Desencantada (Disenchanted, 2022)

“Wicked good!”

Eu tenho uma relação muito forte com “Encantada” – não é apenas um dos meus filmes de conforto (com uma trilha sonora impecável que nunca falha em colocar um sorriso no meu rosto), como também é um filme excelente: um conto de fadas moderno, usando de maneira inteligente referências e clichês dos contos de fadas clássicos para contar uma nova história, a história de Giselle de Andalasia, que acaba jogada em um mundo completamente diferente do seu e precisa aprender a se virar em Nova York… e repensar o seu “felizes para sempre”. Tudo funciona maravilhosamente bem em “Encantada”: da trilha sonora à atuação impecável, o filme tem força e carisma, o que o tornou, talvez, um dos filmes mais amados da Disney desde o seu lançamento em 2007… e, por isso, o anúncio de uma sequência gerou excitação e expectativa nos fãs.

“Desencantada”, lançado agora em 2022, 15 anos depois do filme original, traz de volta a magia de Andalasia e aqueles personagens por quem nos apaixonamos, em uma evolução de sua história, tentando explorar um pouco do que acontece depois do “felizes para sempre” – afinal de contas, antes de conhecer Robert, Giselle nunca precisou pensar sobre isso! Fazer uma sequência de “Encantada” nunca foi algo fácil: a história era fechadinha e, convenhamos, perfeita… um roteiro espetacular e inteligente que talvez nunca tenha precisado de uma sequência. Ainda assim, poder rever esses personagens tanto tempo depois não tem como ser uma coisa ruim. O filme tem um tom e uma proposta diferentes e provavelmente não receberá o mesmo carinho do filme original com o passar dos anos, mas funciona como uma sequência competente.

Amy Adams está simplesmente espetacular – ela era a alma de “Encantada”, no meio de tanta coisa encantadora, e segue sendo a alma de “Desencantada”. Com uma atuação tocante e um desafio inesperado, que é o de transformar Giselle em uma “vilã” (interpretar outra personagem que fosse uma vilã não seria tão difícil, mas interpretar a mesma doce e boa Giselle que conhecemos como vilã é um desafio e tanto, que ela tira de letra!), Amy Adams arrasa do começo ao fim… além disso, o filme é visualmente belíssimo e evoca a magia de Andalasia a partir das cores e dos cenários e figurinos exagerados… musicalmente (outro desafio para a sequência!), “Desencantada” talvez seja menos marcante que o primeiro filme, mas tem a mesma identidade musical, que reconhecemos como parte do mesmo universo, graças ao retorno dos compositores originais.

Muito tempo se passou desde o fim de “Encantada” para o início de “Desencantada” – 15 anos na vida real, 10 anos na história… e isso quer dizer, também, que a vida de Giselle mudou, e isso é algo que eu admiro e valorizo no roteiro de “Desencantada”, que não escolhe o caminho fácil de apenas tentar replicar o que foi feito em “Encantada”, que não cabia mais aqui, e se joga sem medo em direção ao futuro desses personagens: Morgan, agora, é uma adolescente, o que quer dizer que Giselle tem que lidar com novos desafios a todo momento (!), e Giselle e Robert tiveram mais uma filha, Sofia, que ainda é um bebê… e, em busca de tranquilidade e mais espaço no seu castelo, eles decidem se mudar para Monroeville, um lugar cujos anúncios sugestivamente prometem “uma vida de contos de fadas”. E é exatamente disso que Giselle está sentindo falta.

As coisas pareciam mais fáceis em Andalasia

O filme tem uma boa introdução, nos fazendo sentir o que Giselle está sentindo, para que entendamos o porquê de ela fazer um pedido que transforma todo o mundo ao seu redor – Morgan está infeliz por deixar Nova York e se mudar para um lugar onde não se sente em casa, e a relação entre as duas não parece a mais perfeita possível, e Giselle percebe que nada mais é como antes quando Morgan deixa de chamá-la de “mãe” e passa a chamá-la de “madrasta”, e diz isso a Robert quando ele tenta mandar que ela não responda Giselle… é tão forte e tão triste que eu senti o golpe em mim, por isso não julgo Giselle por usar a varinha de condão que foi um presente de Nancy e Edward, os Reis de Andalasia, para pedir por uma “vida de contos de fadas”. O que ela não pensou, no entanto, foi nas consequências desse pedido e que papel ela desempenharia em um conto de fadas…

