Amores Materialistas (Materialists, 2025)

“Dating takes a lot of effort. A lot of trial and error. A ton of risk and pain. Love is easy”

Deliciosamente surpreendente, “Amores Materialistas” é um tesouro que fala sobre relações humanas e “contratos” que tantas vezes os regem. Com direção e roteiro de Celine Song e protagonizado por Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, o filme que chegou aos cinemas em junho e, mais recentemente, ao catálogo da HBO Max é um drama honesto e reflexivo, com muito mais temas e complexidade do que eu esperava encontrar quando dei play. “Amores Materialistas” nos apresenta a Lucy Mason, uma mulher que trabalha em uma agência como “casamenteira”, responsável por unir pessoas que procuram seus serviços testando suas compatibilidades e torcendo para que dê certo… e ela mesma tarda a perceber a grandiosidade de sua responsabilidade na vida alheia.

O filme se sobressai pelo texto sincero e, por vezes, ácido, que encontra meios de desmontar crenças a que sua protagonista se agarrava com tanta irredutividade há tanto tempo. Lucy inicia o filme vendo o casamento como um contrato entre duas pessoas, e acredita que o que as une é puramente matemático: compatibilidade financeira, afinidade política, semelhanças na criação, etc. Em parte, conclusões a que ela chegou pelo meio ou por suas próprias experiências anteriores. Ela é convidada a questionar e/ou testar algumas certezas por três eventos definidores de sua experiência no filme: 1) o retorno de um ex-namorado a quem ela ainda está conectada; 2) a chegada de um homem rico e charmoso que parece interessado nela; e 3) o seu primeiro desastre profissional.

Lucy é uma das convidadas no casamento de uma cliente – a nona a se casar com alguém a quem foi apresentada pela “casamenteira”. E é a partir daí que a trama do filme se desenrola… Lucy acaba encontrando Harry Castillo na “mesa dos solteiros”, e há alguma química entre eles, talvez forçada pela maneira como Harry parece perfeito e é perfeitamente sedutor. Por outro lado, Lucy reencontra John Pitts, o seu ex-namorado que é “um ator fracassado” e está trabalhando como garçom no buffet do casamento. De um lado, temos a matemática parecendo sugerir a impossibilidade de um relacionamento que ironicamente poderia ser perfeito, se houvesse amor de verdade envolvido; de outro, temos o amor e a matemática indicando compatibilidade e, ainda assim, as coisas não foram perfeitas.

Por quê?

Esse é um dos motivos pelos quais eu elogio a honestidade da trama. A química entre Lucy e John é notável desde o primeiro abraço que vemos deles, e a maneira como existem sentimentos mútuos ainda presentes faz com que nos perguntemos por que não deu certo… pelos parâmetros de Lucy e seus textos prontos de casamenteira, eles são “compatíveis”, mas ainda assim eles enfrentavam problemas como aquele apresentado em flashback no aniversário de 5 anos de namoro deles, que culminam na conclusão de Lucy: secretamente eles “se odeiam”, e não porque eles não se amem, mas porque eles estão quebrados. As brigas por causa de dinheiro, as condições abaixo das ideais, os pensamentos que involuntariamente tomam forma, o afastamento que vai além do amor…

Do outro lado, temos Harry: rico, alto, bonito, educado e sedutor. Ele faz com que cada encontro seja especial, mas Lucy sabe desde o início que ela não é o tipo de mulher com quem Harry se casaria… as incompatibilidades são demasiadas, ainda que haja alguma conexão. O que os afasta, no entanto, não é a diferença econômica e outros elementos aos quais Lucy está acostumada a prestar atenção para seus clientes: mas o fato de que eles não se amam de verdade. Eles se dão bem e se divertem juntos, é verdade, mas no fundo ambos estão vendo aquilo como um “contrato”, ambos querem provar algo ou se aproveitar de algo… é mútuo, mas não é o suficiente, e demanda coragem reconhecer isso e se afastar em bons termos mesmo depois de algum tempo.

Harry é perfeito, é o que a empresa chama de “unicórnio”. Mas não é quem ela ama.

