Wicked: Parte II (Wicked: For Good, 2025)


“Who can say if I’ve been changed for the better?
I do believe I have been changed for the better
And… because I knew you
Because I knew you…
I have been changed for good

 

MUDADO PARA SEMPRE. Dirigido por Jon M. Chu e lançado nos cinemas brasileiros em 20 de novembro de 2025, “Wicked: Parte II” é a continuação e a conclusão da grande adaptação cinematográfica de um dos maiores musicais da Broadway das últimas décadas, e enfrenta o grande desafio de adaptar o segundo ato do musical, que é mais rápido e mais curto que o primeiro – e talvez menos gostado mesmo pelos fãs da obra. “Wicked: Parte II” é claramente diferente da primeira parte, mas ele precisa ser: algum tempo se passou desde que Elphaba Thropp foi anunciada pela Madame Morrible como “a Bruxa Má do Oeste” durante “Defying Gravity”, e ela segue foragida, lutando pelo direito dos Animais e por uma Oz na qual ela costumava acreditar…

Convencer as pessoas que “O Maravilhoso Mágico de Oz” mente e é um tirano sem poder algum que está enjaulando Animais e tirando-lhes o dom da fala não é uma tarefa fácil, quiçá nem possível, não quando todos estão dispostos a assumir que ela é “uma criatura vil”, já que finalmente lhes foi dada a desculpa para odiá-la como eles sempre quiseram, apenas por ela ser diferente. Elphaba é crescentemente odiada enquanto atua nos “bastidores” da construção da grande Estrada dos Tijolos Amarelos, por exemplo, libertando Animais que estão sendo escravizados na obra, enquanto Glinda foi transformada em “Glinda, a Boa” e colocada como uma figura pública para “encorajar” o povo de Oz, e Fiyero Tigelaar se tornou guarda real para encontrá-la…

“Wicked: Parte II” é propositalmente mais sério e menos mágico. Há muita cor, muita alegria e muita dança em “Wicked: Parte I” porque é um filme que, de certa maneira, reflete o espírito de Elphaba em uma época na qual ela ainda tinha esperanças. As coisas são mais sombrias e muito mais melancólicas aqui, e o filme faz uma boa adaptação do segundo ato do musical, permitindo ainda algum pequeno aprofundamento a mais na luta política de Elphaba Thropp, embora ainda não cheguemos, porque não é a proposta, à grandiosidade crítica e política do livro original de Gregory Maguire, de 1995, no qual o musical é inspirado – digo “inspirado”, porque o musical nunca se propôs a ser, de fato, uma “adaptação” do livro em questões temáticas.

A maneira como Cynthia Erivo e Ariana Grande, intérpretes de Elphaba Thropp e Glinda Upland, respectivamente, dão vida a essa nova fase da vida das personagens é de arrepiar, e o sempre maravilhoso Jonathan Bailey nos presenteia com um Fiyero Tigelaar incrivelmente humano, sensível e apaixonado, que atua com o olhar em todo e qualquer momento em cena. Musicalmente, o filme se mostra diferente de seu antecessor, e tento me explicar: ele é grandioso em sua sonoridade como sempre (o uso de “The Wizard and I” e “Popular” em “Every Day More Wicked”, por exemplo, são evidências disso), e tem músicas memoráveis como “No Good Deed”, “As Long as You’re Mine” e “For Good”, mas sinto falta de uma música que leve 15 minutos do filme, durante os quais tudo muda

Vide “Dancing Through Life” e “Defying Gravity” da primeira parte!

E aproveito, já, para falar sobre as novas músicas… tanto Elphaba quanto Glinda ganham um novo solo em “Wicked: Parte II”, que não fazem parte do musical de palco, mas que foram escritas por Stephen Schwartz especialmente para o filme – e preciso admitir que são músicas boas, mas que não impactam, e eu esperava mais delas. Elas ficam aquém das composições originais para o musical de 2003. Elphaba ganha “No Place Like Home”, em referência à fala de Dorothy no filme “O Mágico de Oz” de 1939, em uma cena que ela compartilha com os Animais que estão tentando fugir para além de Oz devido à perseguição do regime autoritário; Glinda, por sua vez, ganha “The Girl in the Bubble”, em um momento de decisão no qual ela precisa deixar sua bolha.