Quando acorda na manhã seguinte, Giselle encontra um mundo totalmente diferente (“Fairytale Life”) – Monroeville se transformou em Monrolasia, com rainha (má) e tudo, e aquilo parece exatamente o que Giselle queria: todo mundo cantando, se preparando para um festival, dançando na rua… até Morgan e Robert estão cantando alegremente com os utensílios de cozinha, em uma sequência bem “A Bela e a Fera”. Seria perfeito, se Giselle também não fosse passar por uma transformação… afinal de contas, ela é a madrasta de Morgan, e madrastas em contos de fadas sempre são más. Esse é o conceito do filme, e eu acho essa ideia maravilhosa, uma sacada inteligente e inusitada que me pareceu promissora desde o primeiro trailer de “Desencantada”, e Amy Adams arrasa interpretando essas “duas versões” de Giselle, às vezes até disputando entre elas…

A maneira como ela se transforma em questão de segundos, e várias vezes!

Além da nostalgia gerada por causa da nossa relação com “Encantada”, “Desencantada” ainda brinca com os clássicos dos contos de fadas o tempo todo, e é divertido caçar referências, embora elas sejam mais descaradas (referências diretas a “Malévola”, “Cruella”, “Alice no País das Maravilhas” e “João e o Pé-de-Feijão” são adicionadas durante a letra de uma música, por exemplo) e gratuitas do que no filme original, em alguns momentos. Destaco a já mencionada cena do café-da-manhã depois do feitiço, que me fez pensar em “A Bela e a Fera”, a referência óbvia a “Cinderela”, marcada, inclusive, pelo figurino de Morgan, e a Rainha Má que faz perguntas a um espelho, como em “Branca de Neve”. Também há um quê do universo de “O Mágico de Oz” no fato de que uma parte do filme é um confronto entre duas rainhas/bruxas más.

Fora o pergaminho mágico, que me fez pensar MUITO no antigo assistente do Word.

Quando Giselle percebe o que está acontecendo com ela, mas não tem mais a varinha de condão para desfazer o pedido, ela envia Morgan para Andalasia em busca de ajuda, enquanto sua “transformação em madrasta má” dá passos significativos e ela é tomada pela ambição – e é uma das minhas sequências favoritas do filme! Tomada pela ambição e cada vez mais perto da meia-noite, quando os efeitos do feitiço se tornarão permanentes, Giselle se converte totalmente em uma “vilã”, querendo tomar o trono de Monrolasia de Malvina, e ambas sabem que não há espaço para duas vilãs em um conto de fadas… o confronto delas entrega A MELHOR SEQUÊNCIA MUSICAL DO FILME, de longe, com “Badder”: eu estou 100% apaixonado por essa música! A música é cativante e envolvente, tem uma letra incrível, coreografia divertida, e a entrega de Amy Adams e Maya Rudolph.

Funciona perfeitamente.

Sorri do início ao fim da música – e precisei assisti-la novamente assim que terminou.

Colocar Morgan em Andalasia também foi um recurso interessante, porque pudemos ver, ainda que por poucos minutos, um pouquinho do reino em desenho animado em 2D, que é por si só um visual nostálgico… e ela consegue a ajuda de que precisava: memórias são a magia mais poderosa do mundo, e é isso o que pode fazer com que Giselle se lembre de que, na verdade, ela é boa – e, então, ela poderá fazer o pedido certo antes da meia-noite e tudo voltará a ser como era antes… mais perfeito do que Morgan queria admitir, na verdade. Morgan também descobre que o pedido de Giselle está sugando toda a magia de Andalasia para manter o mundo de contos de fadas em Monrolasia, e se isso não for desfeito, Andalasia não poderá sobreviver, porque tudo lá é feito de magia… nem mesmo Giselle poderá sobreviver, porque também viera de lá.

“Desencantada” é, acima de tudo, um filme sobre a relação de Giselle e Morgan – e o poder que o amor delas têm, como Idina Menzel canta em “Love Power”. Aqui está outro elogio meu à sequência: “Encantada” era um romance lindo entre Giselle e Robert, e “Desencantada” não precisou mexer com isso para gerar história, então eles escolheram trilhar outro caminho que era perfeitamente pertinente… e a verdade é que as relações entre as pessoas sempre rendem as melhores histórias. Há muito amor entre Giselle e Morgan, sempre houve, mas as dificuldades que a família está enfrentando pode afastá-las, e Morgan tem, ainda que involuntariamente, um sentimento talvez de insuficiência agora que Giselle e Robert tiveram uma outra filha: ela sempre chamou Giselle de “mãe”, mas quando Nancy e Edward falaram sobre Sofia “ser uma verdadeira filha de Andalasia”, ela se lembrou de que Giselle era sua madrasta.

