Vale o Piloto? – Altered Carbon 1x01 – Out of the Past


“Your body is not who you are”
Sou um apaixonado pelo gênero. Para mim, a ficção científica é tão cheia de possibilidades, e ela precisa ser bem explorada. Uma vez que a seja, ela se utiliza de novums como universos paralelos, viagem no tempo e, no caso de “Altered Carbon”, “capas”, para construir um mundo simbólico tão próximo de nossa realidade que reflete temas presentes, reais e perturbadores. É a premissa básica de “Black Mirror”, não é? Amei “Altered Carbon” do início ao fim e absolutamente em todos os sentidos. Gostei dos atores, gostei da forma como a história está inicialmente organizada, gostei da clareza com que o básico foi apresentado, gostei da fotografia… em parte, pensei muito em “Blade Runner”, um pouco também em “A. I.: Inteligência Artificial”, em termos visuais, e já é apaixonante e nostálgico como a série remonta a clássicos do gênero dos anos 1980 e 1990.
Além disso, a série tem todo um questionamento filosófico e uma crítica social forte. É muito bem estruturada, e eu ainda só estou comentando o primeiro episódio. Ah, e esse lance todo de mistério e suspense muito me encanta… a introdução nos mostra a antiga “capa” de Kovacs, e uma fala que ressalta como “nem tudo é o que parece” e que “o seu corpo não é quem você é”, apresentando a premissa de “Altered Carbon” de forma eficaz, especialmente quando a antiga capa de Takeshi Kovacs é assassinada (brutalmente) e ele desperta, 250 anos depois, no corpo de Joel Kinnaman (e que corpo, diga-se de passagem! Wow!). Tudo me levou a uma série de reflexões, a respeito da coisificação do ser, por exemplo, enquanto eu tentava entender a conexão da morte traumatizante com um despertar descontrolado. Tudo é um tantinho perturbador though.
“Coming back from the dead is a bitch. Every single time”
Há muita precisão na construção desse universo, onde a questão das “capas” é tão naturalizada, embora pareça desconcertante para nós – e essa própria afirmação é paradoxal, porque parece “desconcertante”, mas ao mesmo tempo tão próximo do real, do desejo humano pela imortalidade. E isso é conseguido de que forma? Através da exploração, da coisificação, da separação de classes. Mas chegaremos lá. O que importa, nesse momento, é o cenário das “capas” de prisioneiros, os “Mundos Colonizados” e a angústia perturbadora enquanto explicam com naturalidade a respeito dos cartuchos que contém a consciência humana e a chamada “morte real”. Para mim, uma das cenas mais fortes foi a de Cindy, a garotinha de apenas 7 anos que foi colocada no corpo de uma senhora e devolvida para a família, numa frieza revoltante e nojenta.
Daria todo um texto só sobre esse pequeno momento.
Mas isso é, talvez, o mais legal de “Altered Carbon”: a série é recheada de pequenos momentos que clarificam aquela realidade, e tornam tudo muito mais complexo e palpável. Vide a maneira como Takeshi Kolvacs é despertado, como uma “propriedade” alugada a Laurens Bancroft, ou aquela brilhante sequência dos protestos do lado de fora da prisão quando ele deixa Alcatraz. São protestos contra o reencapamento, gritos de “Você não devia ter voltado!”, e tudo é acentuado, na explicação de Kristin Ortega, pela RELIGIÃO. Philip K. Dick falou muito de religião em suas obras, de algum modo, e isso é uma força na construção plausível de uma realidade como essa. Aqui, o “reencapamento” é visto como pecado, do ponto de vista religioso, em todo um discurso sobre como “você só tem direito à sua ‘capa’ de nascimento” e, caso reencapado, sua alma vai para o Inferno.
É tão fácil de reconhecer o fanatismo religioso, transposto a essa outra realidade.
