Maurice (1987)

“Now we shan’t never be parted”

Belo, doloroso e com uma pitada de esperança. Com direção de James Ivory e baseado no livro homônimo de E. M. Forster, de 1971, “Maurice” é um drama histórico sobre Maurice Hall, um homem gay em uma época em que a homossexualidade era considerada crime na Inglaterra… uma narrativa sincera e, quiçá, melancólica, mas que encontra um caminho para a felicidade do personagem-título, mesmo com todas as dificuldades, com o coração repetidamente partido, e com as reservas impostas a si mesmo como uma forma de proteção. O filme é protagonizado por James Wilby, que confere toda a humanidade necessária a Maurice Hall, em suas dúvidas, suas certezas e seus sentimentos, além de Hugh Grant como Clive Durham e Rupert Graves como Alec Scudder.

Depois de um prólogo curioso no qual um Maurice Hall ainda prestes a entrar na puberdade ouve de um professor sobre as mudanças pelas quais seu corpo vai passar e sobre como no futuro se casará com uma mulher – amo o fato de o Maurice desde então dizer que não acha que casamento esteja em seu futuro –, encontramos a versão adulta de Maurice em 1909, na Universidade de Cambridge, onde ele conhece Clive Durham e o Visconde Risley. A amizade de Maurice e Clive desperta sentimentos que outrora desconheciam, e eu acho de uma beleza imensa aquela cena em que Maurice acaricia a cabeça de Clive e os dois expressam o desejo um pelo outro pela primeira vez… e, então, eles começam uma espécie de romance pelos meses a vir.

A relação de Maurice e Clive é curiosa, e fruto de uma sociedade que é tão marcada pelo preconceito que a homossexualidade é criminalizada. Clive não pretende levar a relação dele com Maurice a uma consumação carnal, porque acredita que isso, de alguma maneira, “prejudicaria a ambos”. Ainda assim, eles vivem um romance em segredo, com uma bonita cumplicidade, até que os medos se tornem maiores do que as verdades que sentem… quando o Lorde Risley é preso por “práticas homossexuais” e condenado a seis meses de trabalho forçado, Clive se afasta bruscamente de Maurice porque teme que o mesmo possa acontecer com ele, e ele é um homem de família rica e influência que não quer colocar em risco o seu status.

Com a prisão do Lorde Risley, o romance entre Maurice e Clive parece chegar a um fim… Clive faz uma longa viagem e, ao retornar, anuncia o casamento com uma mulher chamada Anne, com uma naturalidade fingida que é desconcertante. A parte mais dramática do filme vem justamente nesse tempo em que cada um lida à sua maneira com seus sentimentos e com o término. Clive parece disposto a fingir que nada aconteceu, ou quase isso, e vai passar o resto de sua vida vivendo uma mentira e fingindo para si mesmo que está feliz e realizado. Maurice, por sua vez, procura “tratamento”, como se houvesse uma cura, e é angustiante vê-lo se sentir “errado” apenas por ser quem ele é… esse tipo de narrativa sempre mexe com a comunidade LGBTQIA+.

Felizmente, andamos muito desde essa Inglaterra do começo do Século XX.

Mas será que andamos o suficiente?

A vida de Maurice tem uma virada – que eu chamaria de “bem-vinda” – quando ele conhece Alec Scudder, um jovem que trabalha para a família de Clive Durham, e que em breve vai embora para a Argentina… um jovem que se apaixona por Maurice, que o observa enquanto ele coloca metade do corpo para fora da janela para tomar chuva, por exemplo, e que resolve fazer algo a respeito de seu desejo antes de partir. Em uma das melhores cenas do filme, Alec usa uma escada para subir até o quarto de Maurice, no segundo andar, e entrar pela janela aberta, beijando-o de surpresa… e, pela primeira vez, Maurice se entrega aos prazeres da carne com outro homem, algo que nunca tivera com Clive, e que pode mudar a sua vida para sempre.

Eu gosto muito do dia seguinte à primeira noite de Maurice e Alec. Eu gosto de vê-los despertarem juntos, nus, apenas conversando, e eu sei que aquela experiência mudou Maurice… e gosto dos olhares significativos que eles trocam durante todo o jogo de críquete em Pendersleigh Park naquele dia, conforme Maurice vai cedendo, também, à paixão que Alec Scudder já sente por ele há algum tempo. Eventualmente, no entanto, Maurice acaba se afastando ou tentando afastar Alec, com medo de que a sua carta o convidando para a casa de barcos em Pendersleigh Park seja uma armadilha – afinal de contas, a homossexualidade ainda é um crime na Inglaterra, embora não em outros países, como Itália ou França. Mas Alec realmente não tinha chantagem nos seus planos…

Os dois precisam superar algumas coisas. Maurice precisa entender que o que Alec sente é verdadeiro e não existe tentativa de chantagem, e que não deveria ser um problema eles serem de classes sociais tão distintas. Duas “viagens” acontecem e ajudam a concretizar essa nova relação… primeiro, quando Maurice não aparece para ver Alec conforme ele pedira, e Alec vai pessoalmente atrás dele em Londres, e ali a conversa entre eles é essencial para que algumas coisas fiquem claras; depois, quando Maurice vai se despedir de Alec no navio em que ele está prestes a partir para a Argentina, mas Alec não aparece. Quando Alec não aparece, desistindo de sua partida, Maurice sabe exatamente onde procurá-lo… na casa de barcos em Pendersleigh Park.

Toda a sequência final de “Maurice” é linda e repleta de significado, concluindo a trama de Maurice, Alec e Clive com sensibilidade e realidade. Primeiro, Maurice procura por Clive, apenas para dizer que ele está apaixonado por Alec e, consequentemente, não agirá como ele, assumindo um casamento de fachada, e a última cena de Clive expressa algum pesar enquanto ele olha pela janela e para onde está a vida que ele não teve coragem de viver… a vida que Maurice escolhe, ao lado de Alec, que ele encontra na casa de barcos esperando por ele, assim como ele sabia que encontraria. É um bonito encontro de Maurice e Alec, que não pretendem mais perder um ao outro… e eu quero acreditar que eles encontraram a felicidade ao lado um do outro!

 

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