[Series Finale] His Dark Materials 3x08 – The Botanic Garden

“Every atom of me and every atom of you”

Poucas vezes na vida temos a oportunidade de entrar em contato com uma história tão grande e tão poderosa quanto a de “Fronteiras do Universo”. Ao ler “A Luneta Âmbar”, por exemplo, e conhecer o mundo dos mulefas, a aventura de Mary Malone, o amor de Will e Lyra que é capaz de salvar o mundo, eu senti que estava diante de uma das maiores obras que a literatura já viu, em toda sua beleza, sua profundidade, sua criticidade, sua filosofia… seu equilíbrio perfeito entre o que é tão grande e o que é tão “simples” que às vezes negligenciamos. “His Dark Materials” chega ao fim com “The Botanic Garden”, entregando um episódio igualmente lindo, completo e poderoso. Exatamente o tipo de adaptação precisa, sincera e cuidadosa que os livros de Philip Pullman mereciam.

Que bom que esta história está no mundo! Que alegria poder vivenciá-la novamente!

Esse é, sem dúvida, o meu episódio favorito de “His Dark Materials”, especialmente porque ele evidencia, para quem ainda não tinha entendido, o que realmente importa nessa história, e é muito mais do que a República do Lorde Asriel ou a guerra contra a Autoridade… era muito mais íntimo do que isso, muito mais pessoal, e o encontro de Will e Lyra com Mary Malone, no mundo praticamente perfeito dos mulefas, proporciona isso. Cada momento é belo, intenso, claramente importante, e é uma construção belíssima de uma conclusão melancólica que não falha em nos deixar com lágrimas nos olhos. Vivemos tanto ao lado desses personagens que, agora, parecemos sentir a dor deles quando, depois de terem descoberto o amor, eles precisam se separar.

Adoro o primeiro contato de Will e Lyra com o mundo dos mulefas – e como eles percebem rapidamente, assim como nós, como aquele parece o mundo ideal. Mary Malone teve a oportunidade de passar meses ali, de conhecer os mulefas, de fazer amizade com Atal e aprender mais sobre eles, de estudar e fazer descobertas muito maiores em meses do que as que fizera em anos no seu próprio mundo… ali, Mary Malone está realizada. Atal é quem encontra Will e Lyra e os chama para segui-la, para levá-los até Mary, e é um momento breve e tão bonito para os fãs dos livros, porque é um prazer podermos ver os mulefas andando sobre as rodinhas novamente… além disso, a conexão que existe no reencontro de Mary com Lyra é muito bonita.

Em outras ocasiões (sempre que tive a oportunidade, na verdade), eu falei sobre como o mundo dos mulefas e a “aventura” de Mary Malone teriam rendido um excelente episódio inteiramente centrado nesse ponto da história – e essa conclusão de “His Dark Materials”, que é quase isso já que tudo culmina ali, é a prova do que eu dizia… o trio formado por Mary, Will e Lyra é uma das dinâmicas mais interessantes da ficção, e eu adoro o fato de que tudo acontece e a profecia se cumpra sem que haja um grande alarde: é como a própria Mary Malone vai dizer mais tarde, quando Xaphania vier lhe dizer que “a sua missão está cumprida” (a Mary dizendo que não está pronta para ir embora partiu meu coração, porque a entendo demais)… é algo aparentemente “tão simples”.

A missão de Mary acontece em dois momentos. Primeiro, quando ela mostra a “luneta” para Will e Lyra e eles conversam sobre o Pó/Sraf, e o roteiro reforça como o Pó não é o “pecado”, como o Magistério prega, mas a consciência… o que permite que existamos, que tenhamos sonhos, pensamentos, criatividade. Pó/Sraf é VIDA. Depois, em uma das minhas cenas favoritas do livro, e que foi transposta para a tela com uma conversa de Mary com Will e Lyra sobre o seu passado e como e por que ela deixou de ser freira… há tanta verdade e tanto sentimento na história de Mary (e eu adorei que a série colocou a pessoa que lhe ofereceu doce como uma mulher), e é um momento importante no qual ela incentiva os jovens a se abrirem para o amor, para o novo, para o que a vida tem a oferecer…

E é o que Will e Lyra fazem.

Will e Lyra estavam se apaixonando há muito tempo, mas é como se, naquele momento, eles conseguissem entender os seus próprios sentimentos, com a ajuda de Mary. Durante a sua história, Will e Lyra trocam olhares porque entendem que o que Mary sentiu naquele momento, aquelas possibilidades todas, é o mesmo que eles sentem quando estão juntos, que sentem um pelo outro… então, quando eles saem sozinhos para “procurar seus daemons” e se veem de volta no lago em que tomaram banho quando chegaram, a tensão entre eles é tão grande, o desejo de estarem juntos, de serem mais próximos um do outro. E, quando eles se beijam, o Sraf é atraído para eles e eles retornam brilhando mais do que nunca… e parece que, em parte, aquele mundo está a salvo.

A profecia se cumpriu.

 

“The love of Eve shall heal the Earth, and all the world shall feel it. Nature will be restored. Hope will spark in darkness. As innocence turns to experience, all will be in harmony once more”

 

Gosto de como “Fronteiras do Universo” sempre foi uma crítica muito sincera à igreja como instituição – e, nessa terceira temporada, isso é muito representado na figura do Padre Gomez. Philip Pullman não vilaniza a Autoridade propriamente dita, apesar da missão de Lorde Asriel, mas o Magistério e todos os demais que fazem coisas em Seu nome. O discurso do Padre Gomez pouco antes de sua morte, quando ele tenta matar Lyra/Eva para “impedir que ela traga o pecado para o mundo”, é o que já ouvimos de representantes religiosos em diferentes situações. E o discurso inspirado de Balthamos sobre como eles não estão do mesmo lado é muito lindo – ele fala sobre como o amor toma muitas diferentes formas, todas lindas, todas valiosas, e eles que julgam só estão com medo…

É MUITO BOM! É MUITO FORTE! É MUITO AMPLO!

