Além da Ilusão – O protesto de Olivia

“O pai da Olivia… é ele”

A tentativa de Poggi de “redimir” Matías é verdadeiramente problemática – e, infelizmente, esse não é o único problema no texto de “Além da Ilusão”, embora seja, atualmente, um dos principais. Tentar fazer com que Heloísa tenha uma dívida de gratidão com Matías me parece distorcido e doentio demais para aguentar, sinceramente! Quando Tenório foi preso por espalhar cartazes que pregavam a liberdade e, consequentemente, eram contra as leis do país naquela época, Olivia, inconformada, resolveu organizar uma manifestação pela soltura de Tenório e de outros presos políticos… uma luta justa, pela liberdade de expressão e contra a ditadura e a censura, que reúne um grupo considerável de pessoas que estão marchando, gritando e carregando cartazes em um protesto civilizado e pacífico que termina em confusão e uma quase fatalidade.

Lembra quando eu disse que a redenção de Matías não é o único problema do texto de “Além da Ilusão”? Nem vou ter a oportunidade de falar sobre os problemas que envolvem o núcleo principal nesse momento, mas algo me incomodou profundamente em toda a sequência do protesto. O protesto era justo, idealmente pacífico, e ficamos revoltados com os policiais e com o delegado querendo barrar a manifestação chamando todos de “desordeiros” e rasgando o panfleto que Olivia entrega para ele… agora, eu pergunto: qual era a necessidade de alguém jogar uma pedra nos policiais? O que a autora queria com isso? Infelizmente, vivemos em momentos sombrios em que pessoas que lutam por seus direitos ainda são vistas como “desordeiras”, e essa pedra, com os manifestantes iniciando a violência, talvez reforce isso ao espectador leigo…

E, na realidade, sabemos que é a polícia quem adora apelar para a violência.

Ninguém parece problematizar o lance da pedra, e a autora foi conservadora o suficiente para querer deixar a polícia como certa, não sendo quem inicia os ataques (QUE ABSURDO!), e então o caos se instala para que Olivia leve um tiro… o momento em que Olivia cai, atordoada e, depois, desacordado, e que Fátima e Heloísa gritam em dor pela filha atingida é um momento forte. Matías, balbuciando “Outra filha, não!”, levanta Olivia nos braços e a leva para o hospital, e toda a família a segue. Antes de ir, no entanto, Heloísa tem um momento muito bom (afinal de contas, mesmo quando o texto quer acabar com ela, Paloma Duarte arranca momentos incríveis, porque ela é incrível!) no qual grita com o delegado. O problema de tudo, para mim, é que a discussão da manifestação é boa e pertinente, as possibilidades eram promissoras, os personagens eram bons…

Mas o texto de Poggi realmente não favorece a discussão.

Durante a cirurgia, Olivia acaba perdendo muito sangue e ela precisa de um doador, de preferência um parente direto, e como Heloísa está grávida e não pode doar sangue, Matías vem à frente e diz que ele é o pai de sangue de Olivia e pode doar… e percebemos que a revelação está aí! Inicialmente, Violeta manda ele parar com essa história agora, mas Matías insiste e a manda perguntar, então, para Heloísa, porque duvida que ela vá querer arriscar a vida de sua filha para manter esse segredo e, chorando, Heloísa diz ao médico que Matías pode doar sangue a Olivia… ele é mesmo seu pai. Então, vemos o choque e a raiva tomarem conta da expressão de Violeta, enquanto, desesperada, Heloísa chora e implora para que Violeta espere Olivia sair da cirurgia para julgá-la… nesse momento, Olivia é o mais importante, mas ela vai “explicar tudo” depois.

E as cenas foram angustiantes de se assistir… e por motivos errados. Todo o segredo e toda a dor de Heloísa eram válidos, e gerariam um drama excelente, mas são conduzidos de forma irresponsável pelo texto, que na tentativa insana de redimir Matías, tenta minimizar o abuso sofrido por Heloísa. Não acho que a raiva inicial de Violeta seja de toda infundada, porque é algo do momento, mas acredito que, passado o choque, o sensato seria que Violeta entendesse que o que aconteceu não foi uma traição de Heloísa: ela era uma garota e foi seduzida/abusada. Me dói muito saber tudo o que Heloísa sofreu, sendo seduzida por Matías, sendo ameaçada durante a gravidez, tendo sua filha roubada dos seus braços, passando uma vida sentindo-se culpada por ter “traído” a irmã, quando, na verdade, ela era uma vítima… eu queria abraçar a Heloísa e dizer que tudo vai ficar bem.

A tentativa de redimir Matías é, no momento, um dos piores problemas (entre tantos) de “Além da Ilusão”. Depois de anos desprezando Matías (sentindo nojo e medo dele), a autora força uma cena na qual Heloísa agradece Matías e diz que seu gesto foi “nobre e generoso”, e eu fiquei deveras incomodado assistindo àquilo. Também é triste acompanhar a “aproximação” de Matías e Olivia, algo que me incomodou desde o início, e aquela tentativa de fazer uma cena “emocionante” quando Matías vai ao quarto de Olivia e pergunta se “ela já sabe da novidade”, e ela diz que já sabia que ele era seu pai, e que “não vai julgá-lo porque ele abriu mão do seu segredo para salvá-la”. Já comentei em outras ocasiões: eu acho que a atuação de todo esse núcleo é excelente… Paloma Duarte, Antonio Calloni e Débora Ozório entregam atuações impecáveis.

Mas o texto…

 

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