HAIR: O Musical (2025) – DEIXA O SOL ENTRAR

“Abra as janelas e as portas e canta: DEIXA O SOL ENTRAR!”

Comentar “Hair” é e sempre será uma experiência magnífica para mim. O musical que me impactou tão profundamente em 2012 e se tornou parte da minha vida é tão rico que eu poderia passar semanas escrevendo textos sem nunca ter a sensação de que disse tudo o que tinha a ser dito… com um texto livre e ácido que nasce em um período de revolução e resistência, repleto de referências e simbolismos, “Hair: O Musical” clama por liberdade em vários níveis – pela liberdade política, sexual, identitária, etc. Gosto de como o musical caminha com destreza por sequências absurdamente cômicas e/ou sensuais, pela psicodelia que é fuga, refúgio e, de alguma maneira, luta, e pelo drama da inevitabilidade que culmina em um segundo ato que eu gosto de chamar de “soco no estômago”.

Em um musical que parece ter sido escrito em um fluxo de consciência, Claude Bukowski é um fio condutor importante. Rebelado, mas não inteiramente, contra a família, ele se refugia com sua tribo em um teatro abandonado, enquanto os pais questionam todas as suas escolhas e esperam que ele vá para a guerra para “morrer por seu país” – não é nem mesmo “lutar por seu país”, mas “morrer por seu país”, tamanha a cegueira. A conclusão do primeiro ato de “Hair” traz uma cerimônia ritualística de queima das convocações para a guerra, culminando na icônica cena de nudez que é um ato político e revolucionário. Sem qualquer conotação sexual, a nudez do fim do primeiro ato de “Hair” é um elemento simbólico da mensagem do musical, enquanto Claude canta “Pra onde eu vou?”.

O segundo ato de “Hair” é conduzido por Claude e/ou a experiência ao seu redor. Inicialmente desaparecido, ele retorna dizendo que limpou o seu quarto e trouxe presentes para cada um deles – uma sequência que parece e é uma despedida, e que Berger não falha em perceber, ainda que ele não diga nada. É Berger quem convida Claude à sequência mais psicodélica do musical, e toda a alucinação do personagem é de arrepiar: é uma junção e uma representação do medo do futuro e do horror da realidade atual, em uma sequência na qual músicas se sucedem melancólica e intensamente, construída através de referências a grandes obras: “Que obra de arte o home é” ligada a “Hamlet”, de William Shakespeare, e “Três-Cinco-Zero-Zero” a “Wichita Vortex Sutra”, de Allen Ginsberg, por exemplo.

Se havia alguma dúvida – não deveria haver –, o segundo ato embebe “Hair” de uma conotação política inegável, e é isso o que mais impacta e mais marca. O horror da guerra, o discurso dos pais, a sensação de impotência frente à convocação, a angústia de ser forçado a se tornar quem não é por tudo o que acontece ao seu redor… o mal a que Claude sucumbe eventualmente. Depois dos presentes e da “viagem”, Claude quer passar uma última noite com toda a tribo… é uma noite gelada do inverno no qual a neve se recusa a cair e vários membros da tribo pensam em voltar para as suas próprias casas, mas Claude pede que eles estejam ali, com ele. Berger até tenta planejar uma fuga com Claude e com Sheila para o Canadá, mas Claude já se entregou ao destino do qual não consegue escapar…

“Eu estou aqui. Goste ou não goste, eles me pegaram”

Toda a conclusão de “Hair: O Musical” me atinge em cheio a cada vez que o assisto. Sinto que essa conclusão começa em “Bom Dia, Estrela”, mas acho interessante, ainda que extremamente doloroso, como a reprise de “Não Tenho”, que tira a vida de Claude, parece fazer com que sintamos cada um dos tiros que ele leva, na Guerra do Vietnã… forçado a ser quem não é. Quando Claude Bukowski retorna ao palco, com o cabelo curto, uniforme militar e invisível, a beleza está no aparente paradoxo: em parte, ele está irreconhecível; por outro lado, ele continua sendo ele mesmo, o jovem que conhecíamos e que queria ser invisível para poder operar milagres. É o que ele faz, enfim, quando faz a neve cair e aplacar o frio que ameaçava afastá-los.

A força da sequência final de “Hair: O Musical” nos conduz por tantas emoções que é difícil de descrever… a maneira como a tribo assume uma quase reprise de “Com fome” enquanto Claude sai de cena expressa toda a dor do entendimento e da perda de um deles, levado pelo sistema mesmo que eles tenham pregado a paz e lutado pela liberdade desde sempre, e essa música se transforma, eventualmente, em “Deixa o Sol Entrar”, que é a grande mensagem que permanece ecoando em nossa cabeça mesmo muito depois de deixarmos o teatro. No meio de toda a dor e de todo o sofrimento que culmina na imagem de Claude morto sozinho no palco enquanto a tribo “debanda”, vem a força da esperança no pedido para que abramos as janelas, as portas e deixemos o sol entrar.

É isso o que “Hair: O Musical” está clamando, no fim das contas: DEIXA O SOL ENTRAR.

Sempre vou falar sobre como “Hair” é uma experiência poderosa. A história encenada pela primeira vez em 1967 e que representou tanta transgressão e resistência em um período político crítico segue se mostrando atual e segue conversando com seu público mais de meio século depois de sua primeira performance. Tenho questões com a versão de 2025 do musical, e acho que parte de sua força se dilui e eu não saio tão impactado quanto saí há anos, quando assisti a “Hair” pela primeira vez. Ainda assim, o seu texto na íntegra é um convite para risadas, reflexões e lágrimas, e a produção entrega um trabalho competente e deslumbrante que está em cartaz atualmente no Rio de Janeiro e deve rumar para São Paulo nos meses seguintes. Vá, sinta, viva e deixe o sol entrar.

 

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