Na manhã seguinte, depois de Will e Lyra terem conhecido o amor, a felicidade e estarem sonhando com o seu futuro juntos, com poder ir para qualquer lugar que quiserem, eles são surpreendidos com uma notícia boa e uma notícia ruim. A boa é que os seus daemons estão ali, e estão prontos para perdoá-los. Temos um reencontro emocionante de Lyra e Pantalaimon, no qual ele parece ainda meio receoso, mas eventualmente se joga nos braços de Lyra, como quer fazer há tanto tempo; e também temos o momento em que Will seu próprio daemon pela primeira vez, Kirjava, como nomeado por Serafina Pekkala, e é lindo… e há algo muito especial que é notado pelos fãs dos livros: o fato de Will acariciar Pan enquanto Lyra acaricia Kirjava… isso é um nível de intimidade grandiosíssimo.

A segunda notícia, no entanto, os destrói: eles descobrem que não poderão ficar juntos. A descoberta do amor atraiu Pó de volta para o mundo, mas isso por si só não será o suficiente para manter o mundo seguro por muito tempo… as diferentes janelas abertas pela faca fazem com que o fluxo aumente e o Pó se esvaia, e cada nova abertura gera um mal, como os Espectros que conhecemos em Cittágàze, por isso Will terá que deixar de usar a faca, de agora em diante, para que o mundo esteja em segurança e o Pó continue ali. Lyra parece desesperada com a possibilidade de terem que escolher um mundo, mas Will sabe que é ainda pior que isso, pela conversa que tivera com o pai na Terra dos Mortos: eles não podem viver muito tempo num mundo que não é o seu…

Então, eles terão que voltar cada um para o seu mundo.

Parece tão injusto, tão revoltante, tão triste… e Lyra faz esse papel. A sua angústia estampada no seu rosto enquanto ela clama para que Serafina, como feiticeira, lhe dê uma solução para que eles possam ficar juntos… não é justo que eles precisem se separar depois de tudo isso! Aos poucos, no entanto, eles vão percebendo que não há nada que eles podem fazer, e se existe alguma mudança no mundo que vai gerar mais Pó e, consequentemente, permitir que uma única janela permaneça aberta, eles sabem qual é a janela que precisa seguir existindo: a janela da Terra dos Mortos, para que os fantasmas possam sair por ali e voltar para o mundo vivo, voltar a fazer parte daquilo que deixaram para trás… eles sabem que o seu sacrifício é a única maneira.

É tão doloroso – tão sincero, tão forte e tão doloroso. A despedida de Will e Lyra é um dos diálogos mais dilacerantes e mais belos já escritos. Eles sabem que se amam, que vão se amar para sempre, e que não querem estar separados, mas que precisam… há tanta emoção na atuação de Dafne quando ela entrega aquela fala sobre como viverão vidas inteiras em seus próprios mundos e, ao morrerem, contarão para Asas da Bondade suas histórias e retornarão para aquele mundo, passando pela janela que continuará aberta… e, ali, eles se reencontrarão, cada átomo dela e cada átomo dele, juntos para sempre. É DE ARREPIAR. Eles se abraçam, eles sofrem, eles deixam que a dor flua através de lágrimas, e eles estão tão inteiros um com o outro naquele momento que é impossível não sentir com eles.

E, então, eles se despedem de tudo… Will abre mais uma janela, para a Oxford de Lyra, e eles se sentam juntos novamente em um banco no Jardim Botânico perto da universidade, e fazem um acordo: eles vão se permitir viver, eles vão ser gentis com as novas pessoas que conhecerem, se conhecerem alguém, mas eles retornarão até aquele jardim e àquele banco uma vez ao ano, durante uma hora, para que eles possam estar juntos… ela no seu mundo, e ele no dele. E então se despedem oficialmente, com Will abrindo uma nova janela para o seu próprio mundo – um último olhar, um último beijo através da abertura, lágrimas nos olhos, um dizendo o nome do outro e ouvindo a voz do outro pela última vez até que a janela seja fechada e eles estejam oficialmente separados.

Tão perto e tão longe.

Will tem uma casa para onde voltar, tem a mãe que espera por ele, tem a Mary Malone… Lyra tem o Pan e tem a sua Oxford, mas ela está mais sozinha do que nunca. “His Dark Materials” tem uma história lindíssima e poderosa, um final também muito bonito, mas é tão melancólico que eu termino com o meu coração apertado, conforme o tempo passa e, ano após ano, Will e Lyra cumprem a promessa e se “reencontram” ali, naquele banco do Jardim Botânico, em uma das cenas mais lindas de toda a série. São tantos momentos importantes e tocantes nesse Series Finale que eu sinto que poderia continuar escrevendo para sempre, e provavelmente eu sentiria, ainda, que não é o suficiente. Mas deixo registrado meu amor e minha admiração por essa história e por essa adaptação.

Será que um dia vem aí “O Livro das Sombras”?

Há pequenos indícios, como aquela citação à próxima “grande aventura” de Lyra e Pan.

Vamos aguardar.

 

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