Pequena Grande Vida (Downsizing, 2017)

“When you know death comes soon, you look around things more close”

Uma ficção científica interessante que nos faz refletir a respeito da humanidade, o que fazemos com o planeta e, principalmente, o que fazemos conosco mesmos e as pessoas ao nosso redor“Pequena Grande Vida”, protagonizado por Matt Damon, foi lançado em 2017, e não alcançou a aclamação da crítica, mas eu, particularmente, achei EXCELENTE. Confesso que, inicialmente, achei que 2h15min tornariam o filme longo e, possivelmente, cansativo, mas o filme é bem estruturado, cheio de facetas, com uma direção interessante e um visual incrível para representar esse universo dos “pequenos” de uma maneira diferente do que vimos anteriormente em outros filmes que trouxeram isso… porque, diferente de “Querida, Encolhi as Crianças” ou mesmo “As Viagens de Gulliver”, o enfoque aqui é muito mais filosófico do que cômico.

Desse modo, “Pequena Grande Vida” consegue levantar várias questões em um filme dividido em atos, e eu achei isso muito interessante – ao invés de delimitar o tema, o filme escolheu abordar suas possibilidades através de personagens carismáticos que sustentam um filme que parece “mudar” a todo momento, e fazer-nos refletir sobre diversos assuntos… um recurso que aprecio muito na ficção científica. Além da história interessante e do belo visual, também confiro parte do fascínio que o filme causou em mim à interpretação dos protagonistas… Matt Damon entrega uma atuação consistente e tocante, nos envolvendo no crescimento do personagem que precisa redescobrir um sentido para a sua vida; Hong Chau, no entanto, é a ALMA desse filme, dando vida a Ngoc Lan Tran, uma personagem complexa que pode nos fazer rir e nos emocionar, simultaneamente.

O filme fica muito melhor com a chegada de Ngoc Lan Tran!

O conceito do filme gira em torno da possibilidade de encolher as pessoas para alguns poucos centímetros… e, então, essas pessoas passam a viver em pequenas colônias, uma fração do mundo em que antes viviam. A pegada inicial do filme é bem influenciada pela ficção científica, e devo dizer que eu adoro o visual, seja dos experimentos iniciais até a divulgação da pesquisa, até a brilhante sequência na qual Paul Safranek é encolhido – aqui, todo o processo meticuloso é mostrado enquanto Paul e uma série de outros homens passam pelo “encolhimento”, e o resultado final é uma sequência de arrepiar… um tanto quanto bizarra, mas sensacional. E várias questões já são levantadas nesse começo, e nos colocamos no lugar dessas pessoas, vendo uma notícia dessas no mundo, vendo a popularidade do encolhimento crescer ao longo dos primeiros 10 anos.

O que você faria no lugar deles?

Eu tenho quase certeza deque eu acabaria passando pelo procedimento, eu escolheria ser encolhido… e Paul Safranek estava fascinado com isso desde o dia em que o Dr. Jørgen Asbjørnsen apresentou a descoberta ao mundo. O “encolhimento” é apresentado como uma maneira de resolver o problema da superpopulação no mundo, o problema dos recursos naturais e, consequentemente, reduzir o impacto da humanidade sobre o planeta – para ver se, assim, poderemos viver mais. É claro que esse discurso é mais uma fachada do que qualquer coisa, porque as pessoas adoram esconder-se atrás de pequenas (!) ações para poder dizer que “está fazendo algo para salvar o planeta”, como se isso as absorvesse de qualquer coisa. De todo modo, a proposta não parece ruim, especialmente quando se pensa na “conversão” do dinheiro dos “grandes” para o dos “pequenos”.

A primeira parte do filme traz a descoberta do Dr. Jørgen Asbjørnsen, o fascínio de Paul e a traição da esposa que, depois de eles terem decidido encolher juntos e viver na Lazerlândia, em uma casa gigantesca e luxuosa, desistiu do procedimento, o abandonou e pediu o divórcio… agora, Paul não tem outra opção a não ser continuar vivendo naquele mundo diminuto, em um apartamento muito menor do que a casa na qual eles pretendiam viver, tendo que trabalhar em algo chatíssimo para se sustentar, e ainda aturando um vizinho festeiro e um tanto quanto pilantra. É engraçado irmos caminhando pela percepção que temos do mundo dos “pequenos”; primeiro do lado de fora, depois do lado de dentro através da vida de Paul e, por fim, quando conhecemos Ngoc Lan Tran e todos os detalhes que ela adiciona à trama… tem muito mais que Paul não está vendo.

