais é mais intenso e mais enfático do que um mero deboche engraçadinho (o tom do “Eu tenho cu” é um exemplo claro disso), e o Claude de Eduardo parece mais “distante”. Sinto falta da estratégia de parte do que Claude é ser, assim como é com o Berger, interpretado como uma couraça para escapar do que ele realmente sente e é.

Sinto que o Claude de Eduardo ainda precisa trazer o público para si, tornar-nos seu cúmplice.

Sheila é quem introduz a parte abertamente política em “Hair”. Interpretada por Estrela Blanco, a personagem participa de movimentos e traz notícias para a tribo, e eu gosto muitíssimo dos gritos de protestos que surgem a partir de suas aparições. Infelizmente, também tive dificuldades para me adaptar à Sheila de 2025 em pontos muito específicos, porque acho que a Estrela, apesar de ter uma voz fantástica, não está no espírito correto quando ela canta “Bom dia, estrela”, por exemplo, que é uma canção de amanhecer com características de embalo de uma canção de ninar… não é o momento para belting, porque aquela é uma celebração conjunta, a última experiência da tribo reunida antes do fatídico final naquele dia em que se espera neve.

Ainda gostaria de destacar alguns personagens menores, mas marcantes e que ajudam a tornar “Hair” tão grandioso: Thati Lopes como a “grávida demais para levar porrada da polícia hoje” Jeanie; Beatriz Martins como Dionne, dando voz a “Aquário”, uma das canções mais importantes do musical; Pietro Dal Monte como Woof, o personagem que entrega duas das minhas frases favoritas do musical (“Padre, pecado é o que a gente gosta?” e “O corpo dele me incomoda”); Drayson Menezzes como Hud, com uma música que fala sobre racismo; Giovanna Rangel arrasando como Crissy em “Frank Mills”; e, é claro, o Wagner Lima que está maravilhoso como Margaret Mead, a turista que fica fascinada ao encontrar “uma tribo de hippies” no Central Park…

Inclusive, eu gosto muito de toda a sequência de Margaret Mead no musical… é uma piada constante, mas rende um dos números musicais mais importantes e uma mensagem bacana. Sua curiosidade faz com que Berger, Claude e os demais expliquem o porquê de eles terem cabelões, e a potência de “Hair”, a música que dá título ao musical, nos envolve: é extasiante, exagerado, empolgante e convidativo! E Margaret chega a conclusões e deixa para trás uma mensagem poderosa: “Eu gostaria que todas as mães e pais desse teatro fossem para suas casas e dissessem para seus filhos adolescentes: ‘Crianças, sejam livres, sem culpa, sejam quem vocês são, façam o que quiserem fazer… desde que não façam mal a ninguém’”. Ah, claro, e o Hubert é um espetáculo silencioso!

“Hair” tem muitos personagens fascinantes, muita história para contar…

E um segundo ato que funciona tal qual um soco no estômago.

 

Texto 2 de 3
Para mais textos de “Hair: O Musical”, clique aqui.
Visite também “Teatro no Brasil” em nossa Página.

 

Comentários