Sítio do Picapau Amarelo (1978) – O Outro Lado da Lua: Parte 1

O fim das férias de lagarto e a inauguração de um telescópio!

“Viagem ao Céu” sempre foi um dos meus livros favoritos do “Sítio do Picapau Amarelo”, e a temporada de 1978 a adapta, com algumas liberdades criativas, como a última história daquele ano: “O Outro Lado da Lua”. A história começa com o delicioso Mês das Férias de Lagarto, um mês inteirinho no qual o pessoal do Sítio de Dona Benta fica sem fazer nada – é uma época em que eles “apenas vivem e gozam o prazer de viver”, porque é algo que às vezes nos esquecemos de fazer enquanto estamos ocupados fazendo uma série de outras coisas, do trabalho e da escola, por exemplo… Dona Benta explica como “vivemos, mas sem viver o prazer da vida”, e é por isso que o pessoal do Sítio do Picapau Amarelo gosta de tirar uma folga de tudo – quer dizer, o pessoal menos a Emília, porque “nem todos no sítio aturam essas férias de lagarto por muito tempo”.

A bonequinha de pano, impaciente, não aguenta ficar mais do que dois dias sem “fazer alguma coisa” – “Estou deslagarteando, não aguento mais tanto lagarteamento”. Emília desperta das férias e, não satisfeita, sai “acordando” todo mundo também… manda a Tia Nastácia ir para a cozinha preparar uns bolinhos “porque o pessoal vai acordar com fome”, e então começa a atazanar todo mundo… ela acorda o Pedrinho, que estava lendo um livro de viagem interplanetária, e fica animada com a ideia de “astronáuticos”, como ela diz, o que desperta a curiosidade de Pedrinho que, por sua vez, vai acordar a Narizinho… Emília não descansa até que todo mundo esteja desperto: “E eu não quero ninguém no mundo da luz. Aliás… pelo contrário. Quero sim. Eu quero todo mundo no mundo da lua”. Acabaram-se as férias e ninguém pode voltar a elas – Emília deixou todo mundo curioso.

“É isso aí, pessoal, é assim que eu gosto: todo mundo em atividade!”

Sempre gosto demais de como o “Sítio do Picapau Amarelo” pode ser didático sem deixar de ser encantador. “O Outro Lado da Lua”, assim como o livro de “Viagem ao Céu”, é cheia de informações interessantes e eu adoro toda essa construção da temática que antecede a viagem literal ao outro lado da lua… quando o pessoal começa a conversar sobre a lua e outros astros, Tia Nastácia faz um comentário sobre o dragão de São Jorge, por exemplo, dizendo que “o santo mora lá”, mas Pedrinho e Narizinho dizem que isso é apenas uma lenda, e chegam a comentar sobre como a humanidade chegou à lua em 1969, mas ninguém viu nenhum santo ou dragão por lá. Tio Barnabé defende a Tia Nastácia e diz que, em noite de lua cheia, “cansou de ver o santo espetando a lança na barriga do dragão”, mas tem ali uma certa batalha entre lendas e ciência.

Dona Benta e Visconde são as vozes da ciência dentro do “Sítio do Picapau Amarelo”, e é uma delícia ouvi-los fazendo seus serões. Os dois falam sobre a lua, sobre os diferentes nomes que diferentes culturas deram a ela, e sobre as histórias criadas a seu respeito, e Pedrinho diz que “se não fosse pelos astronautas, eles não saberiam a verdade”, mas Dona Benta o corrige, falando sobre quem veio muito antes dos astronautas: os astrônomos, como Galileu Galilei, por exemplo. O texto flui brilhantemente e poderíamos passar os 20 capítulos só ouvindo essas histórias e explicações. Pedrinho e Visconde falam sobre grandes cientistas que descobriram e provaram coisas; Tio Barnabé conta lendas que os indígenas contavam sobre o sol e a lua; Dona Benta, Narizinho e Emília entram em astrologia e signos… tudo é bastante informativo e gostoso de se acompanhar.

Mas o pessoal quer colocar a mão na massa.