Gosto de como o filme não vilaniza o encolhimento – o problema é a humanidade, que reproduziu um sistema opressor baseado na divisão de classes, mesmo quando tiveram a oportunidade de começar do zero… infelizmente, essa parece ser a natureza humana e fica cada vez mais difícil pensar em evolução. De todo modo, o filme traz Ngoc Lan para a vida de Paul, e ela proporciona os melhores momentos do filme, daqui até o final! Ela é divertida, mandona, nos leva às gargalhadas inúmeras vezes e pelos motivos mais absurdos (como quando ela conta da morte da amiga, que morreu feliz, sorrindo, depois de ela “dar muitas pílulas para ela” – eu sentia que não devia estar rindo, mas eu ri demais!), e ela dá um novo gás à vida de Paul, que estava infeliz e perdido desde que se mudara para a Lazerlândia sem a esposa, como era o plano inicial.

Paul e Ngoc Lan são uma dupla FANTÁSTICA. Amei todos os momentos dos dois, amei as conversas, as ordens, a maneira como Ngoc Lan o colocou para trabalhar quando ele quebrou a sua perna postiça ao tentar consertá-la, e é profundamente emocionante como Ngoc Lan é alguém que se preocupa de verdade com as outras pessoas… ela recolhe restos de comida em restaurantes da Lazerlândia ou das casas onde trabalha para levar para as pessoas que passam fome na periferia da cidade – e a direção do filme é inteligentíssima ao representar os dois ambientes; de um lado um ambiente aberto, amplo, cheio de cor e luz do sol; de outro, um ambiente fechado, com as pessoas e as casas amontoadas, escuro e alaranjado… e Paul presencia todo um mundo do qual não tinha ideia, e percebe que ele pode ser útil ali – e sua vida ganha propósito.

Uma sequência bonita é a viagem de Paul e Ngoc Lan à Noruega, para a primeira colônia dos pequenos, na qual eles conhecem o Dr. Jørgen Asbjørnsen, e ele fala sobre o fim do mundo – mais eminente do que nunca. O ser humano está mesmo acabando com o meio ambiente e o planeta vai se livrar da espécie a qualquer momento… por isso, eles construíram uma espécie de bunker subterrâneo que só foi capaz por causa do tamanho reduzido dos humanos, um lugar autossustentável no qual eles poderão viver por aproximadamente 8.000 anos, até que a Terra volte a ser habitável na superfície e então a vida humana no planeta recomece, no melhor estilo “Arca de Noé”. Paul fica fascinado com isso, com a possibilidade de ir e ajudar o futuro da humanidade, se tornar um médico, ser parte de “algo maior”, mas Ngoc Lan não pensa em ir com ele.

Aqui, os dois precisam confrontar o que acreditam e o que querem fazer, além do que sentem um pelo outro, depois de a relação deles ter avançado para um outro nível de maneira natural, envolvente e bonita – e divertida, quiçá. Paul quer ajudar as pessoas no futuro; Ngoc Lan sabe das pessoas que estão precisando de ajuda agora, e ela não vai abandoná-los… ela vai continuar fazendo algo pelo Sr. Cárdenas e a Sra. López, por exemplo. E, no fim, Paul acaba voltando, e aquele é um momento muito bonito – ali, ele de fato escolheu uma nova vida, da forma como ele queria, por ele; não mais pela mãe, não mais pela esposa, mas por ele e por Ngoc Lan, e ficamos muito contentes com sua escolha e com a emoção daquele “reencontro” quando ele volta correndo pelo túnel porque não pode deixar que Ngoc Lan volte para Lazerlândia sem ele… lindo.

O filme me emocionou, mas de uma maneira inusitada – eu não fui às lágrimas, nem nada, mas eu dei ótimas risadas (embora não o classifique como comédia, de modo algum), e eu terminei o filme sentindo certa melancolia esperançosa… se é que algo assim existe. O filme é sensível e reflexivo, e consegue construir muito bem o seu mundo e a sua mitologia, mesmo com tantas facetas – porque, afinal de contas, assim é a nossa vida, assim é a humanidade: cheia de facetas, cheia de histórias sobrepostas, e “Pequena Grande Vida” faz isso, afinal, passando uma mensagem não apenas em relação ao meio ambiente, mas também em relação à sociedade em que vivemos, às diferenças sociais, usando toda a questão do “encolhimento” como um mote inicial que, por fim, acaba não sendo a parte mais importante do filme… mas um novum essencial e interessante.

Eu amei!

 

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