“Good morning, and in case I don't see ya, good
afternoon, good evening, and good night!”
A história
de Truman Burbank, um homem que tem a sua vida transmitida 24h por dia na TV,
desde o seu nascimento, assistido no mundo inteiro…
e ele não sabe disso.
“O Show
de Truman” é um dos maiores clássicos do cinema, com 95% de aprovação no
Rotten Tomatoes, e o filme não cansa de nos surpreender – assisti vidrado e
boquiaberto como a todas as pessoas
fora
da realidade simulada que assistiam ao Truman na TV, torcendo por ele a
cada segundo. Acho que duas coisas transformam o filme no grande êxito que ele
foi: o fato de ser uma ideia curiosa e original, que nos fascinou, e o fato de
o filme poder caminhar por gêneros de uma forma competente… Jim Carrey está
incrível no papel principal, e o roteiro consegue gerar tensão e suspense, ao
mesmo tempo em que nos diverte e nos entrega bons momentos emotivos.
O filme é um
marco do cinema, decididamente!
Se você leu
a sinopse ou viu o trailer, você sabe do que se trata:
um cara que não sabe que a vida dele é toda uma mentira. Mas se
você vê o filme, essa também é a primeira coisa que o roteiro nos conta.
Começamos o filme como se começássemos um programa de TV ou os extras de um DVD
sobre o que é “O Show de Truman”. Segundo o doentio criador do “programa”, sua
ideia é a de que a indústria já está cansada de atores com emoções falsas, e
por isso o público se apaixonou
tanto
por Truman Burbank:
porque ele é real.
Toda a ideia ao seu redor é perversa: as pessoas ao seu redor são atores
contratados por um estúdio de TV (inclusive seus pais e sua esposa),
interpretando um papel. A cidade em que
mora e a vida que leva são
cinematográficas,
tudo construído para mantê-lo inadvertidamente dentro dessa
bolha.
Para o entretenimento alheio…
Eu gosto de
como
“O Show de Truman” não se
intitula uma
ficção científica nem um
suspense, mas como os elementos de
ambos os gêneros estão muito bem colocados ali – eu sinto aquela
vibe dos filmes
sci-fi da década de 1980, ou dos contos e livros de Philip K. Dick.
E isso me fascina desde o primeiro
instante! Truman vive ANOS sem desconfiar de nada. Ele leva uma vida
normal e sem grandes emoções, tem um
trabalho em um escritório, e nunca sai da ilha em que mora porque
os criadores também pensaram nisso.
Desde criança, Truman queria ser um
explorador,
queria
viajar o mundo, então eles
fizeram o que podiam para mantê-lo
dentro
da ilha, inclusive “matar” o seu pai (lembrando que é um ator, cujo
personagem morre no episódio
“Morte no Mar”) no mar para que Truman
tenha medo de se aproximar da água e cruzar a ponte que o levaria para fora da
ilha…
É tudo meticulosamente calculado.
Mas quando a
desconfiança se instala, é difícil de deixá-la de lado. Alguns eventos fazem
com que Truman comece, depois de 30 anos, a questionar a
realidade em que vive. São dois eventos principais. Primeiro
Sylvia, uma figurante em quem ele bate o olho e em quem
não pode deixar de pensar… ela não
deveria falar com ele, porque
esse
não era o seu papel, e é angustiante ver o seu nervosismo na biblioteca da
faculdade, quando Truman vem falar com ela e ela tenta afastá-lo, olhando
nervosa para as câmeras que
ele não sabe
que estão ali, dizendo que “não pode falar com ele”. Então, quando Truman a
convida para
comer pizza um dia desses,
de maneira insistente, ela diz que
eles
precisam ir agora, ou então não irão nunca mais… porque “eles virão por ela”.
E, assim, ele passa uma noite ao lado de Sylvia (que ele pensa se chamar
Lauren).