Mas o que torna alguém uma “filha verdadeira” se não o amor?

Por isso, o clímax de “Desencantada” é muito menos sobre o duelo de rainhas más durante o festival da cidade ou sobre Andalasia invadindo o mundo real ou mesmo sobre Robert e o “príncipe” de Morgan tentando impedir o relógio de dar as 12 badaladas… ele é sobre Morgan entender que Giselle a ama e que ela sempre será sua filha. Com Giselle fraca, porque tudo em Andalasia e de Andalasia está morrendo sem magia, ela diz a Morgan que ela é quem terá que fazer um novo pedido, e que funcionará: ela é uma verdadeira filha de Andalasia porque é sua filha. Aquele momento e aquela fala são imensamente EMOCIONANTES! Depois de pensar muito sobre o que exatamente deveria pedir, Morgan fecha os olhos e deseja “estar de volta em casa com a sua mãe” e ela consegue o que quer e talvez nem soubesse que queria lá no começo do filme…

Eu consigo reconhecer que “Desencantada” não tem a mesma força e o mesmo impacto que “Encantada”, mas um deles foi pensado como uma história fechada e teve anos para se tornar parte do imaginário popular e ganhar um status de clássico (que eu acho que já tem), e outro é uma sequência – e, na minha opinião, uma boa sequência. Além disso, ele mantém o espírito do filme original em seus personagens, além da alma de sua mensagem, que sempre teve a ver com amor e com como podemos encontrar a felicidade no “mundo real”… não é preciso viver em um conto de fadas para ter o seu “felizes para sempre”, seja ele como for, e a magia mais poderosa pode ser algo que está ao nosso alcance: o amor e as memórias que construímos com ele. É um filme vivo, um filme carismático, um filme emocionante e, sem dúvida, um bom retorno à magia de Andalasia.

 

Para a review de “Encantada”, clique aqui.

Para outros filmes, clique aqui.

 

Comentários

  1. Cadê as avaliações dos episódios 17 em diante da quinta temporada de Raven's Home?

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    1. Infelizmente, sem previsão para postá-las... Raven's Home é uma série que eu não vejo sozinho, então eu só posso vê-la com legenda, e no site em que eu baixava as legendas, ainda não está disponível para os episódios depois do hiatus. Estou aguardando.

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    2. Aqui https://taplink.cc/ravensymonebra tem até o episódio de sexta passada que teve a Tanya. Tudo legendado.

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    3. Fiquei animado, mas a legenda não está embutida no vídeo (testei), e a única legenda ainda disponível para download é a do Episódio 24. Do 17 ao 23 não estão mais.

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  2. Oi, lembra de mim? Sou o mesmo que tinha comentado no seu post de “A Favorita” kkkkkk então, vamos falar de Desencantada, um filme que eu gosto mas ao mesmo tempo não. Pra começar, sinto que focaram muito na parte dos contos de fadas que esqueceram do realismo e da frieza do mundo real, coisa que o primeiro filme abordou de forma bem séria e verdadeira. Robert era um advogado machucado pela vida, Morgan era uma menininha completamente abandonada pela mãe e ambos viviam numa cidade cheia de sofrimento, gente grosseira, falta de amor, empatia dentre tantas outras coisas. A única que trouxe um pouco de amor pra aquela cidade horrenda foi a Giselle, e isso com certeza me cativou. Giselle era a luz que iluminava aquela cidade escura e triste. Já na sequência, até mesmo a cidade de Monroeville parece meio “iluminada” e “Mágica” demais pra ser levada a sério. Malvina é exagerada demais pra ser uma “personagem que mora no mundo real” (diferente da Narissa que era uma rainha má dos contos de fadas que tem todo o direito de ser exagerada). Robert agora defende a Giselle com unhas e dentes e não faz nada além de ser um capacho da ex-princesa, inclusive a ponto de se colocar contra sua própria filha que tem razão desde o inicio. Acho que poderiam ter focado mais nos personagens que tanto amamos como o Robert, a Nancy e o Príncipe Edward, ao invés desses personagens novos que pouco me cativaram como a Malvina. Aliás, cadê o Nathaniel???? Precisava desses trilhões de musicas? Precisava focar tanto nisso ao invés de contar uma história sobre o sofrimento do mundo real? Afinal o nome da sequência é “Desencantada”, eu achei que seria mais focado no lado terrível e maldito da vida (Giselle tendo que lidar com depressao pôs parto por exemplo, ou tendo que lidar com falta de dinheiro). Mas não, tudo que temos é um filme 90% focado em musicas e personagens inéditos que não me descem. Pra mim a melhor parte do filme é o começo que é totalmente focado na realidade, inclusive abordando questões como rebeldia, tristeza, crise dês meia-idade. Enfim, tudo isso se perdeu em meio a musicas e personagens inéditos sem carisma. Pontos positivos: Amy Adams, Idina Menzel e James Marsden. Gabby Baldacchino também conseguiu me cativar como a Morgan. Patrick Dempsey coitado, dava pra ver no rosto dele o seu desanimo afinal o Robert não faz NADA nesse filme. Enfim, musicas? Legais porém em excesso. Kkkkkkk oq vc acha? Concorda comigo que eles poderiam ter focado mais no realismo do primeiro filme? Ou gostou dessa coisa “contos de fadas em excesso”?