Literal e figurativamente.

A luta pelo direito dos Animais é como tudo começou, quando Elphaba foi apresentada a essa realidade pelo Dr. Dillamond, quando ainda era uma aluna com esperanças na Universidade de Shiz, e é a materialização da maldade do Mágico de Oz, que silencia todos que ousam erguer a voz contra o seu regime baseado em mentiras. Há força e sentimentalismo na maneira como a relação de Elphaba com os Animais, outrora representada pelo Dr. Dillamond, é explorada nesse segundo filme quando ela encontra um grupo de Animais que ainda consegue falar e está fugindo sob a Estrada de Tijolos Amarelos, e com eles está Dulcibear, a ursa que cuidou dela na infância… mais tarde, quando Elphaba está quase sendo ludibriada pelo Mágico novamente, temos outra cena forte…

Curiosamente, “Wonderful” é um dos poucos momentos em que Elphie sorri durante o filme, e também é uma das cenas mais tristes de todo “Wicked: Parte II”, porque tem muito no seu olhar que ela não ousa dizer. Ali, o Mágico e Glinda parecem oferecer a ela a oportunidade de se juntar a eles, ser respeitada pelo povo de Oz e “fazer a diferença” de outro jeito, e ela quase acredita não porque é inocente… mas porque ela quer acreditar. Lutar sozinha contra aquela ditadura do Mágico, enquanto ninguém parece acreditar em você, é exaustivo. O resquício de esperança que lhe resta se esvai quando Chistery mostra a ela tantos Animais enjaulados pelo Mágico… dentre eles, o Dr. Dillamond que perdeu por completo o dom da fala. Ali, Elphaba jura lutar contra o Mágico até o seu último dia.

A injustiça orbita a história de Elphaba em todo momento… ela faz uma visita a Nessarose, sua irmã que se tornara a Governadora da Terra dos Munchkins, esperando que as duas possam fazer algo juntas, mas Nessa é tão ruim quanto o Mágico. Uma ditadora cruel e egoísta, ela é capaz de proibir a saída de todos os Munchkins de Munchkinland apenas para impedir que o Boq saia do seu lado: o Boq que sonha em voltar à Cidade das Esmeraldas e conversar com Glinda antes do seu casamento anunciado com Fiyero. Tomada por ódio, Nessa lê palavras do Grimório para “roubar o coração de Boq”, e Elphaba salva a sua vida com outro feitiço, que acaba por o transformar no Homem de Lata – algo pelo que ele detestará Elphaba, incentivado por Nessa, para sempre…

Assim como o Leão a odeia e a culpa por ter se tornado um “Covarde”.

Glinda, por sua vez, se tornou uma figura pública – infelizmente, um peão nas mãos do Mágico de Oz e da Madame Morrible. Eu gosto da complexidade da personagem. Enquanto Elphaba é fácil de “entender”, enquanto espectador, porque ela nunca esconde quem ela é, Glinda é uma pessoa com facetas que nem mesmo ela entende… ela tem convicções e sonhos que habitam uma área cinza de imperfeição. Há um quê de tolice e ingenuidade em sua composição que não devem ser confundidos com a sua fascinação pela popularidade. Ela foi ensinada desde sempre que “as pessoas a amam”, e ela cresceu acreditando na necessidade de ser amada. Ela gosta da atenção, da bajulação, e escolheu o caminho dito “fácil” acreditando que ninguém poderia ter resistido em seu lugar…

Mas Elphaba resistiu… enquanto ela escolheu viver dentro da bolha.

