Desventuras em Série, Livro Décimo – O Escorregador de Gelo


“Onde há fumaça, há fogo”
É interessante pensar no quanto as coisas mudaram desde que “Desventuras em Série” começou. Se no início tínhamos órfãos desafortunados sendo mandados de um tutor a outro desde o fatídico incêndio na Mansão Baudelaire, agora eles estão envoltos em uma trama muito maior, que tem a ver com uma organização secreta da qual os pais faziam parte, e sobre a qual eles nunca ouviram falar… é um livro de crescimento, tanto para Sunny, que “deixa de ser um bebê”, quanto para Violet e Klaus, que encontram um sobrevivente de um incêndio, com quem investigam C.S.C. até descobrirem algo concreto enfim – os mistérios, no entanto, ainda são muito maiores do que as respostas. O livro é eletrizante, frio (!), e mantém os Irmãos Baudelaire separados por tempo demais… ao fim, eles rumam para o último santuário de C.S.C., para uma reunião de voluntários.

Caro Leitor,

Assim como apertos de mão, cães e cenouras cruas, muitas coisas são melhores quando não são escorregadias. Neste volume, receio que Violet, Klaus e Sunny Baudelaire enfrentem um amontoado de escorregadelas durante sua lamentável jornada pelas Montanhas de Mão-Morta.
Seria melhor não mencionar os desagradabilíssimos detalhes da história – em especial uma mensagem secreta, um tobogã, uma armadilha, um enxame de mosquitos da neve, um vilão maquinador de planos maléficos, um bando de jovens organizados e o sobrevivente de um terrível incêndio.
Para meu grande azar, dediquei minha vida a registrar a triste história dos Baudelaire. Mas não há razão para você também se dedicar a uma atividade tão ignóbil; seria melhor deixar este livro escorregar de suas mãos para dentro de uma lixeira ou de um poço bem fundo.

Respeitosamente,
Lemony Snicket

O CAMINHO MENOS PERCORRIDO. “O Escorregador de Gelo” começa assim que “O Espetáculo Carnívoro” chega ao fim, enquanto Sunny é levada montanha acima até a base de operações de C.S.C. no colo de Esmé Squalor, em um carro dirigido pelo perverso Conde Olaf, enquanto Violet e Klaus, os Baudelaire mais velhos, precisam descobrir uma maneira de parar o trailer do Parque Caligari em que estão, e que desce desenfreado montanha abaixo… uma das brilhantes invenções de Violet funciona pouco antes de eles caírem em um precipício, mas isso ainda não é boa notícia de fato: eles estão muito longe de Sunny, preocupados com a irmã mais nova, e sem saber como subir a montanha, a não ser a pé, enfrentando o frio cortante, um maldoso enxame de mosquitos da neve e, pior de tudo, CARMELITA SPATS dentro de uma caverna onde eles "se arriscam” para se proteger dos mosquitos.
Foi um tanto quanto estranho reencontrar Carmelita Spats, irritante os chamando de “bisbórrias” no meio das gélidas Montanhas de Mão-Morta, mas ela estava com o Tio Bruce e os Escoteiros da Neve, prontos para celebrar a “Falsa Primavera”, e foi o melhor que os Baudelaire conseguiram para se proteger dos perversos mosquitos da neve… ali, eles tiveram que aturar um “Juramento Alfabético” idiota, mas também conheceram um misterioso escoteiro de suéter com que meio que conversaram através de códigos, formulando frases que propositalmente usassem as inicias C.S.C., até que o garoto misterioso entendesse a mensagem. Assim, depois que os Escoteiros da Neve pegam no sono, o “escoteiro de suéter” vem acordar os Baudelaire para contar que sabe de um atalho até a base de operações. Assim, os Baudelaire começam uma nova jornada…
Enquanto isso, a viagem de Sunny é comparada a Cinderela…