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    1. Oi!!! Que bom que você está de volta! Vamos lá (acho que vai ficar um comentário grande)…

      Eu concordo que existe uma diferença de tom e que, de certa maneira, esse filme está mais “focado no conto de fadas”, mas ao mesmo tempo acho que esse é um contraponto interessante porque faz a Giselle pensar justamente no “mundo real” e no que ela quer e precisa para ser feliz, sabe? A maneira de contar história é diferente entre “Encantada” e “Desencantada”. O primeiro trazia uma princesa de conto de fadas para o mundo real e a fazia confrontar essa “nova realidade” e descobrir a beleza nela. Quando o segundo “foca mais em conto de fadas”, ele pode perder um pouco do seu impacto, mas também é perspicaz quando relembra que Giselle veio de lá e, portanto, quando as coisas não saem como o planejado no mundo real, ela acredita que “lá seria mais fácil”. E não é, no fim das contas, quando ela deseja sua vida de conto de fadas… acaba sendo novamente sobre o mundo real e sobre ela relembrar a beleza que existe aqui e escolher isso.

      Por sinal, acho que isso tem a ver com o título do filme, algo que você mencionou ali. “Encantada” se passa muito no mundo real e é Giselle quem traz esse encanto para aquela Nova York mais fria e grosseira. “Desencantada”, por sua vez, é justamente o oposto: temos Giselle desejando uma vida de conto de fadas e descobrindo o desencanto que também pode existir nela: a vida no conto de fadas tampouco é tão perfeita e fácil quanto ela achou que poderia ser, e por isso o “desencantada”.

      Sobre o tanto de músicas? Eu NUNCA vou reclamar de “músicas demais” em um filme, porque eu adoro musical HAHAHA

      Amy Adams estava INCRÍVEL (como era de se esperar), amo como ela retoma a Giselle, ainda reconhecemos a personagem, e como ela consegue a levar em outra direção ainda sendo a Giselle de Andalasia. Patrick Dempsey de fato estava “apagado”, parecia que não sabiam bem o que fazer com o personagem, até porque o foco desse segundo não é o romance, mas a relação de mãe e filha. Uma pena, porque Patrick estava lindo em sua roupa de príncipe. E James Marsden? Eu não reclamaria de mais James Marsden na minha tela haha

      Resumindo: eu gostei bastante. Não tanto quanto “Encantada”, que foi um marco, é um clássico, meio que redefiniu o gênero, foi ousado e único. Mas “Desencantada” também é um bom filme à sua maneira, e não me incomoda a questão do “conto de fadas”, porque ele é uma alegoria, no fim das contas. É como quando temos uma ficção científica que se passa em outro planeta, ou no futuro, mas diz mais sobre a nossa realidade e a nossa sociedade do que sobre outro planeta ou o futuro propriamente dito. No fim, “Desencantada” é sobre a relação familiar de Giselle e Morgan, e faz isso muito bem. Traz temas do mundo real (nada mais real que a relação problemática de “mãe” e “filha”), mas de uma maneira lúdica. Funciona para mim.

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