Até que
eles realmente venham por ela… para se
livrar da
figurante intrometida, o
estúdio envia um ator para interpretar seu pai, para colocá-la dentro de um
carro e dizer que “eles estão se mudando para Fiji”, e então ela conta tudo a
Truman, mas é difícil acreditar nela – ela diz que todo mundo está assistindo a
ele, que aquilo tudo é uma mentira, que
é
um reality show. NAQUELE MOMENTO, EU FIQUEI TENSO E CURIOSO! O “pai” de
“Lauren” diz que ela é esquizofrênica e tem episódios como esse, mas
Truman não consegue parar de pensar nela.
Também temos aquela cena em que o “pai” de Truman reaparece, 22 anos depois, e
ele o vê na rua – o ator invadiu o
set
porque nunca aceitou sua demissão para gerar o trauma de Truman e prendê-lo na
ilha, mas outros atores se livram dele rapidamente e aqueles “nos papeis
principais” tentam convencer Truman de que
é
tudo mentira.
O filme é
repleto de cenas curiosas que, de certa maneira, me fazem rir –
mas eu estava rindo de nervoso, na maior
parte do tempo. Com a maneira como o pai reapareceu e ninguém parece lhe
fazer caso, ou com o que Sylvia lhe disse ainda ecoando
no fundo de sua memória, Truman começa a
perceber coisas. Começa a perceber que, às vezes, as pessoas ao seu
redor parecem estar
falando com o nada
(as cenas de
merchandising são uma
das melhores piadas do filme!), ou que “tudo parece girar ao seu redor”, e que
as pessoas
não sabem como agir quando ele
se comporta de maneira inesperada… batendo palmas no mercado, por exemplo,
ou invadindo um prédio – aqui ele percebe que o fundo de um elevador é falso, e
até consegue ver uma parte do estúdio lá atrás, com atores
fazendo um lanchinho, antes de ser retirado do prédio pelos
seguranças.
Mais atores…
Uma das
cenas mais revoltantes é aquele “aniversário de 30 anos do Show do Truman”. É
aqui que conhecemos, oficialmente, Christof, o criador disso tudo, o cara que
prendeu Truman num programa de TV para lucros próprios e entretenimento… seu
nascimento foi transmitido ao vivo, há 30 anos, e Truman não conheceu outra
vida a não ser aquela encenada para ele –
é
tão triste pensar que TUDO ao seu redor SEMPRE foi uma mentira. Nada
daquilo foi real! Só, quem sabe, Sylvia, naquela única noite. E é claro que,
além do Christof (que tem uma mente doentia que nos causa arrepios), todo
espectador do Show do Truman também tem culpa disso tudo…
afinal de contas, são eles que acompanham o programa 24 horas por dia,
eles que dão ibope e dinheiro. A ideia é manter Truman Burbank ali dentro
do seu nascimento até a sua morte…
Em dois
momentos Truman tenta escapar. No primeiro deles, ele age por impulso, e leva
consigo sua esposa, “Meryl”, e cada segundo daquela tentativa falha de fuga é
angustiante – vocês também ficam
tensos aquele momento inteiro? Estava
torcendo por Truman como se a minha vida dependesse daquilo! Mas Meryl tenta
desencorajá-lo a escapar, carros aparecem para formar “trânsito” de uma forma
bizarramente sincronizada, e ele percebe cada um desses detalhes…
ele já não tem mais dúvidas de que sua vida
é uma mentira. Ele tenta agir de maneira inesperada, para ir o mais longe
que pode, mas eventualmente é detido por um policial que o chama pelo nome,
mesmo que ele não tenha tido o seu nome…
então, ele tenta escapar a pé, também sem sucesso, e ele acaba sendo levado de volta
para casa.
De volta para onde tudo
começou.