As crianças pensam em fazer um telescópio para poder observar o céu com mais atenção, e Emília propõe a ideia de eles irem para a lua – inclusive, Narizinho quer levar a Tia Nastácia com eles, porque “ela sempre quis conhecer o São Jorge”, e ainda que acreditem que a lua não tem São Jorge coisa nenhuma, pelo menos eles podem levar a Tia Nastácia para ela constatar isso com os próprios olhos e então ela não vai ficar triste por terem ido sem ela. Antes da viagem, no entanto, Emília usa o seu Faz-de-Conta para organizar uma reunião de astrônomos de diferentes épocas e diferentes nacionalidades no Sítio do Picapau Amarelo… temos Ptolomeu, por exemplo, e outros grandes astrônomos e cientistas, como Kepler, Copérnico, Galileu e Isaac Newton… e é claro que o encontro e a interação desses cientistas todos gera uma sequência de diálogos brilhantes.

Dona Benta fica fascinada com as visitas, e é ela quem conta que eles estão em seu sítio, no século XX, e os convida a entrar para conversar. A dinâmica entre os astrônomos é caótica e bizarramente divertida. Ptolomeu, por exemplo, que veio lá do século II, tem crenças bastante atrasadas e acha que “ele descobriu e explicou tudo”, dizendo que não havia mais nada a ser descoberto… Copérnico, no entanto, rebate: “Que pretensioso! Eu que vivi no século XVI desmenti todas as suas teorias e provei que a Terra é que gira em torno do sol”. Ptolomeu, defensor do geocentrismo, se levanta da mesa para gritar: “Mentira! É falso! É falso!”, e eu adoro como o “Sítio do Picapau Amarelo” consegue trazer cenas como essa, e como funciona genialmente… o Visconde de Sabugosa, enquanto isso, assiste à discussão da janela, completamente fascinado.

Felizmente, Dona Benta é sábia e paciente, então ela diz que quer ouvir a todos, e pede que eles falem em ordem cronológica – por isso, Ptolomeu é o primeiro a falar sobre suas ideias; sua crença de que o sol girava em torno da Terra teve grande influência durante toda a Idade Média. Foi Copérnico, muitos séculos depois, quem desmentiu isso, e seus estudos serviram como base para a astronomia moderna como eles a conhecem agora. Ainda ouvimos Giordano Bruno falar, Galileu Galilei, e falamos sobre a criação do telescópio, sobre a descoberta da Via Láctea, sobre a lua… sobre como Galileu Galilei tentou provar que era a Terra que se movia e ele foi preso “por contrariar as ideias da Bíblia”, então teve que desmentir tudo e jurar que estava enganado para que pudesse ser solto e continuar com os seus trabalhos, que foram muito importantes para a humanidade.

Eventualmente, Dona Benta apresenta os astrônomos aos seus netos, e Emília entra na história sempre maravilhosa, e destaco dois momentos: um deles é quando ela fala “crocotó” pela primeira vez, algo que me marcou e me divertiu bastante na leitura de “Viagem ao Céu”, e ela tem uma ótima cena com Galileu Galilei, explicando o que seria um crocotó (usando o exemplo do nariz, dizendo que só se chama “nariz” porque já foi nomeado, mas se ninguém tivesse dado um nome a ele, seria um “crocotó”); outro é quando Emília, levemente incomodada, pergunta aos cientistas sobre as astrônomas, e por que só tem homens ali. Mas ela decide que vai ser a primeira astrônoma, e que ela irá para a lua para fazer novas descobertas – como ela dissera antes: ela queria conhecer essas pessoas que descobriram o céu porque, agora, “quem vai cuidar do céu é ela”.

Ainda antes da viagem ao céu, o pessoal do Sítio quer terminar o telescópio que começaram e querem fazer uma grande inauguração para ele – afinal de contas, Galileu Galilei foi o inventor do telescópio e ele está ali no Sítio de Dona Benta! Visconde se anima, as crianças também, e quando Visconde diz que “quer fazer uns últimos ajustes no telescópio antes da inauguração”, Galileu se oferece para ajudar, e Visconde fica todo lisonjeado… é uma graça! É um grande evento a tal inauguração do telescópio, e eu acho tudo absolutamente fofo, porque tem uma cara de “brincadeira inocente de criança”, ao mesmo tempo em que é pomposo e importante. Visconde faz um discurso bonito (com a Emília impaciente o interrompendo: “Os obstáculos já estão enfrentados, agora inaugure o telescópio!”), Galileu Galilei também diz umas palavras, e então o primeiro telescópio do Sítio do Picapau Amarelo é inaugurado

Uma sequência e tanto!!!

 

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