Fire Island: Orgulho & Sedução (Fire Island, 2022)

“We’re going to Fire Island. It’s like gay Disney World”

Eu não tinha ideia do QUANTO eu precisava dessa adaptação, e agora eu estou completamente extasiado e confiante de que eu acabei de assistir a um dos meus filmes favoritos de 2022. Dirigido por Andrew Ahn, “Fire Island” conta a história de um grupo de amigos gays que, anualmente, vão para a casa de uma amiga em Fire Island durante uma semana para curtir umas “férias gays”, com direito a muita festa, sexo e um pouco de drogas… dessa vez, no entanto, Noah está determinado a fazer com que Howie, seu melhor amigo mais tímido e romântico, se divirta e transe, e promete que não vai pensar nele mesmo até que consiga isso. “Fire Island” é uma celebração honesta e maravilhosa da comunidade gay, mostrando seu glamour e seu fascínio, bem como seu lado problemático, tudo no meio de muita diversão, um pouco de orgulho e inesperado romance.

A grande “surpresa”, talvez, da sinopse de “Fire Island” (como o título em português entrega já em um primeiro momento) é o fato de o filme ser uma adaptação do clássico romance de Jane Austen, “Orgulho e Preconceito” – e me desculpe, queridíssima adaptação de 2005 da qual eu gosto muito, mas você acaba de se tornar a minha segunda adaptação favorita de “Orgulho e Preconceito”. Os familiarizados com o romance de Jane Austen ou alguma boa adaptação reconhecerão facilmente personagens, situações e a própria estrutura da história como um todo, mas de uma maneira brilhantemente adaptada pelo roteiro e pela direção a um cenário contemporâneo e à comunidade gay em uma semana de diversão, drama e pegação em Fire Island. É uma adaptação de um livro de 1813: como eles podem ter mantido a essência, mudado o contexto e ser tão perfeito?!

Eu ainda estou em choque.

Porque é um filme sincero, crível, sem parecer forçado para remeter à obra… brilhante!

Toda a história se passa em uma semana em Fire Island, mas, como o próprio Noah e o Will comentam, parece que foi mais tempo – como se o tempo passasse diferente ali, porque ali é possível desenvolver sentimentos (e todo tipo de sentimento) em poucos dias. O filme é despojado, desinibido e com um senso de sarcasmo e ironia que quase o transformam em uma sátira da comunidade, com críticas ferrenhas feitas com bom-humor e cuidado, a partir da própria escalação, que debocha de uma frase problemática da comunidade gay (“No fats, no femmes, no Asians”), muito presente em aplicativos, ao trazer representatividade entre os seus protagonistas e trabalhar com esse elemento. Sério, cada pequeno detalhe de “Fire Island: Orgulho & Sedução” foi tão bem pensado que quanto mais eu penso sobre o filme, mais eu me apaixono.

Os personagens de “Fire Island” são um verdadeiro SUCESSO. Interpretados à perfeição e esbanjando carisma, é impossível não se apaixonar por eles desde os primeiros minutos de filme… e, a partir de então, estamos torcendo por eles, querendo que eles sejam felizes, que se divirtam, que eles amadureçam, que eles descubram coisas que não esperavam descobrir – Howie está prestes a descobrir um romance fofo de comédia romântica, do tipo que ele sempre sonhou viver, e Noah está prestes a se apaixonar pela última pessoa por quem esperaria se apaixonar. Noah, Howie, Luke, Keegan, Max e Erin são uma verdadeira família, do tipo que se ama, se diverte, briga, se protege – e eles rendem, continuamente, excelentes momentos, em um filme recheado de cenas divertidíssimas que também o tornam uma excelente e apaixonante comédia.

Noah, baseado em Elizabeth Bennet, está interessado em se divertir como faz todo ano: sexo sem compromisso, muita festa, nada de encontrar o “amor” ou qualquer coisa assim; mas isso depois de ele conseguir fazer o mesmo por Howie, baseado em Jane, e quando um homem bonito parece estar olhando para Howie durante uma festa, Noah acredita que o seu trabalho vai ser muito mais fácil do que pensara. Destaque, também, para Charlie, que é baseado em Charles Bingley, e consegue ser um “Sr. Bingley” igualmente sorridente, fofo e encantador – também com os seus mesmos problemas e capaz de fazer Howie sofrer, eventualmente… e o melhor amigo de Charlie é o sério e aparentemente rabugento e nada divertido Will, e aqui temos o nosso Sr. Darcy, que é aquele personagem por quem vamos aos poucos nos apaixonando a cada cena…

Ele sabe ser charmoso, no meio de tanta “rabugice”. Ele tem algo que nos atrai.

