Anos Rebeldes – O início de 1965: A coragem vs o medo de lutar

“Vai ser preso logo no dia do meu aniversário!”

Depois da formatura dos jovens na escola, o ano de 1965 traz João Alfredo e os demais iniciando a faculdade e se engajando cada vez mais na luta contra a Ditadura Militar, enquanto um grupo assustadoramente grande ainda não parece levar a sério o que está acontecendo na política brasileira – é apenas com o “fim dos Anos Inocentes” e o surgimento do AI-5 que muita gente percebe a gravidade dessa ascensão, e então já é tarde demais… gosto de como “Anos Rebeldes” constrói os personagens de sua juventude parcialmente inocente e seu amadurecimento constante com suas histórias trançadas a esse capítulo sangrento da história do Brasil, e como entendemos cada um deles. Suas crenças, seus limites e sua forma de reagir ficam muito claras na construção do roteiro.

O romance de Maria Lúcia e João Alfredo passa por suas provações… as brigas são constantes e sempre serão, porque ambos pensam de maneira muito distinta. João é engajado e ele quer lutar, ele quer usar o mimeógrafo, que ainda está no quarto de Maria Lúcia, para imprimir panfletos contra o governo, por exemplo, enquanto ela o quer usar apenas para as aulas particulares que está dando, porque sabe que mais cedo ou mais tarde isso vai dar problema… e realmente dá problema. Tudo acontece no mesmo dia em que Maria Lúcia fica plantada esperando o João Alfredo para um programa que tinham marcado porque “surgiu alguma emergência e a coisa ficou braba” (“Braba tô eu, João, não vem que não tem que paciência tem limite!”)…

A polícia aparece na casa dos Damasceno em busca de Orlando, e o João surta imediatamente, dizendo que eles não podem invadir e revistar a casa, como querem fazer, se eles não tiverem um mandato de busca. Enquanto João se exalta com os policias na sala, o Edgar entra silenciosamente no quarto e age com frieza, se livrando dos panfletos enquanto o policial mostra, com satisfação, o mandato de busca que trouxera. Ainda que tudo dê certo eventualmente, é uma sequência angustiante na qual Edgar recebe ajuda para jogar os panfletos pela janela e, depois, ligar o mimeógrafo propositalmente para chamar a atenção dos policiais e mostrar que ele estava imprimindo poemas para as aulas particulares que Maria Lúcia está dando.

A cena é um retrato do absurdo e da estupidez que rege esse governo. A casa é revirada, os livros de Orlando Damasceno são jogados no chão, “A Capital”, um clássico de Eça de Queiroz, é confiscado por ser confundido com “O Capital”, de Karl Marx, assim como em outra casa já levaram um livro sobre o Cubismo porque acharam que era sobre Cuba… a atitude de João Alfredo durante toda a revista é a gota d’água para Maria Lúcia… quando o susto passa, ela diz a João que quem foi o herói de verdade ali foi o Edgar, que agiu com frieza e na razão enquanto ele cantava de galo, e se não fosse por ele todos estariam presos uma hora dessas, inclusive o seu pai… ela está cansada, e não apenas por aquele dia, mas porque os dois são diferentes demais mesmo…

“Eu sou nova demais para me sentir sozinha”

João Alfredo tenta apelar, tenta prometer ser diferente de agora em diante e pede desculpas por não ter comparecido ao que eles marcaram, mas Maria Lúcia é firme em sua decisão e diz que não vai haver “de hoje em diante”, porque ela sabe que, para o João Alfredo, sempre vão surgir “situações de emergência”. E realmente vão. Depois que ela e João Alfredo terminam o romance, Maria Lúcia acaba se aproximando de Edgar, que sempre gostou dela… e, com o passar dos meses, os dois começam a namorar, porque eles têm uma afinidade na maneira como (não) lutam contra um governo com o qual também não concordam. Os dois estão se mantendo à margem, agindo como se não dependesse deles fazer alguma coisa… mas não existe, de fato, a paixão.

Não tem o que ela sentia com João.

No aniversário de 20 anos de Maria Lúcia, João Alfredo aparece na casa dos Damasceno para contar que os amigos de Orlando foram presos e que eles precisam dele porque ele é um dos oradores da assembleia que vai acontecer naquela noite na universidade… Maria Lúcia pede que ele não vá, acusa João Alfredo de estar tentando fazer com que ele vá preso também, e pergunta ao pai se “esse é o presente de aniversário que ele quer dar para ela”, mas Damasceno e João Alfredo são iguaizinhos: eles não vão se esconder ou deixar de lutar. Então, Damasceno pede que Edgar vá ao jantar com Maria Lúcia e a família e “o represente”, mas ele precisa cumprir a sua função como orador na assembleia… todos lhe garantem que nada vai acontecer, mas Maria Lúcia teme. Como sempre temeu.

Maria Lúcia é marcada pelo medo de lutar. João Alfredo pela coragem intensa.

Paradoxalmente alinhados e opostos.

 

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