A História do Som (The History of Sound, 2025)

“What happens to all the sound released into the world that is never captured?”

Dirigido por Oliver Hermanus e escrito por Ben Shattuck, baseado em contos prévios de sua autoria, “A História do Som” é uma história tocante, melancólica e bonita que começa em 1917, quando Lionel Worthing e David White se conhecem em um Conservatório em Boston e se aproximam inicialmente pela música e as histórias e sentimentos contidos nela, depois por algo muito mais forte, íntimo e intenso que é difícil colocar em palavras. Protagonizado por Paul Mescal e Josh O’Connor, o filme fez sua estreia em 21 de maio de 2025 no Festival de Cinema de Cannes, com o seu lançamento para o público em geral ficando para setembro. É uma mistura de beleza e dor nas vivências que, em muitos sentidos, são refletidos nas músicas que contam essas histórias…

Como o título sugere, é a música quem conduz a narrativa – é a relação com ela que ajuda a definir Lionel e David e, consequentemente, a relação entre eles; é a música e a busca por suas histórias que serve como elo entre os personagens no inverno de 1920, quando eles fazem uma viagem juntos reunindo vozes e canções pelo país; é a memória do som que leva Lionel por anos de vida e o faz se dedicar ao registro que, de alguma maneira, ele iniciou com David ainda na juventude, e isso lhe confere significado; são os cilindros, gravados com memórias audíveis e não audíveis, que fazem com que Lionel sinta David novamente ao seu lado em 1980, quando ele recebe uma encomenda pela qual talvez nem esperasse mais. A beleza de tal história é marcada pelas letras e melodias de suas músicas.

Seus sons.

A música sempre foi parte da vida de Lionel Worthing. A sinestesia, em uma época que talvez nem fosse entendida por completo, o fez uma espécie de prodígio com um futuro promissor, e foi isso o que o colocou no Conservatório de Boston onde ele encontrou David White tocando piano pela primeira vez – e no momento em que David o fez cantar na frente dos demais, eles sabiam que, de alguma maneira, eles estavam conectados para sempre. É bela e triste a constatação de que “a felicidade não tem história” e, por isso, Lionel não tinha muito o que contar sobre aqueles primeiros tempos com David… aquela época em que eles compartilharam um amor sincero, intenso e inevitável. Foi breve, talvez, interrompido por uma convocação, mas não menos marcante.

Toda a alegria proporcionada por aquela conexão, a paixão pela música, os beijos entregues… tudo é colocado em cheque quando David parte para a guerra. É 1917, ainda durante a Primeira Guerra Mundial, e Lionel pede três coisas a David antes de ele partir: que ele escreva; que ele mande chocolate; e que ele não morra. Lionel, devido a um problema de visão, não é convocado. Lionel passa algum tempo morando na pequena fazenda da família durante a guerra, e ele volta a ouvir falar de David em 1919, quando recebe uma carta que marca um encontro com ele no início de 1920 em uma estação de trem, e pede que leve roupas de frio… David diz a Lionel que ele foi enviado pela faculdade em que trabalha para recolher gravações de músicas folk em cilindros de cera.

Lionel não sabia na época, e não tinha como saber, mas aquela era uma viagem de despedida. O David White de depois da Guerra era ainda mais distante e silencioso do que o David White do Conservatório de Boston. Durante algum tempo, no entanto, eles viajaram pelo país conhecendo diferentes lugares e pessoas que contavam histórias através das músicas que cantavam… histórias que são registradas naqueles cilindros de cera e no caderno de David, em uma jornada que foi inteiramente deles. Durante todo aquele tempo, eles viajaram, acamparam, passaram noites juntos e conversaram sobre o futuro, sobre os seus desejos, sobre planos e sobre medos. Lionel não sabia que David estava se despedindo, por isso seguiu escrevendo para ele quando a viagem chegou e os caminhos se separaram.

Ele escreveu por mais de um ano, até que parou em 1921, sem receber resposta alguma…

Depois da viagem do casal e de tudo o que eles viveram e recolheram dentro de uma maleta e da própria memória, a vida de Lionel seguiu em frente sem nunca esquecer o homem que amara. Ele tivera um romance menos intenso em Roma, onde trabalhou em um coral, e tivera até mesmo um caso com uma mulher quando se mudara para a Inglaterra para trabalhar em Oxford, mas o retorno aos Estados Unidos por causa da notícia do estado de saúde ruim da mãe o faz buscar David depois de alguns anos… em 1924, Lionel o busca na faculdade em que ele trabalhara e que supostamente encomendara o trabalho com os cilindros de cera, mas descobre que David morrera em algum momento ainda em 1921 – e Lionel é incentivado a buscar a sua viúva, Belle.

A tristeza dessa sequência pode ser sentida em tantos níveis que funciona como um soco no estômago, e nos deixa sem ar. Lionel busca Belle, que foi quem lera suas cartas após a morte do marido, e agora ele sabe por que nunca obteve respostas para elas, e Belle lhe conta que David tirara a própria vida no seu escritório no segundo andar… sobre os cilindros de cera, ela diz não saber onde eles estão, mas promete enviar para ele quando os encontrar, se ele deixar anotado o seu endereço para onde mandar. Tudo parece uma avalanche, que sobrecarrega e soterra Lionel, e Paul Mescal entrega uma atuação brilhante sem exageros, mas que nos permite entender e sentir a dor do personagem quando ele está finalmente sozinho e desaba, antes de sair correndo da casa…

E da vida que nunca soubera que David tinha.

A morte de David foi uma junção de um casamento infeliz, o medo de viver o que realmente sentia e o trauma de tudo o que vivenciou na guerra… e, de alguma maneira, Lionel ajudou a carregar o seu legado e ainda o seguirá fazendo. O filme dá um salto quase inesperado que nos leva até 1980, onde encontramos um Lionel Worthing muito mais velho, sendo um etnomusicologista reconhecido que acaba de lançar um novo livro, e o lançamento do seu mais recente trabalho coincide com o recebimento de uma caixa que contém, enfim, os cilindros de cera com as gravações das músicas recolhidas no inverno de 1920, além de um cilindro extra, provavelmente nunca ouvido por ninguém durante quase 60 anos: uma mensagem de David para Lionel.

Um pedido de desculpas, um agradecimento e a música que Lionel cantara no primeiro dia.

David sempre estivera com Lionel, isso está implícito em cada cena de Lionel, antes e depois da passagem de tempo, mas aquela mensagem e aquela música é a materialização de uma história e da memória dela para a posteridade. “A História do Som” é um filme emocionante. Triste, sim, e com um tom constante de melancolia que é intensificado pelas canções ricas em história que fascinam a David, a Lionel e ao espectador, mas também com uma beleza indizível que valoriza a sinceridade de sentimentos que muitas vezes não conseguimos colocar em palavras, mas cuja veracidade está expressa em cada detalhe, em cada momento compartilhado. O filme é uma experiência visual, musical e sentimentalmente fascinante do início ao fim, que nos comove e nos marca.

 

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