Desde os primeiros minutos de filme, essa complexidade de Glinda fica evidente, e eu gosto muitíssimo de como “Thank Goodness / I Couldn’t Be Happier” brinca com esse conceito: Glinda é colocada em frente a um microfone para “distrair” o Povo de Oz, para os “encorajar”, e ela e Morrible anunciam um “noivado surpresa” com Fiyero. A “brincadeira” do filme e da música está na dicotomia proposital entre o que ela está dizendo e o que ela está sentindo, porque a maioria das coisas que ela diz, em todos os momentos, são parte de uma interpretação… enquanto ela canta que “não poderia estar mais feliz” e que “a felicidade é o que acontece quando todos os nossos sonhos se tornam realidade”, seus olhos, sua voz e sua postura dizem outra coisa.

Ainda temos Fiyero, que é um personagem que assumiu uma responsabilidade imensa e que teve um amadurecimento notável desde o primeiro filme – embora toda aquela coisa de ser “profundamente superficial” fosse, também, uma atuação. Se tornar um guarda real é a sua ideia de como ajudar Elphaba: o Mágico de Oz está atrás dela, e ele se torna o Capitão porque sente que precisa encontrá-la antes de qualquer outra pessoa. Sua preocupação com Elphaba é constante, e sua inconformidade com como as coisas estão não condizem com seu discurso original sobre “dançar pela vida sem se importar” – ele se importa. Elphaba chega a se perguntar se ele mudou, mas percebe que ainda é o seu Fiyero quando ele a ajuda quando ela solta os Animais durante a cerimônia de casamento dele com Glinda…

Então, ele anuncia que vai com ela.

A dor de Glinda nos entrega a reprise de “I’m Not That Girl” e uma ideia perversa à Madame Morrible, que dá vazão aos acontecimentos de “O Mágico de Oz”, com o ciclone que trará Dorothy do Kansas em uma casa que cairá na cabeça da Bruxa Má do Leste, enquanto Elphaba e Fiyero fogem para a floresta e consumam o seu amor em um dos meus números musicais favoritos do filme: “As Long as You’re Mine” é, exatamente como deveria ser, INTENSO. Eu sempre amei essa música, e ela está visual e musicalmente impecável em “Wicked: Parte II”, permitindo que nos apaixonemos um pouquinho mais por Jonathan Bailey – impressionante como ele está LINDO durante a música e depois dela. É romântico e belo, mas também é sensual e envolvente.

Os acontecimentos originais de “O Mágico de Oz” ficam à margem da narrativa, porque eles não são e nunca foram a intenção de “Wicked”, mas é divertido ver as peças se encaixando. Logo depois de Glinda mandar Dorothy em sua jornada pela Estrada de Tijolos Amarelos até o Mágico na Cidade das Esmeraldas, Elphaba aparece para chorar por sua irmã, morta por uma casa, bem como para dizer à Glinda que os sapatos que ela dera àquela garota eram a única coisa que ela tinha para se lembrar da irmã… e isso dá início a uma das cenas mais inusitadamente divertidas do filme, na qual Elphaba e Glinda colocam muita coisa para fora. Eu gosto de como a briga, com o seu quê de comédia (muito bem-feito, por sinal!), entrega muito além do que está sendo falado.

Eu ri, eu me emocionei, eu me senti traído como a Elphaba…

Toda a ideia de “uma casa caindo sobre a cabeça de Nessa” é uma ideia de Madame Morrible para atrair Elphaba para uma armadilha – e surge de uma ideia original de Glinda, ainda que ela nunca tenha querido colocar a Nessa em perigo de verdade. E Elphaba teria sido capturada ali se não fosse o Fiyero com seu “Let the green girl go!”, em seu momento mais apaixonado e mais heroico. Ele permite a fuga de Elphaba, pede que Chistery a proteja e se sacrifica em seu lugar. A angústia de ver o Fiyero levado e sabendo que ele será torturado em busca da informação de onde ela está se escondendo leva Elphaba a ler um feitiço no Grimório que ela nem mesmo entende, mas que é sua esperança de proteger e salvar Fiyero. Cynthia Erivo está perfeita em “No Good Deed”.