“Se você está interessado em saber o que aconteceu com ela, enquanto seus irmãos tentavam deter o trailer, subiam o curso do Arroio Enamorado rumo à nascente e lutavam contra mosquitos da neve, existe mais uma história que você deve ler. Diz respeito a uma pessoa chamada Cinderela. Cinderela era uma jovem a quem pessoas malvadas insultavam e forçavam a fazer todas as tarefas domésticas. Ela acabou salva por sua fada-madrinha, que num toque de mágica criou um vestido especial para ela usar em um baile. Foi lá que Cinderela conheceu um garboso príncipe com quem se casou e viveu feliz para sempre. Se você substituir o nome Cinderela por Sunny Baudelaire, e eliminar a fada-madrinha, o vestido especial, o baile, o príncipe garboso, o casamento e o viver feliz para sempre, terá uma noção clara de como foi a viagem de Sunny”

Parece meramente irônico, no momento.
Mas faz absoluto sentido mais tarde!
Sunny e a trupe do Conde Olaf estão no Cume das Aflições, de onde podem ver “tudo e todos a quilômetros de distância”, o que não parece algo tão ruim a Sunny Baudelaire, que espera que, talvez, os irmãos também possam vê-la. Lá de cima, enquanto recebe a função de armar as barracas para aquela noite, Sunny vê, pela primeira vez, o ESCORREGADOR DE GELO, que nada mais é do que uma cachoeira congelada, que ainda pode ser útil a eles! Sunny passa uma das piores noites da sua vida, morrendo de frio durante todo o tempo, e acorda forçada a preparar um café-da-manhã sem recurso algum, e é humilhada apesar de todo seu esforço (enquanto Lemony Snicket sugere que a mãe dos Baudelaire pode ser sua IRMÃ, ou é impressão minha?!), mas ela está interessada em escutar o que os mais novos viajantes, o homem com barba mas sem cabelo e a mulher com cabelo mas sem barba, estão dizendo…
Aparentemente, eles atearam fogo na base de operações…
…e roubaram de lã as 12 páginas inicias do DOSSIÊ SNICKET!
Graças aos acontecimentos que acompanhamos da perspectiva de Sunny, já sabemos da frustração que espera os Baudelaire mais velhos ao fim de sua jornada com o “escoteiro de suéter”, e embora eles cheguem à base de operações e passem inteligentemente pela porta com “Cerramento Supravernacular Complexo”, eles só encontram tudo devastado por um incêndio do lado de lá, e a tristeza de não encontrarem o sobrevivente do incêndio que a Página 13 do Dossiê Snicket prometia. Então, Lemony Snicket traz uma de suas mais fascinantes reviravoltas na história de “Desventuras em Série”. Assim como os Baudelaire queriam chegar à base de operações de C.S.C. e encontrar um dos pais vivos, o “escoteiro de suéter” também queria encontrar alguém: ELE É QUIGLEY QUAGMIRE, e ele esperava que pudesse encontrar os irmãos.
Wow.
Então, Quigley Quagmire conta a sua história, e é fascinante o quanto TUDO ESTÁ CONECTADO, e como Lemony Snicket brinca com referências aos seus livros anteriores. Durante o incêndio, Quigley foi escondido sob um alçapão que foi impossibilitado de ser aberto mais tarde, então ele descobriu uma passagem subterrânea que o levou diretamente até a casa do Dr. Montgomery, assim como os Baudelaire tinham uma passagem que levada à Avenida Sombria 667. Através d’O Pundonor Diário, Quigley descobriu que os irmãos estavam na Escola Preparatória Prufrock, e ele conheceu Jacques Snicket na Sala dos Répteis, enquanto ele fazia pesquisas e procurava pelos Baudelaire. Foi Jacques quem lhe contou sobre C.S.C., sobre a sigla e a organização, sobre a cisão, mas não teve tempo de lhe contar tudo, pois um dia ele não retornou.
E Quigley precisou fugir, pois a Sala dos Répteis também estava em chamas
O caminho de Quigley o levou até as Montanhas de Mão-Morta, em busca da base de operações de C.S.C., convergindo com o dos Baudelaire, apesar de todas as diferenças. Tendo lido no jornal sobre o sequestro dos irmãos, ele sabia que não adiantava mais ir para a Escola Preparatória Prufrock, e acabou partindo a Paltryville, a cidade para onde Jacques Snicket disse que iria, e com base no que descobriu lá e suas leituras na biblioteca do Dr. Montgomery, Quigley ficou sabendo da base de operações e concluiu que era sua melhor chance de resgatar os irmãos e, para isso, se infiltrou entre os Escoteiros da Neve. Agora, os irmãos Baudelaire contam sobre a morte de Jacques Snicket na Cidade dos Cultores Solidários de Corvídeos, e sobre como Duncan e Isadora fugiram com Hector em uma casa móvel autossustentável a ar quente, em segurança.
Na conversa com Quigley, ganhamos algumas respostas, depois de todas as “possibilidades” de significados para C.S.C. que ganhamos apenas nesse livro, fora todas as que acumulamos de livros anteriores, como Caprichosos Suportes para Copos, ou Cultores Solidários de Corvídeos. Aqui, temos as Correntezas que Sopram Constantes, o Caminho Secundário das Chamas, os Caçadores de Segredos Criminais, os Cilindros Sempre-verdes Combustíveis, o Cerramento Supravernacular Complexo, o Colóquio Secreto Criostático e as Cebolinhas Semicongeladas Cheirosas. Como diz Quigley sobre as iniciais: “Quer dizer uma porção de coisas. quase tudo o que a organização usa tem as mesmas iniciais”. Enfim, a resposta oficial aparece: Corporação pelo Salvamento das Chamas, mas, infelizmente, saber disso não torna as coisas tão mais claras como eles esperavam…

