O Show de Truman (The Truman Show, 1998)


“Good morning, and in case I don't see ya, good afternoon, good evening, and good night!”

 

A história de Truman Burbank, um homem que tem a sua vida transmitida 24h por dia na TV, desde o seu nascimento, assistido no mundo inteiro… e ele não sabe disso. “O Show de Truman” é um dos maiores clássicos do cinema, com 95% de aprovação no Rotten Tomatoes, e o filme não cansa de nos surpreender – assisti vidrado e boquiaberto como a todas as pessoas fora da realidade simulada que assistiam ao Truman na TV, torcendo por ele a cada segundo. Acho que duas coisas transformam o filme no grande êxito que ele foi: o fato de ser uma ideia curiosa e original, que nos fascinou, e o fato de o filme poder caminhar por gêneros de uma forma competente… Jim Carrey está incrível no papel principal, e o roteiro consegue gerar tensão e suspense, ao mesmo tempo em que nos diverte e nos entrega bons momentos emotivos.

O filme é um marco do cinema, decididamente!

Se você leu a sinopse ou viu o trailer, você sabe do que se trata: um cara que não sabe que a vida dele é toda uma mentira. Mas se você vê o filme, essa também é a primeira coisa que o roteiro nos conta. Começamos o filme como se começássemos um programa de TV ou os extras de um DVD sobre o que é “O Show de Truman”. Segundo o doentio criador do “programa”, sua ideia é a de que a indústria já está cansada de atores com emoções falsas, e por isso o público se apaixonou tanto por Truman Burbank: porque ele é real. Toda a ideia ao seu redor é perversa: as pessoas ao seu redor são atores contratados por um estúdio de TV (inclusive seus pais e sua esposa), interpretando um papel. A cidade em que mora e a vida que leva são cinematográficas, tudo construído para mantê-lo inadvertidamente dentro dessa bolha.

Para o entretenimento alheio

Eu gosto de como “O Show de Truman” não se intitula uma ficção científica nem um suspense, mas como os elementos de ambos os gêneros estão muito bem colocados ali – eu sinto aquela vibe dos filmes sci-fi da década de 1980, ou dos contos e livros de Philip K. Dick. E isso me fascina desde o primeiro instante! Truman vive ANOS sem desconfiar de nada. Ele leva uma vida normal e sem grandes emoções, tem um trabalho em um escritório, e nunca sai da ilha em que mora porque os criadores também pensaram nisso. Desde criança, Truman queria ser um explorador, queria viajar o mundo, então eles fizeram o que podiam para mantê-lo dentro da ilha, inclusive “matar” o seu pai (lembrando que é um ator, cujo personagem morre no episódio “Morte no Mar”) no mar para que Truman tenha medo de se aproximar da água e cruzar a ponte que o levaria para fora da ilha…

É tudo meticulosamente calculado.

Mas quando a desconfiança se instala, é difícil de deixá-la de lado. Alguns eventos fazem com que Truman comece, depois de 30 anos, a questionar a realidade em que vive. São dois eventos principais. Primeiro Sylvia, uma figurante em quem ele bate o olho e em quem não pode deixar de pensar… ela não deveria falar com ele, porque esse não era o seu papel, e é angustiante ver o seu nervosismo na biblioteca da faculdade, quando Truman vem falar com ela e ela tenta afastá-lo, olhando nervosa para as câmeras que ele não sabe que estão ali, dizendo que “não pode falar com ele”. Então, quando Truman a convida para comer pizza um dia desses, de maneira insistente, ela diz que eles precisam ir agora, ou então não irão nunca mais… porque “eles virão por ela”. E, assim, ele passa uma noite ao lado de Sylvia (que ele pensa se chamar Lauren).

Até que eles realmente venham por ela… para se livrar da figurante intrometida, o estúdio envia um ator para interpretar seu pai, para colocá-la dentro de um carro e dizer que “eles estão se mudando para Fiji”, e então ela conta tudo a Truman, mas é difícil acreditar nela – ela diz que todo mundo está assistindo a ele, que aquilo tudo é uma mentira, que é um reality show. NAQUELE MOMENTO, EU FIQUEI TENSO E CURIOSO! O “pai” de “Lauren” diz que ela é esquizofrênica e tem episódios como esse, mas Truman não consegue parar de pensar nela. Também temos aquela cena em que o “pai” de Truman reaparece, 22 anos depois, e ele o vê na rua – o ator invadiu o set porque nunca aceitou sua demissão para gerar o trauma de Truman e prendê-lo na ilha, mas outros atores se livram dele rapidamente e aqueles “nos papeis principais” tentam convencer Truman de que é tudo mentira.

O filme é repleto de cenas curiosas que, de certa maneira, me fazem rir – mas eu estava rindo de nervoso, na maior parte do tempo. Com a maneira como o pai reapareceu e ninguém parece lhe fazer caso, ou com o que Sylvia lhe disse ainda ecoando no fundo de sua memória, Truman começa a perceber coisas. Começa a perceber que, às vezes, as pessoas ao seu redor parecem estar falando com o nada (as cenas de merchandising são uma das melhores piadas do filme!), ou que “tudo parece girar ao seu redor”, e que as pessoas não sabem como agir quando ele se comporta de maneira inesperada… batendo palmas no mercado, por exemplo, ou invadindo um prédio – aqui ele percebe que o fundo de um elevador é falso, e até consegue ver uma parte do estúdio lá atrás, com atores fazendo um lanchinho, antes de ser retirado do prédio pelos seguranças.