É difícil explicar.

O romance de Howie e Charlie, mesmo com o problema evidente que são seus melhores amigos, vai se desenrolando em uma série de pequenos momentos fofos… eu adoro o fato de Howie ser romântico e tímido, e de como Charlie tem um sorriso fácil e sincero no rosto que o torna encantador – mas Howie e Charlie são de “mundos diferentes”. Howie e a família de amigos são pobres e expansivos, enquanto o universo de Charlie (e eles descobrem isso assim que são convidados para uma festa na casa dele) é algo grandioso e muito menos convidativo, porque parece (e é) cheio de pessoas muito mais fúteis e condescendentes que se acham melhor do que todo mundo… e essa é justamente a primeira impressão que Noah guarda de Will: não basta ele ser sério e claramente nada bom em festas, ele também parece estar julgando Howie, Noah e os amigos…

São os pré-julgamentos que ambos fazem um do outro.

Particularmente, eu adoro o romance de Noah e Will – assim como eu adoro o romance de Elizabeth e do Sr. Darcy. É gostoso e fofo acompanhar Howie e Charlie, com certeza, mas esse romance mais “complicado” de Noah e Will, que vai evoluindo a cada cena é realmente impactante… cada interação deles é repleta de tensão, e o desejo acaba sendo reprimido pelo orgulho mútuo, e isso se transforma em um inusitado jogo de sedução que é algo empolgante, sinceramente. O “reencontro” deles no segundo dia em Fire Island, quando Noah vai buscar Howie, é uma cena e tanto (e convenhamos, a primeira visão do Will sem camisa é de tirar o fôlego), e o jantar na casa de Erin naquela noite, quando Will e Noah conversam sobre livros é uma das minhas cenas favoritas… Will não é lá muito bom em conversas, mesmo, mas ele estava mais atrativo que nunca naquela cena, em vários sentidos (Noah resume bem, dizendo que “está com raiva e com tesão ao mesmo tempo”).

Ah, e destaque para o Will perdidinho durante o jogo daquela noite! Adorável DEMAIS!

Estarei fadado a me apaixonar por todas as adaptações do Sr. Darcy?

Outra sequência maravilhosa (e uma verdadeira montanha-russa de emoções): A FESTA DA CUECA. Tanta coisa acontece nessa sequência que eu nem sei por onde começar… eu gosto muito da proximidade inesperada (e parcialmente causada pela multidão) de Noah e Will (a maneira como Noah coloca a mão na cintura de Will no meio da pista de dança e como há uma evidente tensão sexual no ar naquele momento), mas as coisas desandam graças a Cooper, o “amigo” mais babaca que Charlie poderia ter, e o próprio Dex, um cara muito gostoso que Noah conheceu, mas que Will tentou alertar que não é exatamente uma boa pessoa, embora Noah não tenha entendido bem o porquê, e tudo culmina em uma decepção amorosa para Howie (já que os amigos de Charlie trouxeram um ex seu para Fire Island e Charlie parece ter voltado com ele), e uma cena forte para Will e Noah.

A cena da briga na chuva é uma das cenas mais importantes para Will e Noah – e eu abri um sorriso ao me lembrar da adaptação de 2005 de “Orgulho e Preconceito” e como Elizabeth e o Sr. Darcy tiveram uma briga na chuva que também foi uma das melhores cenas do filme e um importante ponto de virada para toda a trama… ali, Will e Noah falam sobre os preconceitos que têm, e é tão impactante! Noah fala sobre como Will e os amigos “se acham melhor do que todo mundo”, e Will o acusa de estar fazendo um julgamento pesado de alguém que só conhece há três dias, e Noah aproveita para jogar na sua cara o julgamento que ele mesmo fizera umas três horas depois de conhecer ele e os amigos, porque ele ouviu a conversa dele com Charlie… e a verdade é que podemos ver que Will não acredita mais em nada do que dissera – mas dissera, não?

