Anos Rebeldes – O Golpe de 1964 e o romance de João Alfredo e Maria Lúcia



“O que a gente vai fazer, João?”

“Tentar. Você não acha que vale a pena uma tentativa?”

 

Eu gosto muito de como a história de “Anos Rebeldes” entrelaça a trama de seus personagens, como o romance de João Alfredo e Maria Lúcia, com todo o cenário político do Brasil a partir de 1964, quando o golpe instituiu a Ditadura Militar no país, deixando claro aquilo que muita gente tentou negar por muito tempo (e ainda tentam): a vida é política. O fato de vivermos em sociedade é política, as relações interpessoais são políticas, nossas atividades são políticas, quer saibamos ou não… não tem como viver “desassociado”. Assim, acompanhamos diferentes posicionamentos, ações e reações frente a todo o absurdo sangrento que começa a se espalhar pelo país com a ascensão da direita e do conservadorismo, e percebemos, hoje, como esse texto é atual.

Pensar que uma minissérie de 1992, ambientada nos anos 1960, traz com tanta clareza a discussão da terminologia “Golpe” x “Revolução”, que é algo que vimos ressurgir com tanta força nos últimos anos. Caso alguém esteja em dúvida: FOI GOLPE. Eu amo como o texto usa o personagem de João Alfredo para trazer o assunto à tona, e como um diálogo dele com Heloísa é esclarecedor nesse sentido, porque não há características de “revolução” no golpe militar para implantação da ditadura. Heloísa, filha de um homem rico cujo dinheiro ajudou a financiar o golpe (!), é uma das pessoas mais interessadas em ouvir o que João tem a dizer, enquanto Maria Lúcia quer se manter à parte de tudo, porque ela escolheu que “não quer se envolver” ou algo assim.

Em algum momento, chegamos a nos perguntar por que João Alfredo se apaixonou por Maria Lúcia e não por Heloísa, já que com Heloísa ele compartilha afinidade e interesses… mas sabemos, também, que o coração não escolhe por quem se apaixonar. Ainda assim, apaixonar-se por Maria Lúcia quando ambos têm posições tão diferentes é complicado. Maria Lúcia é filha de um jornalista tão engajado quanto João Alfredo, portanto ela não tem nenhuma criação de direita, tampouco concorda com a ditadura, mas ela opta pelo silêncio, por se esconder e fingir que as coisas “não são com ela”, enquanto João Alfredo não consegue ficar calado. Talvez involuntariamente, Maria Lúcia se sente atraída por toda essa intensidade, que eu particularmente acho apaixonante.

O romance surge aos poucos… surge de olhares, surge de um convite para o cinema, surge de uma brincadeira de mãos enquanto eles assistem a um filme, surge dos “embates” diretos que eles têm quando ela diz que não entende como ele pode só falar sobre política, por exemplo, e ele responde dizendo que não entende como ela pode não falar sobre política. Ainda que diferentes, há algo de fascínio de ambas as partes, existe um desafio gostoso… Maria Lúcia se recusa a caracterizar-se como “alienada”, mas ela não acha que ela pode fazer alguma coisa e que sonhar com um mundo ideal é utopia, mas esse é o tipo de coisa que João rebate com inteligência e provocação, perguntando se só porque ela não acha que pode lutar por uma vida ideal, não vai lutar por mundo melhor?

Quando os dois se rendem frente a essas provocações mútuas e o sentimento nítido a um primeiro encontro de verdade, eles compartilham um momento quase inesperado, porque Maria Lúcia tem um desafio para João Alfredo dessa vez… ela quer que ele fale sobre as coisas de que ele gosta e que “não têm a ver com política”, e eles acabam se divertindo como talvez nunca tivessem se divertido antes – e quando ele a leva embora, eles se despedem com um beijo… o primeiro beijo de João Alfredo e Maria Lúcia. Isso não quer dizer, é claro, que Maria Lúcia vá mudar o seu modo de pensar e se tornar mais engajada politicamente… ela só quer ter o seu próprio quarto sem que ele seja uma biblioteca para o pai, e agora ele se torna a casa de um mimeógrafo.

João e os amigos têm um mimeógrafo que ficaria na escola, mas não têm mais autorização para deixá-lo lá, e a mãe de Edgar acaba recuando e não deixando mais ficar na casa dela tampouco, então Orlando Damasceno oferece a sua casa… ou, mais especificamente, o quarto de Maria Lúcia. Por que não adiar mais alguns dias a obra que daria à sua filha a privacidade de um quarto pela primeira vez na vida? É um pouco triste, na verdade, porque Damasceno é muito persuasivo, e ele faz Maria Lúcia se sentir egoísta de escolher ter um quarto novo em detrimento de um lugar para rodar o jornal de que precisam… supostamente, isso deveria durar apenas uma semana, mas quatro meses depois o mimeógrafo segue rodando em seu projeto de quarto.

E ela sabe que isso nunca vai mudar.

Nesse tempo, nos aproximando do fim de 1964, João Alfredo e os demais se formam no Ensino Médio e nos entregam uma das cenas mais icônicas de “Anos Rebeldes”, quando João Alfredo faz um discurso em homenagem ao professor que foi demitido. É um discurso chamado de “comuna” por reacionários sentados na plateia, mas que demanda uma coragem tão grande e nos enche de orgulho – eu amo o João Alfredo. É depois da formatura, apenas, que Maria Lúcia resolve de fato se entregar ao romance com João Alfredo, confessando que está apaixonada por ele, mas dizendo que eles não podem ficar juntos, porque “vai ser horrível” por causa de todo o modo diferente de agir com tudo o que está acontecendo… mas João Alfredo acha que vale a pena tentar.

E, (não tão) secretamente, Maria Lúcia também quer tentar.

Assim, João Alfredo e Maria Lúcia começam a namorar oficialmente. Um namoro complicado.

 

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