Conclave (2024)



“Certainty is the great enemy of unity. Certainty is the deadly enemy of tolerance. Even Christ was not certain at the end. ‘My God, my God, why have you forsaken me?’, he cried out in his agony at the ninth hour on the cross. Our faith is a living thing precisely because it walks hand-in-hand with doubt. If there was only certainty and no doubt, there would be no mystery. And therefore, no need for faith. Let us pray that God will grant us a Pope who doubts. And let Him grant us a Pope who sins and asks for forgiveness and who carries on”

 

Com direção de Edward Berger e roteiro de Peter Straughan, baseado no livro homônimo de Robert Harris, de 2016, “Conclave” é um dos maiores filmes de 2024 e início de 2025, que ganhou ainda mais visibilidade devido a dois acontecimentos recentes: 1) sua participação nos Oscars, onde recebeu o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado, além de ter sido indicado em outras 7 categorias, dentre elas a de “Melhor Filme”; e 2) a morte do Papa Francisco em abril, que tornou “Conclave” o filme mais assistido da plataforma de streaming na qual está disponível naquela semana. Com uma direção magnífica, brilhantes atuações e um roteiro instigante que é extremamente político e crítico, “Conclave” certamente merece toda a atenção recebida!

Como o título sugere, o filme se debruça sobre uma prática da Igreja Católica após a morte de um Papa: um Conclave realizado no Vaticano pelo Colégio de Cardeais, em isolamento, até que um novo Papa seja eleito como a maior autoridade da Igreja Católica. É um momento de tensão que o filme capta bem porque é inocência (ou mais do que inocência, ignorância) pensar que a escolha de um Papa não interfere na nossa vida. O filme é muito sincero ao não embelezar demais o Conclave e não apelar para um lado sentimental, porque esse é um momento profundamente político: os Cardeais estão quase em guerra por essa posição, e as crenças do Papa eleito podem significar progresso e garantir respeito ou pode significar um retrocesso sem tamanho.

É um momento inevitavelmente decisivo.

Acompanhamos o Conclave principalmente do ponto de vista do Cardeal Thomas Lawrence, brilhantemente interpretado por Ralph Fiennes, que, como decano, fica responsável por conduzir o Conclave e garantir a sua legalidade. E ele é um personagem delicioso de se acompanhar! Um personagem em dúvida, mas cuja dúvida o torna questionador, e que nos entrega um dos melhores textos escritos em sua homilia antes que a primeira votação se inicie… ali, ele fala sobre dúvidas e certezas, e sobre como é a certeza que é o oposto da tolerância. Seu discurso sobre como precisamos de um Papa que seja capaz de duvidar, de pecar e de pedir perdão é tão humano, mas pega quase todo mundo de surpresa… é o tipo de discurso e pensamento que esperamos de um líder religioso…

Um líder religioso de verdade, que leve em consideração os ensinamentos.

Eu amo, por sinal, como ele diz que nunca duvidou de Deus. Mas duvida da Igreja!

O Conclave propriamente dito dura alguns dias… é necessária uma vitória de 2/3 dos 108 votos dos Cardeais presentes para a eleição de um novo Papa, e enquanto esse número não for atingido, as votações seguem se repetindo, enquanto movimentos acontecem para tentar guiar a votação para um lado ou para outro. Para todos os efeitos, é uma campanha eleitoral. E tensa como tal. Alguns nomes estão à frente inicialmente, mas vemos uma mudança constante conforme nomes abaixo na lista recebem novos votos e, principalmente, conforme pessoas que lideravam votações anteriores perdem qualquer apoio por um motivo ou por outro… e é impressionante como “Conclave” nos deixa tensos, apreensivos e sem saber o que vem pela frente.

Como o jogo ainda pode virar.

Inicialmente, o Cardeal Joshua Adeyemi parece ter grandes chances de ganhar… ele seria o primeiro papa negro da história da Igreja Católica, mas ele é quase tão conservador quanto o Cardeal mais “temido” por Lawrence e aquele que ele apoia, Bellini, e ele acaba perdendo o apoio que vinha em uma crescente por causa de um pequeno escândalo com uma irmã. Depois, Tremblay parece ganhar força, mas Thomas Lawrence não é a favor de sua eleição porque existe a possibilidade de o antigo papa o ter destituído de sua posição no dia de sua morte… e, se o fez, existe um motivo… um motivo que eventualmente vem à tona e faz com que ele perca todo o apoio também. Bellini, com visões muito mais liberais, nunca consegue avançar de fato.

No fim, parece que o Cardeal Goffredo Tedesco é quem está fadado a vencer esse Conclave, e Thomas Lawrence pode ser a única pessoa a vencê-lo – ele passou o filme todo falando sobre não querer o papado e sobre como pretende renunciar ao fim do conclave, mas ele chega a votar em si mesmo em um momento no qual ele parece ser a única saída para impedir um papado extremamente conservador, que anularia todo o progresso conquistado nos últimos 60 anos. Curiosamente, ele não é a única “salvação” desse papado, conforme percebemos quando elementos externos começam a interferir na votação… isso porque o lugar onde está sendo realizado o Conclave é atacado, e esse é apenas um pequeno ataque frente ao que está acontecendo do lado de fora…

E é a reação ao que “está acontecendo do lado de fora” que define esse Conclave de uma vez por todas. É em um momento quase despretensioso, certamente sem planejar, que dois Cardeais mostram o seu instinto mais primitivo, mostram sem máscaras quem eles realmente são… e os demais devem escolher quem eles querem para liderar a Igreja nos próximos anos: eles querem Goffredo Tedesco e seu discurso sobre morte e destruição para deter o que está havendo do lado de fora ou eles querem Vincent Benitez e seu discurso sobre humanidade e sobre como eles têm sido homens mesquinhos que só pensam neles mesmos ali dentro? O discurso do Cardeal Vincent Benitez é exatamente o que se espera de uma pessoa religiosa como a figura do Papa.

Aí está a grande sacada do filme, no fim das contas… o Cardeal Vincent Benitez, que vence o Conclave e se torna o Papa Inocêncio IV, não é a escolha mais óbvia. Ele chegou depois dos demais, quase teve sua posição como Cardeal questionada, e Thomas Lawrence descobre um segredo a seu respeito que pode colocar o seu papado em risco, porque descobre que ele nasceu com um útero e ovários, mas se recusou a tirá-los porque acreditou que esse seria um pecado ainda maior: ir contra aquilo que Deus criou. Ele nasceu dessa maneira. Como decano responsável por esse Conclave, então, Lawrence escolhe não fazer nada a não ser conversar com Benitez, e é uma conversa que lhe entrega tudo o que ele precisa saber… e a certeza de que ele será um excelente Papa.

Por que eu digo que essa é a grande sacada do filme? Porque eu tenho certeza de que esse é um detalhe que pode incomodar conservadores que por ventura o estejam assistindo. Externar esse incômodo, no entanto, é escancarar a hipocrisia que reina em tantas religiões há tanto tempo… quantas pessoas seriam capazes de escolher Tedesco e um discurso armamentista, de guerra e destruição em troca da humanidade e da tolerância não só pregada, mas representada por Benitez? E o que haveria de religioso nessa escolha? “Conclave” consegue ser um suspense político perfeito, com uma crítica final inteligente que funciona justamente porque você não pode terminar o filme indiferente: e se você não acha que Benitez foi a melhor escolha para Papa, então talvez sua suposta religiosidade deva ser revista.

Um grande filme, daqueles que cumprem o dever da arte e incomodam.

Mas incomoda apenas àqueles marcados por sua hipocrisia.

 

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