O Pagamento


Tem como falar em ficção científica sem falar em Philip K. Dick? Na verdade eu me controlei, afinal eu adoro os livros e contos desse grande autor com uma visão incrível do gênero, mas como foquei em filmes, ao menos uma adaptação de sua obra precisava estar presente. Sendo baseado em um conto, assim como os outros filmes baseados em seus contos, a premissa é a mesma mas o desenvolvimento é um tanto quanto diferente. Nesse caso, o final foi bastante distinto daquele fascinante que vimos no conto, mas O Pagamento consegue oferecer um final diferente, digno e bem mais cinematográfico.
A premissa é quase a mesma, na verdade. Ou a maneira como ela é trabalhada. Michael Jennings é um especialista em engenharia reversa que trabalha para James Rethrick, e após cada um de seus trabalhos tem sua memória apagada – portanto ele não faz idéia de o que faz. Em uma proposta tentadora que pagará mais de 90 milhões de dólares, ele aceita um trabalho de 3 anos. No entanto, ao sair da empresa após esse tempo, com sua memória devidamente apagada, ele descobre que, semanas atrás, abriu mão de todo o pagamento em dinheiro em troca de um envelope com coisas simples e “banais”.
E o FBI está atrás dele, tentando retirar informações sobre o seu trabalho e o acusando de traição. A partir daí, então, ele começa a usar as coisas aparentemente sem sentido que estão dentro do envelope tanto para se livrar de ser preso como também para conseguir mais informações e desvendar os mistérios que envolvem esse documento assinado por ele – coisas nas quais o dinheiro não o ajudaria. Diferentemente do conto, que conta com bem menos objetos (e a maioria deles diferentes, como a faixa verde – que parece idiota mesmo para um filme), o filme tem um total de 20, tornando a história mais complexa.
Mas tudo é bastante cinematográfico, há uma série de explosões, de perseguições, que tornam o filme ágil e interessante – além daquele romance hollywoodiano que não poderia faltar. O que temos no filme é uma versão muito mais irônica do que essa; há a mulher, mas o romance é quase nulo. Philip K. Dick não escrevia seus contos com essa intenção. As motivações diferem do original, aqui sendo uma tentativa incessante de destruir a máquina, já que ele percebeu que fez coisas erradas, e a humanidade não precisava tê-la em seu poder.
A máquina consiste em um espelho do futuro. Acho difícil chamar a versão do filme de um pinçador, já que não há o mecanismo capaz de retirar coisas do futuro, o que me deixou meio desapontado. Mas com viagens no tempo sendo cientificamente impossíveis, o que temos é um mecanismo capaz de mostrar os acontecimentos futuros, através do qual Jennings soube o que estava para acontecer com ele, e com objetos simples conseguiu se precaver, além de garantir que a máquina fosse devidamente destruída ao final. Mas por que é tão importante que a máquina seja destruída?
O filme entra em méritos próprios e traz uma discussão interessantíssima sobre saber o futuro, não assim tão inovadora, mas sempre relevante – que saber o futuro não é relevante e não deveria acontecer. “If you show someone their future, they’ll have no future. You take away the mystery. You take away hope”. Amei essa discussão pertinente e ousada de como ao saber sobre o futuro alguém caminha exatamente para ela – ao prever uma guerra, a humanidade entra em uma para tentar evitá-la; ao prever uma praga, reúne-se todos os doentes em um mesmo lugar e cria-se essa praga. Então até que ponto temos o controle sobre nossos futuros?
O que, apesar de saber que é absurdamente diferente, faz com que eu me recorde de A Origem. Parece novamente a discussão de que uma idéia, quando plantada em nossa mente cresce e nos define, traçando o nosso futuro. Ou um pouco de O Vidente (também baseado em um conto de Philip K. Dick), que defende que o futuro deve ser um mistério – saber sobre nosso futuro faz com que percamos o controle sobre ele. Dick consegue nos fazer pensar em nossas vidas, e refletir através de seus personagens absurdamente humanos e seus questionamentos. Outra grande obra-prima do autor!

Curta nossa Página no Facebook: Parada Temporal


Comentários