“Sempre achei que se descobríssemos o que significa as iniciais, teríamos resolvido o mistério, mas continuo tão confusa quanto antes”

A vida dos Órfãos Baudelaire e dos Quagmire está envolta em mistérios. Por isso, Violet, Klaus e Quigley resolvem investigá-los, porque precisam de RESPOSTAS. Klaus inicia seu próprio caderno de lugar-comum, de capa azul-escuro (um presente de Quigley), e tenta descobrir algo na biblioteca destruída da base de operações de C.S.C., enquanto Violet inventa uma maneira de ela e Quigley escalarem, em duvidosa segurança, o “escorregador de gelo” – ainda que me cause calafrios pensar nisso. Mas eles precisam saber quem é que estava enviando o sinal de fumaça verde lá de cima. Se eles soubessem que era SUNNY do lado de lá, estariam ainda mais motivados a escalar! Assim, Violet e Quigley escalam o ESCORREGADOR DE GELO, e toda a tensão é quebrada pelo momento de “privacidade” que Lemony Snicket dá à Baudelaire mais velha, quando Violet e Quigley se sentam para descansar…
Possivelmente, a julgar pelos sorrisinhos tímidos depois, Violet e Quigley se beijaram.
E é LINDO pensar que ela teve um momento assim no meio de tudo isso.
Ao fim da escalada, Violet reencontra Sunny, E É A CENA MAIS EMOCIONANTE DO LIVRO! Mais emocionante porque percebemos que Sunny já não é mais um bebê indefeso. Há muito tempo ela tem dito coisas compreensíveis até para nós, que “não falamos sua língua”, e naquele momento ela toma uma decisão corajosa. Violet está feliz e aliviada ao rever a irmã, e quer levá-la para baixo em segurança, mas Sunny a faz ver que é melhor que ela continue ali. Se ela poder estar entre o Conde Olaf e sua trupe, ela pode espioná-los e descobrir algo sobre “um outro santuário”, como eles comentaram – um outro lugar onde os voluntários estão se reunindo (o Hotel Desenlace?). Violet é veementemente contra deixá-la para trás, e então Sunny solta aquela memorável frase, a mais longa que já disse: “Não sou mais um bebê”. E com orgulho e tristeza, Violet percebe que é verdade.
Então, Violet e Quigley partem, e deixam Sunny “espionando”.
Eles precisam saber para onde ir a partir daquele lugar…
Uma vez de volta à base de operações, Violet e Quigley se atualizam a respeito das descobertas de Klaus em uma interessante pesquisa que os leva a pensar sobre como suas habilidades específicas são importantes em momentos como esse… as pesquisas de Klaus, as invenções de Violet, a cartografia de Quigley ou as poesias de Isadora, que tivera aulas de poesias quando era pequena. Um voluntário de C.S.C.? Como eles dizem?: “É como se estivéssemos em treinamento sem saber”. Tudo o que eles conseguem descobrir, no entanto, é que haverá um encontro de voluntários no “último santuário” na próxima quinta-feira, e agora eles precisam descobrir como salvar Sunny. Para isso, armam um plano para capturar Esmé Squalor em uma armadilha, e então, fazendo-a prisioneira, talvez eles possam usá-la para ameaçar o Conde Olaf e fazê-lo devolver a irmã mais nova deles…
Ao colocar o plano em ação, no entanto, eles se perguntam se não estão sendo “vilanescos”.
E essa é uma dúvida que atormenta os Baudelaire há algum tempo…