Se eles têm razão ou não é uma outra longuíssima discussão na qual não vamos entrar, pelo menos por ora – quem sabe se a série for se aprofundar nisso, também nos aprofundemos. Quando “tirado do gelo” como mercadoria, Takeshi Kovacs é levado até Laurens Bancroft, um cara com mais de 360 anos, riquíssimo, que mora no “Aerium”. Outra brilhante representação visual dos temas da série. Lá embaixo, o cenário mais desolado nos lembra “Blade Runner”. Do lado de cima, as coisas parecem mais utópicas e vivas, e quando Kovacs, o último dos Emissários, chega a Sun Touch House, percebemos a discrepância entre os dois lugares e a clara divisão de classes, quando os ricos constroem suas casas “lá em cima”, de onde não podem ver a vida miserável e “insignificante” dos demais, lá embaixo. É risível e vergonhoso que isso não esteja nada distante da nossa realidade de fato.
A conversa de Kovacs e Bancroft explicita grande parte da trama de “Altered Carbon”. Ele oferece uma série de possibilidades, como liberdade, dinheiro e futuro, mas Kovacs só quer saber por que ele foi chamado ali. A ideia é simples: Bancroft foi assassinado e ele quer saber por quem. A premissa toda é muito bacana, e eu AMO o tom de mistério que se instala agora. Não sabemos o que aconteceu, e tudo foi muito bem calculado. Bancroft ainda está vivo porque tinha uma “cópia” do seu cartucho uploaded em um satélite, que realizava backups automáticos a cada 48 horas. No entanto, Bancroft foi morto faltando 10 minutos para o backup seguinte, então ele não tem memória alguma dessas últimas 48 horas. Uma das teorias é do suicídio, mas Laurens Bancroft garante que ele não é o tipo de pessoa que tiraria a própria vida, e se fosse, não cometeria tantos erros.
Se ele quisesse morrer, estaria morto agora.
Kovacs não acredita em pessoas como Bancroft, ele morreu da última vez tentando se livrar de gente como ele. Portanto, ele recusa o trabalho. Decide “Ficar chapado, trepar e voltar pro gelo”, mas Bancroft lhe dá um dia para pensar na proposta. De volta ao discrepante mundo “daqui embaixo”, Kovacs tenta fazer exatamente o que pensava em fazer. Ele começa com drogas, o que é uma sequência psicodélica e futurística alucinante! Depois, temos o lado luxurioso, provocante, até vulgar, ao lado de brutalidades como a “luta livre” onde “capas” se destroem para a doentia diversão alheia. Mas o plano de Kovacs não segue intacto, porque ele é encontrado por Kristin Ortega, que o considera um perigo e um terrorista, e que garante que “não existe Caso Bancroft nenhum”, ele é apenas um cara que se suicidou e não se lembra disso. Uma possibilidade. Não a verdade absoluta.
Duas cenas são marcantes nessa finalização do episódio. Primeiro, a maneira provocante como Kovacs fala com Kristin sobre os hormônios liberados quando uma nova “capa” é assumida, e a energia gostosa que uma “primeira vez” promete em uma nova capa, mas ela se recusa. Em seguida, ele vai para o Hotel THE RAVEN, um hotel de inteligência artificial, e eu devo dizer: QUE SEQUÊNCIA DELICIOSA! Vários homens são mandados para matar Kovacs, e eventualmente ele acaba apanhando e sangrando, mas a cena é brilhante e bem calculada. O tempo todo ele sabia o que estava fazendo. Ele usou o hotel propositalmente, usou as informações de Ortega, e apanhou e sangrou em uma dança bem coreografada até que conseguisse ativar o seu check-in e pudesse receber todo tipo de “proteção” que o hotel podia lhe dar.
E QUE CENA FENOMENAL!
Os caras que o atacaram são atacados intensamente pela segurança do Hotel, e Takeshi Kovacs também luta, se tornando ainda mais bonito e atraente do que foi durante todo o episódio. É uma sequência forte e eletrizante que abre os olhos de Kovacs para algumas coisas: se alguém se deu ao trabalho de ir atrás dele, então não querem que ele investigue a morte de Bancfrot. Ou seja, ele não se matou. Com essa percepção e aquela conversa emocionante com a sua esposa morta, que o aconselha a não voltar ao gelo e nem destruir o próprio cartucho, Kovacs toma uma decisão: ELE ACEITA O CASO! Então “Altered Carbon” começou para valer, e eu estou ansioso. Há muita possibilidade nesse universo, como evidenciou o brilhante e complexo primeiro episódio, e eu já estou apaixonado pela construção dessa obra de ficção científica.
Há muito a ser explorado, evidenciado.
E há muito a refletir.

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