A carta que Will escreve para Noah é muito fofinha (adoro o Noah, mas como a própria Erin o está ajudando a entender, depois de uma briga dele com Howie, ele às vezes pode ser “demais”, e ele não precisa estar o tempo todo tentando “consertar” tudo para todo mundo), e me pegou completamente desprevenido a cena em que Will e Noah se reencontram depois da leitura da carta… sério, tem como não ficar completamente caidinho pelo Will naquela cena em que ele vê o Noah, joga a casquinha de sorvete fora e sai correndo desesperado?! Toda a sequência do bar também é MARAVILHOSA, com o Will dizendo que “pode ser divertido” e o Noah o fazendo provar – poderia ficar para sempre assistindo ao Will dançando, porque é uma mistura de constrangimento com verdadeira paixão… paradoxal, mas apaixonante, fiquei o tempo todo sorrindo feito um bobo.

E a conexão deles naquelas cenas na praia depois, lendo juntos…

COMO EU AMO ESSE CASAL.

Poderosos, embora não oficialmente um casal ainda, Noah e Will têm uma sequência perfeita, também, quando destroem juntos ao Dex, que, por sua vez, é baseado no inescrupuloso George Wickham. Em “Fire Island”, ele faz uma sex tape com Luke sem seu consentimento e o divulga na internet, e tanto Noah quanto Will estão dispostos a “matar” Dex – não tem como não AMAR a maneira como eles trabalham em equipe e como eles ACABAM com Dex, o ameaçando e o fazendo não só deletar o vídeo, mas apagar também o seu Instagram, que é extremamente problemático por si só… e, bem, eu entendo o Noah perfeitamente por ele ficar todo encantado com a maneira como o Will lida com a situação e como ele começa a falar como um advogado e tudo o mais, indo todo “Legalmente Loira” pra cima de Dex (e reagi exatamente como o Noah porque Will não conhece o filme!).

Se as coisas vão se ajeitando para Will e Noah, as coisas entre Howie e Charlie estão difíceis desde o retorno do ex de Charlie – e Howie está indo embora porque não aguenta ficar ali assistindo ao Charlie com o ex e fingir que está tudo bem, e eu o entendo perfeitamente. Mas é claro que Noah vai se meter, até porque essa é a grande chance de Charlie fazer alguma coisa e de Howie ganhar o seu grande gesto de comédia romântica com o qual ele sempre sonhou e que ele merece! Amo o fato de o Noah ir falar com o Charlie, mas amo mais ainda o fato de o Will ajudar o amigo a fazer “algo grande e estúpido” quando Charlie volta correndo por Howie e quase chega tarde demais… digna de uma comédia romântica clichê que eu adoro, toda a sequência da declaração de Charlie no deque é divertida, fofíssima e emocionante. Muito feliz por eles.

Então, é o momento de Will e Noah, sentados olhando para o pôr-do-sol, conversando sobre eles, sobre o futuro, sobre com o que sonham, sobre o que querem, mas não é nada daquilo que importa agora… ali, é hora de curtir o momento, e o que Will quer é dançar com Noah, como aquele casal mais velho que eles veem dançando ao pôr-do-sol. E eles dançam, e eles se beijam, E QUE BEIJO! Eu esperei TANTO por aquele beijo (tá bom, eu esperei 1h40min por aquele beijo, mas em Fire Island o tempo passa de maneira diferente, você sabe), e é SENSACIONAL como aquela cena passa uma sensação de conforto, de amor, de realização, e é para isso que assistimos à ficção… porque queremos sentir o que os personagens estão sentindo e, naquele momento, eu poderia ser tanto o Noah quanto o Will: eu estava sentindo o amor entre eles, eu estava tão feliz quanto eles estavam.

Intenso, belo, romântico, dramático, hilário, honesto, sensível… apaixonante. “Fire Island: Orgulho & Sedução” é um filme completo, com roteiro, direção e elenco perfeitos (com aprovação de 94% da crítica no Rotten Tomatoes, atualmente), e se sobressaindo ao ser tão bem-sucedido na missão de trazer um clássico do Século XIX como “Orgulho e Preconceito” para a atualidade, mudar o seu cenário e o seu contexto, e conseguir ser tanto uma adaptação competente na qual a história é percebida, quanto uma produção inovadora que em nenhum momento parece forçada ou amarrada a referências excessivas. Termino o filme com um sorriso no rosto, o coração quentinho, planejando quando eu vou assisti-lo novamente e todas as pessoas que farei ver comigo, e com a plena certeza de que ESSE É UM DOS MELHORES FILMES DO ANO.

Assistam! Esse filme PRECISA ser assistido!

 

Para reviews de outros FILMES, clique aqui.

 

Comentários