O que é a ficção científica?


Definir o gênero ficção científica não é e nunca será um trabalho fácil – bem como produzir obras do gênero não deveria ser. Obras com essa temática devem levantar questionamentos e trabalhar em cima de narrativas complexas (não necessariamente difíceis de entender, que fique muito claro) que vão mexer com a nossa realidade de uma maneira ou de outra. Vide o grande exemplo de Matrix, que mexe com a nossa cabeça e nossas vidas, e se torna uma importante ferramenta para a Sociologia ao trabalhar, a partir dela, o que é realidade, ou mesmo como nós a vemos.
Muito se engana quem pensa que a ficção científica está desvinculada da realidade – muito pelo contrário. Ficções científicas tendem a serem ambientadas no futuro, tecnológicos ou não (depende da época de produção, evidentemente) ou em universos paralelos “diferentes” dos nossos. Mas é aí que está toda a jogada genial do gênero: ao utilizar-se de coisas que ainda não são reais para nós, em sua grande maioria, ela traz todas as teorias da ciência em ambientes nos quais isso poderia ser possível. É só notar as adaptações de obras de Philip K. Dick, ou seus próprios contos, onde coisas que pareciam tão distantes hoje são tão triviais.
E ele simplesmente inventou isso tudo?
Não, baseou-se em ciência avançada da época.
Mas muito mais importante do que isso, é notar como o gênero conversa com a nossa realidade, ou deveria conversar. Não são meras fantasias distantes longe de nós – ficções científicas são muito mais um olhar diferenciado em cima de nossas próprias realidades, com os recursos que o gênero permite usados para retratar nossa sociedade através de importantes símbolos. Há sempre paralelos importantíssimos que precisam ser levados em consideração ao analisar uma obra do gênero. A humanidade confinada em um mundo virtual vira robôs em Substitutos. O controle alheio sobre nossas vidas vira a Matrix. A corrida pelo dinheiro e pela vida vira um relógio biológico em In Time.
Ou ainda de maneira muito mais filosófica, as ficções científicas são usadas como interessantes meios de discussões de assuntos que são tão pertinentes e reais em nossa vida cotidiana. Que ótimo filme para trabalhar adoção e rejeição? A.I. Inteligência Artificial. E sobre as escolhas de sua vida e como isso influi em tudo o que acontecerá depois? Efeito Borboleta. Como o humano tornou-se descartável e uma mercadoria? A Ilha. Ou então entraremos em uma parte que eu realmente adoro nesse gênero: o questionamento da própria realidade, no qual um dos maiores mestres é meu adorado Philip K. Dick, capaz de em uma simples frase questionar todo o mundo. “Foi com ela que matei aquele homem em Marte que vocês me enviaram para liquidar”
Quanto aos filmes, é muito interessante ver como as coisas mudaram com o passar do tempo, e como cada época da história apresenta uma diferente visão de suas ficções científicas, com raras exceções. A década de 1950 trouxe monstros gigantescos que destruiriam toda a Terra. Nos anos seguintes até por volta dos 1980, houve um boom nas viagens no tempo, com produções como A Máquina do Tempo, De Volta Para o Futuro e Planeta dos Macacos. E muitas das melhores ficções científica estavam ali naquela época! Depois disso e uma pequena pausa, nas duas últimas décadas tivemos pretensiosas ficções científicas que têm, acima de tudo, o intuito de confrontar as ideologias atuais, o governo e a injustiça capitalista.
O que eu acho extremamente válido! Por exemplo, o novo Vingador do Futuro faz isso muito bem, e O Preço do Amanhã teve uma idéia fantástica de como materializar isso de maneira inovadora ainda que muito previsível. Mas a produção em massa de ficção científica, que lança pelo menos 2 ao ano, muitas vezes focaliza nas cenas desnecessárias de ação, recicla suas idéias e esquece a premissa básica da ficção científica: que ela deve ser inovadora e levar o telespectador a novas discussões. Quando foi a última vez que vimos algo tão revolucionário, chocante e que realmente redefiniu padrões como Matrix? Quando se pensou nisso antes?
E agora é um conceito tão arraigado.
Nota-se também que o estilo de produção mudou bastante na sua representação do futuro. Antes sempre um futuro repleto de carros voadores e muita cor, esse lado fantasioso foi cedendo lugar a um futuro mais cromatizado, monocromático e com tecnologias mais plausíveis e teoricamente possíveis. Nos últimos anos, no entanto, nota-se a grande difusão de produções pós-apocalípticas, como se a humanidade estivesse perdendo a esperança em seu futuro, mas ao mesmo tempo usando esse recurso para chamar a atenção, no presente, para as possíveis conseqüências das decisões tomadas agora. Lembro-me de Eu Sou a Lenda, um dos primeiros filmes que me lembro com a temática… depois são incontáveis.
Mas eu gostava mais quando ficção científica se tratava de filmes inteligentes e questionadores. Porque é por isso que esse gênero está aí: questionar a realidade e nos levar a algum tipo de reflexão. Como eu sempre digo: ficção científica de qualidade precisa nos deixar pensando por tempo. Muito tempo. Gerar interpretações, incitar opiniões, controvérsias… infelizmente, nos últimos anos, vimos a ficção científica passar por um deprimente processo de mercantilização, seu foco mudou… e ela deixou de ser tão revolucionária. Talvez tenha vindo junto com a moda de “ser nerd está na mora”. Afinal esse é um gênero muito pessoa nosso! Assim vemos auto-proclamadas ficções científicas como Elysium que te deixam pensando por quanto tempo mesmo?
Exatamente!
De maneira alguma poderemos generalizar, e sabemos que ficções científicas continuam sendo produzidas – mas infelizmente temos que ver três ou quatro delas para encontrar uma que entrará para a história. Algumas são meras reproduções de idéias já vendidas que não geram novas discussões, nem nos surpreende – portanto são assistidas e descartadas. Claro que, independente das tendências da época, alguns filmes destoam, e certamente serão esses que mais nos marcarão e que servirão como âncora para o tema em um determinado ano. Esses grandes nódulos, como A Origem, são o motivo que nos deixam seguir em frente adorando o gênero, ansiosos por uma nova produção surpreendente que vá nos deixar abismados. Esse ano estou apostando todas minhas fichas em Interstellar. Vamos ver…

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