Para colocar o plano em prática, os três órfãos passam a noite toda cavando um buraco para prender Esmé Squalor. Na manhã seguinte, os vilões despertam descuidados, e Sunny os escuta falar sobre “incendiar o Hotel Desenlace”, e então descobre que esse só pode ser o último santuário. Tudo parece caminhar bem, até que Esmé Squalor, vestida como um incêndio ambulante (!), desce de tobogã pelo escorregador de gelo atrás da fumaça verde, porque “cigarros estão in”, e enquanto veem Esmé se aproximar, Klaus nota o lema de C.S.C. sob o letreiro da biblioteca: “O mundo aqui silencia”. Isso desperta em Violet a dúvida, e ela percebe que o que estão fazendo é SIM vilanesco, e não pode permitir mais que Esmé Squalor caia na armadilha deles… então, usando as máscaras dos Escoteiros da Neve para não ser reconhecida, Violet e os demais salvam Esmé.
Talvez eles possam salvar Sunny de uma forma menos “vilanesca”… falando com o Conde Olaf, talvez? Eles só precisam saber exatamente o que dizer! Assim, Violet, Klaus e Quigley sobem novamente o escorregador de gelo, uma subida longa e exaustiva, carregando Esmé Squalor atrás deles, e Violet improvisa, mas diz exatamente o que precisava dizer para conseguir a liberdade da irmã: “Você vai libertar Sunny, porque sabemos onde está o açucareiro”. Imediatamente, o Conde Olaf se desespera, e ainda tem a pressão de Esmé Squalor, que é obcecada por esse açucareiro (!), e está disposta a entregar Sunny Baudelaire para os estranhos sem mais delongas – segundo ela, “depois eles podem pensar em outro plano para roubar a fortuna”. Então o que tem dentro do açucareiro deve mesmo ser MUITO importante, não? Curiosidade nos corrói!
O plano final dos vilões é prender ou recrutar todos os Escoteiros da Neve que estão subindo para a celebração da “Falsa Primavera”, e na tentativa de impedi-los de cair na armadilha dos vilões, os Baudelaire e Quigley acabam revelando suas identidades – o capítulo final do livro também ainda traz as mulheres de cara branca deixando para trás a trupe do Conde Olaf, e a Sunny repetindo uma última vez que “não é mais um bebê”. Então, mesmo com a tentativa dos órfãos de alertá-la, Carmelita Spats se autoproclama “Rainha da Falsa Primavera” e coloca o mastro no topo do escorregador de gelo, causando um perigoso racho, quase como se a montanha toda estivesse se partindo ao meio ou, como Lemony Snicket coloca, como se “o mundo todo estivesse em uma cisão” ou algo assim. E então, são os momentos finais de “O Escorregador de Gelo”.
A armadilha de Olaf e os demais funciona, a casa móvel autossustentável a ar quente de Hector está aparentemente em perigo, pois eles estão indo atrás deles com as águas, e Carmelita Spats, tão vil quanto o Conde Olaf e Esmé Squalor, acaba se juntando a eles… os órfãos quase não têm para onde fugir, mas então pensam rápido: um tobogã + um escorregador de gelo, e eles estão longe dos vilões. No entanto, os Baudelaire também acabam se separando de Quigley Quagmire quando Violet usa a faca de pão que tinha no bolso para frear o tobogã e impedi-los de cair na armadilha que eles mesmos prepararam para Esmé… Quigley grita para que eles o encontrem em algum lugar, mas eles não escutam o lugar. O Hotel Desenlace, talvez? O submarino? De todo modo, a sequência toda dá um frio na barriga, e agora os jovens estão rumando ao último santuário, muito embora ainda não saibam onde ele fica…
É impressão minha ou, ao fim do livro, Lemony Snicket sugeriu que a mãe deles pode estar viva?
Adoro como ele brinca com nossos sentimentos assim!
Livro excelente! Que sequência final eletrizante.

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