[Finale] Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente – Episódio 5: O Oceano, o Deserto e o Céu

“A gente tem que morrer gritando […] Não tem meio-termo, vida. Ou a gente tá vivo ou a gente tá morto”

QUE SÉRIE ESPETACULAR. Em cinco episódios repletos de beleza e honestidade, “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente” faz história, ao lançar um olhar assustadoramente atual sobre o fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 no Brasil, quando a epidemia de AIDS ceifava vidas que eram deliberadamente negligenciadas pelo governo, que não fazia nenhum movimento em busca de tratamento, prevenção ou informação. Esse movimento recaiu sobre as pessoas que o sistema tentava insistentemente invisibilizar, mas que não ficaram em silêncio, porque queriam e tinham o direito de existir e de viver. O AZT, o primeiro remédio antirretroviral para tratamento contra o vírus HIV, que começou a ser comercializado nos Estados Unidos em 1987, só foi aprovado no Brasil anos mais tarde.

“O Oceano, o Deserto e o Céu” é um episódio de fechamentos e conclusões, e acompanhamos um último encontro entre Fernando e Caio, por exemplo, que talvez ainda tivessem coisas a dizer para que a história deles fosse inteiramente concluída, além de um aumento no protesto na Fly Brasil, que finalmente dá resultados, de uma maneira quase inesperada e imperfeita, mas que ajuda a garantir tratamento para algumas pessoas, e o sentimento constante de despedida, quando precisamos nos despedir de Sônia, uma das personagens mais queridas de “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente”, ou quando achamos que estamos nos despedindo de Fernando, que foi através dos olhos de quem acompanhamos a maior parte da trama.

Fernando está vivendo… sem o AZT depois dos últimos acontecimentos, é mais difícil ter esperanças, mas ele está vivendo. Ele tem uma esposa incrível, um filho lindo, um “marido” presente, uma relação excelente com todos eles (a Léa revelando seu “amigo secreto” e dizendo que ele é “o marido do seu marido”), e uma vontade de viver que ele teme que o corpo não acompanhe. É uma surpresa quando Caio, o jogador de futebol que ele amou intensamente, telefona para ele e pede para vê-lo… depois de tudo o que Caio fez, depois de como negou a doença e o negou, descobrimos que não apenas Caio está doente: ele já estava doente quando conheceu o Fernando e foi ele quem passou para ele. Agora, no entanto, não adianta sentir raiva…

Caio pede desculpas e pede que “Fernando volte para ele”, mas já é tarde demais, felizmente. Nando diz a Caio que por muito tempo isso foi tudo o que ele quis ouvir, e ele ensaiou no chuveiro o que diria se um dia ouvisse, mas agora ele não quer… ele seguiu em frente. O que ele construiu com Raul é intenso e verdadeiro, e é justamente por isso que é muito mais doloroso ouvir a fita de despedida que Nando gravou para Raul, para que ele escutasse “quando ele não estivesse mais aqui”. O que Fernando diz, ele diz do fundo de seu coração… é o mais sincero que talvez ele tenha sido em toda a sua vida, mas ele não tem coragem de olhar nos olhos de Raul e dizer que ele está com medo – embora ele esteja com medo… ele está apavorado.

Ainda assim, Fernando quer fazer algo… quer fazer a diferença. Por isso, ele segue adiante em seu levante contra a Fly Brasil e todo o absurdo das demissões injustas que eles fizeram e os testes ilegais feitos sem consentimento e conhecimento dos funcionários, e é bonito ver o movimento no aeroporto de pessoas com placas e gritos que não serão silenciados – nem quando se responde com violência. O caso vai para a televisão, fica conhecido, e Raul e os demais seguem conversando com as pessoas, espalhando informação, distribuindo camisinha, incentivando o cuidado, falando sobre como o governo não faz nada porque não se importa com as vítimas: eles querem que “a AIDS faça uma faxina por eles”, por isso eles não estão nem aí.

Mas eles precisam de tratamento, e é dever do governo não ser omisso!

“Não é só uma questão médica, é uma questão política também”

O réveillon de 1990 rende cenas muito bonitas. Na Paradise, vemos Sônia mais livre do que nunca, se apresentando no palco ao lado de Fran, e eu sofri profundamente com a sua morte e com toda a sequência que ela compartilha com Fran no hospital, quando ela fala sobre o oceano, o deserto e o céu, que é a inscrição que fez na roupa que Fran está usando: é uma cena emocionante, triste e bela, que culmina na morte de uma das personagens mais queridas da série. Em paralelo, Fernando agradece a Raul por ele estar ali com ele e, na fita que gravara, ele fala sobre não ter como não pensar na morte o tempo todo agora que está sem tratamento… e quando Raul encontra a fita, ele diz que a quer ouvir olhando nos seus olhos, e eles a escutam juntos antes de Raul a descartar.

“Não sou que nem você. Eu tô com medo”

Yara, por sua vez, consegue se tornar a primeira mulher piloto da Fly Brasil, mas a empresa quer cobrar o que chamam de “favor”, pedindo que ela consiga que Fernando pare com as suas manifestações – e, para isso, eles oferecem trazer para ele o que ele precisar por tempo indeterminado. É ultrajante, porque sabemos que a empresa está tentando silenciar o Nando dando-lhe a ilusão de que ele “venceu”, mas Fernando é mais inteligente do que eles, porque sabe que, para eles estarem fazendo essa oferta, é porque o protesto está dando algum resultado e eles devem estar sofrendo pressão internacional… então, ele aceita, mas com a condição de que vão trazer remédio para ele e para quem mais precisar; precisa ser institucionalizado, política da empresa.

Internacionalmente, a Fly Brasil ficará como “salvadora da pátria”.

E, enquanto o governo não faz nada, algumas vidas são salvas.

Quando Nando vai para o hospital, confesso que eu esperei pelo pior… e encarei toda a cena como uma despedida. Ali, ao seu redor, estavam todas as pessoas que mais o amam e se importam com ele, e enquanto ele está fraco e dopado de remédios e os amigos estão saindo para uma manifestação, ele diz algo a cada um deles – parecia uma despedida, embora não tenha sido tratada por ninguém ali como definitiva… a não ser, talvez, pelo próprio Nando. Ele pede que deixem a TV ligada, porque ele quer ver “se o Cid Moreira vai falar sobre o protesto”, e sim, vemos o protesto no pé do Cristo Redentor, com direito ao Raul dando entrevista sobre a importância de serem vistos e sobre como algo precisa ser feito – eles precisam de tratamento.

Reencontramos esses personagens 6 anos depois, após muita luta. Raul faz um discurso na Paradise em 1996 sobre a lei que finalmente foi aprovada e sobre como o tratamento está garantido de forma gratuita no Brasil – eventualmente, o combate no Brasil ao HIV acabou se tornando referência mundial, tanto pela prevenção quanto pelo tratamento, ambos de forma gratuita. A série nos faz pensar que nos despedimos de Fernando naquela cena do hospital, em 1990, até que finalmente vemos Raul descer do palco e buscar Nando, e é muito bom vê-lo ali: DANÇANDO, SENDO FELIZ… VIVENDO! “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente” é um marco! Uma série competente, instruída e necessária… sobre continuar vivendo e sobre como tantas mais vidas poderiam ter sido salvas.

“Ainda estamos aqui, vida”

 

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