O Rapto do Garoto de Ouro (Marcos Rey)

Uma agenda verde e muitas entrevistas!

Responsável por dois dos meus livros favoritos na Série Vaga-Lume, “O Mistério do Cinco Estrelas” e “Sozinha no Mundo”, além de roteiros para a televisão como a excelente “Emília, Romeu e Julieta”, história da temporada de 1979 do “Sítio do Picapau Amarelo”, Marcos Rey é um dos autores que eu mais gosto de ler! Com uma escrita fluída e instigante, o autor sabe criar mistérios e envolver o leitor, espalhando pistas que vamos tentando desvendar junto com os personagens. “O Rapto do Garoto de Ouro” foi publicado originalmente em 1982, e traz de volta os personagens que acompanhamos em “O Mistério do Cinco Estrelas”, publicado um ano antes, como Leo, o bellboy do Emperor Park Hotel, Gino, seu primo enxadrista, e Ângela, sua “quase-namorada”.

Dessa vez, Marcos Rey ambienta sua história no Bexiga, o bairro de São Paulo em que Leo vive, e traz um pouquinho do mundo da música: Alfredo Carlucci, o “Garoto de Ouro”, é um rapaz que ficou famoso depois de participar de um programa de calouros e ir para a rádio, e agora está supostamente ganhando bastante dinheiro… quando ele se prepara para uma apresentação para família e amigos em uma cantina do bairro, no entanto, ele acaba sendo raptado e estabelece-se um prazo de poucos dias para que os Carlucci paguem a recompensa pedida de 10 milhões de cruzeiros, ou então “Alfredinho morrerá à meia-noite da segunda-feira”. Enquanto a polícia faz o seu trabalho, Leo e os demais empreendem sua própria investigação paralela.

Tudo começa porque Leo e Ângela são os que vão até a casa dos Carlucci para apressar Alfredo quando ele se atrasa para a apresentação, e percebem que ele não está ali e há indícios de que alguma coisa está errada: a janela aberta, a cadeira caída, a guitarra quebrada do Garoto de Ouro… e Leo descobre uma agenda verde com nomes de pessoas do bairro, que, ao não reconhecer a letra de Alfredo, ele acredita ter sido derrubada pela pessoa que o raptou. Assim, Gino coordena as operações e Leo, Ângela e Jaime, o homem responsável por “descobrir” Alfredo e grande amigo da família Carlucci (!), fazem entrevistas com cada um dos nomes que aparecem na agenda, na esperança de conseguir alguma pista que possa levá-los até o criminoso.

E é essa a estrutura de “O Rapto do Garoto de Ouro”: vamos acompanhando as entrevistas, um pouquinho de Alfredo em seu cativeiro e a chegada de mensagens do raptor (ou dos raptores). Preciso confessar que o livro é um pouco mais óbvio do que outras leituras que fiz de Marcos Rey, e parte de mim estava esperando alguma reviravolta e/ou surpresa, que não veio. Ainda que tenhamos “matado a charada” de quem é o sequestrador do Garoto de Ouro nas primeiras páginas do livro, no entanto, é bacana ver como uma série de pistas “falsas” vão trazendo novos “suspeitos”, e parece muito fácil incriminar várias pessoas do bairro… o autor conquista a curiosidade do leitor, portanto, fazendo com que nos perguntemos como é que essas peças se encaixam.

Afinal de contas, não é saber quem é o raptor!

Com as entrevistas conduzidas por Leo, Ângela e Jaime, conhecemos personagens/suspeitos como: Madame Santa, uma modista especializada em vestidos de noivas, que detesta a mãe de Alfredinho por algum motivo; Marino Bataglia, dono de um canil e um trambiqueiro de mão cheia; Enrico, o salsicheiro que supostamente foi convidado pelo criminoso para participar do rapto; Heitor Salvattore, o campeão de braço-de-ferro com um hematoma que pode ou não ter sido causado pela guitarra do Garoto de Ouro; Ricardo Tozzi, um “comilão” que não vai mais poder ganhar dinheiro com o seu peso; Laura Ferrucci, ex-Miss Bexiga que tenta cometer suicídio antes de ser interrogada; Zorba, o ex-marinheiro grego que persegue Leo e Ângela violentamente; e assim por diante.

“O Rapto do Garoto de Ouro” vai deixando cada vez mais claro que o verdadeiro culpado pelo sequestro de Alfredinho é, na verdade, o próprio Jaime, que se faz de amigo da família Carlucci e que é trazido por Gino para “ajudar nas investigações”. E, nessa posição em que ele se coloca, ele consegue visitar os nomes que poderiam saber de algo e entregá-lo, o que é muito inteligente, e ajudar o Seu Domingos, pai de Alfredo, a levantar o dinheiro “pedido pelos sequestradores”, como se estivesse apenas tentando acalmar a família que está desesperada com a possibilidade de Alfredinho ser morto à meia-noite da segunda-feira. E os demais personagens não se ajudam e quase todos têm algum segredo ou detalhe que os torna suspeitos…

As peças se encaixam, eventualmente, em uma cena no melhor estilo Agatha Christie. Depois de feitas as apostas, de Gino chegar a conclusões e de descobrirmos que a agenda verde era, na verdade, do pai de Alfredo e não do raptor, uma reunião na delegacia acaba trazendo toda a verdade à tona do mesmo jeito – às vezes uma pista falsa pode levar a uma pista verdadeira em uma investigação, e Gino é um enxadrista inteligente que chega à conclusão correta, mesmo com os erros iniciais (mais ou menos como em uma partida de xadrez da competição em que está participando, inteligentemente usada como simbologia e antecipação), e faz uma explicação clara e correta, como Hercule Poirot faria, ao concluir que Jaime é o sequestrador, no fim das contas.

“O Mistério do Cinco Estrelas” continua sendo o meu livro favorito de Marcos Rey na Série Vaga-Lume, mas foi ótimo acompanhar o retorno daqueles personagens em “O Rapto do Garoto de Ouro” (ainda que haja um quê de irresponsabilidade no fato de adolescentes tentarem assumir sozinhos uma investigação, descobrindo pistas e não as entregando à polícia até o último dia do prazo que pode custar a vida de outra pessoa!), e ainda os veremos de volta em mais dois livros da série: “Um Cadáver Ouve Rádio”, de 1983, e “Um Rosto no Computador”, de 2002. Ler os livros da Série Vaga-Lume é sempre uma diversão gostosa: uma coleção de livros que fez parte de minha história como leitor, e tenho certeza de que também fez parte da história de muita gente!

 

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