O Gato de Botas: O Último Desejo (Puss in Boots: The Last Wish, 2022)

“Who is your favorite fearless hero?”

QUE FILMAÇO! Embora a DreamWorks tenha acertado demais com a franquia “Shrek”, eu não tenho certeza se a primeira tentativa de a expandir, com o spin-off protagonizado pelo Gato de Botas em 2011, foi o maior acerto do estúdio. Tantos anos depois, agora, “O Gato de Botas: O Último Desejo” vem para arrebatar elogios de crítica e público (o filme conta atualmente com 95% de aprovação da crítica e 93% do público, no Rotten Tomatoes), com um filme que é repleto de ação e diversão, mas, também, de uma alma lindíssima – surpreendentemente emocionante e profundo, “O Último Desejo” entrega tantas camadas para o personagem do Gato de Botas e, mais do que isso, uma oportunidade de amadurecimento que ele jamais conheceu… e o resultado é incrível!

Visualmente, o filme também é um espetáculo… eu gosto de como, nos últimos anos, estamos vendo uma inovação nas técnicas de animação – as animações 2D foram praticamente deixadas de lado depois do surgimento do 3D, mas há uma beleza nostálgica na animação tradicional, e eu gosto de como algumas de suas técnicas estão sendo resgatadas em animações que parecem completamente novas: “O Último Desejo” tem toques de 2D e de traços mais aquarelados que me lembram, de certa maneira, a animação de “Homem-Aranha no Aranhaverso”, de 2018 – algo que, quando assisti no cinema, me deixou surpreso e eufórico. Se lá eu associei muito o estilo aos quadrinhos do personagem, a sensação permanece em “O Gato de Botas”, e as cenas de ação se beneficiam muito da técnica.

Há uma dramaticidade impressionante!

“O Gato de Botas: O Último Desejo” começa com a morte da lenda – mais uma morte do famoso Gato de Botas. A diferença é que aparentemente ele tem 9 vidas (engraçado que, em português, costumamos falar de sete vidas para um gato), mas ele acaba de morrer pela oitava vez… tendo que enfrentar a realidade de que ele não é imortal, no fim das contas, em sua “última vida” o Gato de Botas é confrontado com a possibilidade de se aposentar… ele não pode mais viver aquelas grandes e arriscadas aventuras descuidadamente. É um drama tão complexo e tão real, que somos conduzidos pela psique atormentada do Gato de Botas que passa a questionar tudo o que ele sempre fez e foi, e quem ele de fato é quando ele deixa de ser o herói idolatrada por tantos.

Ou o bandido procurado e perseguido.

Eventualmente, o Gato de Botas escolhe “ceder ao medo” e se aposentar – o que nos rende uma das sequências mais tristes do filme, a meu ver… vê-lo se “transformando” em algo que não tem nada a ver com ele, ao passo em que se conforma com uma nova “vida” me doeu o coração – mas também é verdade que ele ganha um dos melhores companheiros que a vida poderia lhe dar, um cachorro extremamente inocente e de vida sofrida que eventualmente ele vai chamar de “Perrito”. A relação do Gato e do Perrito tem um quê da relação do Shrek e do Burro Falante lá no primeiro “Shrek”, com o Perrito se tornando extremamente importante e o Gato passando a gostar dele, mesmo que finja que esse não é o caso… é bom ter alguém como amigo.

A missão do Gato de Botas nesse novo filme surge quando ele está sendo procurado pela Cachinhos Dourados, que quer contratá-lo para roubar um mapa que os levaria através da Floresta Sombria até a última estrela que poderia lhes conceder um desejo – qualquer coisa que eles quisessem. Numa vibe meio “Doctor Who”, especialmente quando o Eleventh Doctor estava para se regenerar, mas suas regenerações tinham chegado ao fim, o Gato de Botas acredita que pode usar o seu desejo para pedir por suas vidas de volta… e, assim, ele poderia voltar a viver destemidamente, sendo o herói/a lenda que sempre fora. Mas, conforme a “aventura” se estica, ele é confrontado com a realidade dos seus sentimentos e de quem ele é de verdade, e mais: quem ele quer ser.