“No Good Deed” é grandiosa, impactante… épica.

O caminho de Elphaba Thropp, conhecida agora como Bruxa Má do Oeste, vai parecendo cada vez mais “sem saída”. Madame Morrible incentiva o Mágico de Oz a usar Dorothy e seus companheiros para matá-la, e Glinda corre até o Castelo de Kiamo Ko onde ela está escondida, enquanto uma horda furiosa liderada por Boq almeja a sua morte – “March of the Witch Hunters”. Ela espera que a amiga possa escapar ou se preparar para a chegada dos caçadores de bruxa, mas Elphaba mantém Dorothy e Totó presos enquanto ela não entregar-lhe os sapatinhos que foram um presente a Nessa, e ela tem seus próprios planos, enquanto diz a Glinda que finalmente chegou a hora de ela se entregar… é uma cena emotiva e profundamente dolorosa.

“For Good” tem a força que tem por vários motivos, mas é a complexidade da relação de Elphaba e Glinda que a torna singular. Elphaba diz a Glinda que ela é a única amiga que ela teve… Glinda responde que teve muitos amigos, mas apenas uma que importa. A relação das duas não foi sempre perfeita, mas foi sempre sincera. Ali, elas estão em um momento no qual mágoas não fazem mais sentido, apenas o reconhecimento de quanto uma esteve presente na vida da outra e, mais do que isso, como uma mudou quem a outra é. A letra de “For Good” é uma das composições mais lindas do teatro musical de todos os tempos… nunca falha em me emocionar essa constatação de que independentemente de ter sido mudado para melhor ou não, ter conhecido a outra a mudou para sempre.

Todos estavam ansiosos por esse momento, e Cynthia e Ariana entregam tudo o que têm.

É forte, é intenso, é doloroso, é bonito… emoção à flor da pele!

Depois disso, os caminhos se separam – e também é para sempre. Dorothy joga o fatídico balde de água, e embora seja um plano de Elphaba, que sobrevive e deixa Oz ao lado de Fiyero, convertido em Espantalho, Glinda jamais saberá e, como todos, pensará que a amiga está morta… agora, no entanto, ela percebe que ser “Glinda, a Boa” não é uma performance… é uma escolha. E ela escolhe. A condução de Glinda pelo fim de “Wicked” é linda: ela descobre e revela ao Mágico que Elphaba era sua filha e o manda partir de Oz para sempre; ela reintegra os Animais à sociedade, dando início a uma nova era em Oz, depois de tempos sombrios; e ela prende a Madame Morrible com a mesma fala debochada que ouvira no primeiro filme. Ela finalmente se torna “Glinda, a Boa”. De verdade.

O Grimório chega a abrir-se para ela, enfim.

“Wicked” sempre foi uma história poderosa. É uma história sobre preconceito, sobre aparências, sobre poder e mentiras, sobre política, sobre amizade e sobre amor. O musical de palco, em cartaz há mais de 20 anos e que reúne fãs em todo o mundo, finalmente chegou aos cinemas com uma adaptação que não é apenas competente: é honesta e apaixonada. O carinho e o respeito pelo material que está sendo adaptado é evidente em cada detalhe dessa produção gigantesca, e o resultado é uma obra comovente em duas partes – duas partes de uma mesma história, de um “único filme” de quase 5 horas que nos leva de volta a Oz e nos mostra, com visuais, atuações e músicas impactantes e memoráveis, que as coisas nem sempre são como a gente acredita.

A última cena sendo a recriação do pôster original do musical é um toque belíssimo.

Saí do cinema tocado e feliz!

 

Para minha review de “Wicked: Parte I (2024)”, clique aqui.
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