Mas Truman é
esperto, felizmente… depois da invasão do ator que interpretou seu pai aos
estúdios de gravação, Christof o contrata para “consertar essa crise”, já que
“foi ele que a começou”, e então temos um “episódio” do Show do Truman no qual
pai e filho se reencontram – e essa é
outra cena bizarra e revoltante, porque vemos
o quanto tudo é manipulado, o quanto se usa da emoção sincera de
Truman para gerar expectativa, emoção, ibope. O “pai” não sente nada por ele de
verdade, aquele momento é todo manipulado, mas acaba sendo útil para Truman.
Depois daquilo, ele “volta a ser o Truman de antes”. Ele volta a dar bom dia
aos vizinhos na hora de ir trabalhar, com a frase de sempre, faz piadas no
espelho, e isso faz com que o público e, especialmente, a produção do programa,
“baixem a guarda”.
Para eles, é o Truman
de sempre.
Mas não é.
É só assim
que Truman consegue, finalmente ESCAPAR. Ele desaparece durante a noite,
enquanto Christof coloca
todo mundo
atrás dele – afinal de contas, é a sua “estrela” partindo. E, ali, ele deixa de
lado qualquer cuidado e revela, de uma vez por todas a Truman, que
ele está em um programa de TV… não há
mais sentido em seguir fingindo. Ele faz o “dia” amanhecer mais cedo, e de maneira
muito rápida, para poder encontrá-lo,
e o localiza no mar, em um barquinho, tentando navegar
para longe da ilha, e toda a sequência é angustiante, porque
estamos vidrados, torcendo por Truman, sabendo que estamos chegando ao fim do
filme e que, se não for agora, ele não conseguirá mais fugir, porque
ninguém o deixará em paz, mas Christof
está quase disposto a tudo. A maneira como eles enviam uma tempestade que quase
o mata afogado…
“For God's sake, Chris! The whole world is watching.
We can't let him die in front of a live audience!”
“He was born in front of a live audience”
Christof não
se importa.
Christof não sente nada por ele.
Mas ele
tenta fingir que sente. O FINAL DO FILME É EMOCIONANTE, E EU AMEI A ATUAÇÃO DE
JIM CARREY AQUI! Ele não deixa sua veia cômica de lado, que é a sua marca, mas
ele consegue nos convencer dos sentimentos de Truman e consegue fazer com que
sintamos por ele. Truman se mostra incansável, e ele diz que “terão que matá-lo
para impedi-lo”, e no fim a tempestade se vai e Truman navega até
a beira do mundo… do seu mundo.
Eventualmente, o barco bate no fim do cenário, e então ele caminha até a saída,
onde Christof fala com ele uma última vez. Um discurso barato e nojento sobre
como ele deveria ficar ali, como não há nada
a mais do lado de fora, e é revoltante como ele apela para o
sentimentalismo, como se se importasse de fato. Mas Truman não pode voltar
atrás… não agora que ele sabe a verdade, que ele está a uma porta
do mundo real.
Então, ele
diz sua frase de sempre:
“In case I
don't see you... good afternoon, good evening, and good night”
Eu chorei. E
ainda agora, escrevendo essas palavras, elas me arrepiam.
O filme
termina sem nos mostrar o lado de fora, e percebemos que
não era necessário… afinal de conta, nós conhecemos o mundo do lado
de cá, quem tem que conhecê-lo é o Truman, e ele vai ter Sylvia para ajudá-lo,
que, emocionada, pega uma blusa e sai correndo para encontrá-lo. Finalmente,
depois de 30 anos, Truman está livre e “O Show de Truman” sai do ar – mas a
audiência, que já tinha se afeiçoado ao homem, não podia mantê-lo prisioneiro
tampouco, não depois disso tudo, então eles
celebram
a sua liberdade. A última cena é bonita e simbólica, e me emocionou. Há tantas
análises a se fazer a partir desse filme, a respeito da nossa vida, a respeito
da mídia, a respeito de
reality shows,
a respeito da
coisa (o programa de
TV) se tornar mais importante do que a
pessoa
(o Truman), mas, nesse momento, eu só sei
sentir.
“O Show de Truman” é um filmaço.
Para ver,
rever e guardar no coração.
Amei!
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