Naturalmente (e felizmente), Kitty Patamansa é trazida de volta para “O Último Pedido”, e a dinâmica dos personagens funciona melhor do que nunca – na verdade, o Gato, a Kitty e o Perrito formam um trio incrível que Perrito nomeia “Equipe Amizade”, mesmo que Gato e Kitty não concordem com o nome… dessa vez, Kitty também está atrás do mapa porque ela quer fazer seu próprio pedido: alguém em quem possa confiar. Perrito é o único que não tem nenhum pedido em mente, porque ele acha que sua vida já é perfeita, podendo vivê-la ao lado de seus dois grandes amigos. A inocência e a pureza de Perrito pode ser quase assustadora no início (ele contando a história dele é de partir o coração!), mas é algo que nos conquista muito mais que os olhinhos pidões dos gatinhos.

O grande vilão do filme, diferente do que se pode imaginar inicialmente, não é o Grande Lobo, mas Jack Horner, um ambicioso dono de uma fábrica de tortas que quer usar o último pedido para “ter toda a magia do mundo só para ele” – um vilão caricato que funciona para a animação, e que rende alguns momentos cheios de referências, o que é a marca da franquia “Shrek”, de certa maneira… além do Gato de Botas e da Cachinhos Dourados, o filme ainda conta com uma rápida participação do Pinóquio e uma participação um pouco maior do Grilo Falante, e algumas referências que fogem um pouco do escopo dos contos de fadas tradicionais, mas de que gostei bastante: temos o guarda-chuva e a bolsa mágica de “Mary Poppins”, por exemplo; a Fawkes, de “Harry Potter”; e o que acredito ser o cajado de Gandalf, de “O Senhor dos Anéis”.

Todas as sequências de ação funcionam muito bem, e adoro o fato de a Floresta Sombria ser uma espécie de “personagem com vida própria”, transformando-se de acordo com quem quer que esteja segurando o mapa… e o caminho que leva até a estrela é uma representação interessante de quem a busca – a pureza de Perrito deixa o caminho tão “fácil”, aparentemente. O estilo de animação escolhido para “O Último Desejo” permite algumas coisas na Floresta Sombria que talvez não funcionassem em uma animação 3D normal, e que rendem excelentes momentos, dentre os quais eu destaco a sequência na qual a Floresta está “suspensa” entre personagens diferentes. Gato e Kitty também compartilham um momento delicioso nessa sequência.

Um dos grandes destaques do filme é, sem dúvida, o Lobo – dublado por Wagner Moura no áudio original, por sinal. Gosto de como o suposto “Lobo Mau” não é o Lobo Mau dos contos de fada, que inclusive já conhecemos em outros filmes da franquia, mas a personificação da própria Morte, que agora o Gato pode ver porque está com medo dela pela primeira vez em suas vidas… o “duelo” entre o Gato e a Morte rendem alguns dos melhores momentos do filme, como quando o Gato foge dela desesperado pela floresta, tem uma espécie de crise de pânico e é acalmado lindamente pelo Perrito, ou quando a Morte o “tenta” com suas oito vidas passadas, o que é a grande sacada do filme: se o Gato de Botas não é mais quem ele costumava ser, a perseguição ainda é válida?

A mensagem de “O Gato de Botas: O Último Desejo” é lindíssima e com um roteiro primoroso que nos conduz a um clímax surpreendentemente emocionante. O medo do Gato é real, mas o que ele está vivendo nesses últimos dias com Perrito e Kitty também é, e seu amadurecimento nessa jornada pela Floresta Sombria possibilita que ele abra mão do desejo, no fim das contas, porque uma vida é o que importa… e ele quer que ela seja especial e valha a pena, ao lado daqueles que ama. É tão forte aquela fala do Gato ao Lobo/Morte sobre como sabe que não poderá fugir dele para sempre, mas como “vai lutar por aquela vida”, e o faz, até que a Morte se convença a “deixá-lo para lá”, por ora – afinal de contas, ele não é mais o gatinho arrogante que se achava imortal.

Emocionante, divertido e inteligente, “O Gato de Botas: O Último Desejo” se mostra uma animação excelente – e mais complexa do que eu esperava, talvez. Amei a mensagem, o roteiro, o visual da animação em si, a trilha sonora… a relação do Gato, Kitty e Perrito, por sua vez, me faz desejar vê-los novamente, se for possível. E meu coraçãozinho sempre apaixonado por “Shrek” não pode deixar de se emocionar com aquele “epílogo”, quando os três roubam um barco do governador para “visitar velhos amigos”, e então vemos, à distância, o Reino Tão Tão Distante. Uma cena pós-créditos poderia ter mostrado um reencontro do Gato de Botas com o Shrek, a Fiona, o Burro… mas esse filme era dele, eu entendo, e ele o protagonizou da melhor maneira possível.

Filmaço!

 

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