Conforme Lucy navega pela complexidade inesperada das suas próprias relações, ela recebe um chamado da realidade do que o seu trabalho implica quando algo dá terrivelmente errado para Sophie, uma cliente antiga que já saiu em vários encontros e “não deu certo com ninguém”. Sinto que fazia bem a Lucy acreditar na infalibilidade de sua “matemática” e que ela estava ajudando as pessoas a encontrarem o amor e a felicidade ou qualquer coisa assim, e quando ela descobre que Sophie foi agredida no encontro que ela marcara para ela na noite anterior, é como se seu mundo desmoronasse… é só então que ela percebe o peso de sua responsabilidade e o quanto as pessoas que contratavam os seus serviços confiavam nelas – e o quanto ela os conhece pouco

Lucy sabe a altura dos seus clientes… a formação, a posição política, a renda anual, e pode listar todas essas características de cabeça sem titubear. Mas ela não conhece essas pessoas de verdade. Parece tão vazio ver uma celebração na empresa de mais um par juntado por eles que está prestes a se casar que ela precisa de um tempo. Um tempo daquele lugar em que pessoas de verdade são tratadas como formulários com um nome e uma letra impessoal do sobrenome. O drama de Sophie atinge Lucy em mais níveis do que ela podia imaginar, e é uma boa construção do bloqueio e fuga inicial ao desespero de perceber que ela não tem ninguém mais a quem pode ligar quando está correndo perigo a não ser a sua “casamenteira”. E Lucy está ali por Sophie…

Porque ela se importa. Ela quer se importar.

Toda a trama de Sophie também deixa algo muito claro: é a John que Lucy recorre quando ela precisa conversar com alguém. Não é para Harry que ela conta o que houve e/ou como está se sentindo, porque é com John que ela tem essa conexão. Também é em busca de John que ela vai quando termina com Harry prestes a fazer uma viagem à Islândia na qual ele a pediria em casamento e não pode retornar ao próprio apartamento porque o sublocou para a semana na qual ela estaria fora do país… então, eles saem juntos e sem rumo no mesmo carro que foi testemunha de uma briga no meio da rua em um aniversário e terminam em um casamento de pessoas que eles nem se conhecem e, quando se beijam, eles precisam se perguntar o que eles estão fazendo.

E o que eles farão.

Acho que Lucy e John precisavam daquela sinceridade naquela festa alheia… ele precisava falar abertamente sobre como se sente usado e como ele sente que a culpa é sua por sempre se humilhar por ela; ela também precisava falar sobre como parte dela quer estar com ele, mas outra parte está, naquele momento, pensando em todas as concessões que teria que fazer e como passaria o restante da vida jantando em restaurantes baratos e passando dificuldades porque eles são dois quebrados, por exemplo, e como se odeia por pensar nisso nesse momento e por isso pesar tanto, mas mesmo que se odeie, não pode deixar de pensar. E sabe que, de algum modo, John também a odeia por isso, mesmo que ele diga que não. E, ainda assim, eles não deixam de se amar.

É propositalmente paradoxal, porque as relações humanas são assim. Seria muito mais fácil se pudéssemos resolver tudo com matemática simples, mas ela não se aplica necessariamente a relacionamentos, porque somos mais complexos do que isso – o número de variáveis é mais do que a matemática mais avançada pode suportar. Depois de passar uma noite ao lado de Sophie quando ela mais precisa, no entanto, Lucy parece perceber que ela tem, mesmo com todas as ressalvas, aquilo que Sophie mais quer: não é um milagre, mas é alguém que ela ame e que a ame de volta… a “proposta final” de John é a de amá-la todos os dias de sua vida, para sempre, mas ele não pode prometer deixar de ser um ator fracassado ou um “pobretão”, mas ele a ama… e ela o ama.

E, naquele momento, ambos escolhem que isso é o suficiente.

Como eu disse no início de meu texto: “Amores Materialistas” é uma deliciosa surpresa. O roteiro vai muito além de um romance simples e não é sobre “um triângulo amoroso”, mas sobre a natureza e as possibilidades dos encontros e relações humanas, e é possível uma variedade rica de leituras a partir de sua proposta, e tais leituras também serão provavelmente pautadas por suas vivências pessoais… também gosto muito de como o filme não precisa “vilanizar” nenhum de seus protagonistas para que ele faça sentido: todos eles são humanos, perfeitamente imperfeitos, porque as linhas que dividem “bom” e “mau” ou “certo” e “errado” na vida real são comumente muito mais tênues ou inexistentes do que na ficção. Um filme rico, honesto e excelente!

 

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