Mais atores

Uma das cenas mais revoltantes é aquele “aniversário de 30 anos do Show do Truman”. É aqui que conhecemos, oficialmente, Christof, o criador disso tudo, o cara que prendeu Truman num programa de TV para lucros próprios e entretenimento… seu nascimento foi transmitido ao vivo, há 30 anos, e Truman não conheceu outra vida a não ser aquela encenada para ele – é tão triste pensar que TUDO ao seu redor SEMPRE foi uma mentira. Nada daquilo foi real! Só, quem sabe, Sylvia, naquela única noite. E é claro que, além do Christof (que tem uma mente doentia que nos causa arrepios), todo espectador do Show do Truman também tem culpa disso tudo… afinal de contas, são eles que acompanham o programa 24 horas por dia, eles que dão ibope e dinheiro. A ideia é manter Truman Burbank ali dentro do seu nascimento até a sua morte…

Em dois momentos Truman tenta escapar. No primeiro deles, ele age por impulso, e leva consigo sua esposa, “Meryl”, e cada segundo daquela tentativa falha de fuga é angustiante – vocês também ficam tensos aquele momento inteiro? Estava torcendo por Truman como se a minha vida dependesse daquilo! Mas Meryl tenta desencorajá-lo a escapar, carros aparecem para formar “trânsito” de uma forma bizarramente sincronizada, e ele percebe cada um desses detalhes… ele já não tem mais dúvidas de que sua vida é uma mentira. Ele tenta agir de maneira inesperada, para ir o mais longe que pode, mas eventualmente é detido por um policial que o chama pelo nome, mesmo que ele não tenha tido o seu nome… então, ele tenta escapar a pé, também sem sucesso, e ele acaba sendo levado de volta para casa. De volta para onde tudo começou.

Mas Truman é esperto, felizmente… depois da invasão do ator que interpretou seu pai aos estúdios de gravação, Christof o contrata para “consertar essa crise”, já que “foi ele que a começou”, e então temos um “episódio” do Show do Truman no qual pai e filho se reencontram – e essa é outra cena bizarra e revoltante, porque vemos o quanto tudo é manipulado, o quanto se usa da emoção sincera de Truman para gerar expectativa, emoção, ibope. O “pai” não sente nada por ele de verdade, aquele momento é todo manipulado, mas acaba sendo útil para Truman. Depois daquilo, ele “volta a ser o Truman de antes”. Ele volta a dar bom dia aos vizinhos na hora de ir trabalhar, com a frase de sempre, faz piadas no espelho, e isso faz com que o público e, especialmente, a produção do programa, “baixem a guarda”. Para eles, é o Truman de sempre.

Mas não é.

É só assim que Truman consegue, finalmente ESCAPAR. Ele desaparece durante a noite, enquanto Christof coloca todo mundo atrás dele – afinal de contas, é a sua “estrela” partindo. E, ali, ele deixa de lado qualquer cuidado e revela, de uma vez por todas a Truman, que ele está em um programa de TV… não há mais sentido em seguir fingindo. Ele faz o “dia” amanhecer mais cedo, e de maneira muito rápida, para poder encontrá-lo, e o localiza no mar, em um barquinho, tentando navegar para longe da ilha, e toda a sequência é angustiante, porque estamos vidrados, torcendo por Truman, sabendo que estamos chegando ao fim do filme e que, se não for agora, ele não conseguirá mais fugir, porque ninguém o deixará em paz, mas Christof está quase disposto a tudo. A maneira como eles enviam uma tempestade que quase o mata afogado…

 

“For God's sake, Chris! The whole world is watching. We can't let him die in front of a live audience!”

“He was born in front of a live audience”

 

Christof não se importa.

Christof não sente nada por ele.

Mas ele tenta fingir que sente. O FINAL DO FILME É EMOCIONANTE, E EU AMEI A ATUAÇÃO DE JIM CARREY AQUI! Ele não deixa sua veia cômica de lado, que é a sua marca, mas ele consegue nos convencer dos sentimentos de Truman e consegue fazer com que sintamos por ele. Truman se mostra incansável, e ele diz que “terão que matá-lo para impedi-lo”, e no fim a tempestade se vai e Truman navega até a beira do mundo… do seu mundo. Eventualmente, o barco bate no fim do cenário, e então ele caminha até a saída, onde Christof fala com ele uma última vez. Um discurso barato e nojento sobre como ele deveria ficar ali, como não há nada a mais do lado de fora, e é revoltante como ele apela para o sentimentalismo, como se se importasse de fato. Mas Truman não pode voltar atrás… não agora que ele sabe a verdade, que ele está a uma porta do mundo real.

Então, ele diz sua frase de sempre:

“In case I don't see you... good afternoon, good evening, and good night”

Eu chorei. E ainda agora, escrevendo essas palavras, elas me arrepiam.

O filme termina sem nos mostrar o lado de fora, e percebemos que não era necessário… afinal de conta, nós conhecemos o mundo do lado de cá, quem tem que conhecê-lo é o Truman, e ele vai ter Sylvia para ajudá-lo, que, emocionada, pega uma blusa e sai correndo para encontrá-lo. Finalmente, depois de 30 anos, Truman está livre e “O Show de Truman” sai do ar – mas a audiência, que já tinha se afeiçoado ao homem, não podia mantê-lo prisioneiro tampouco, não depois disso tudo, então eles celebram a sua liberdade. A última cena é bonita e simbólica, e me emocionou. Há tantas análises a se fazer a partir desse filme, a respeito da nossa vida, a respeito da mídia, a respeito de reality shows, a respeito da coisa (o programa de TV) se tornar mais importante do que a pessoa (o Truman), mas, nesse momento, eu só sei sentir. “O Show de Truman” é um filmaço.

Para ver, rever e guardar no coração.

Amei!

 

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