Rent (2005)

No day but today!

“Rent” é um dos meus musicais favoritos! Adaptado do musical da Broadway de Jonathan Larson e com grande parte do elenco original de 1996 retornando aos seus personagens, o filme de 2005, dirigido por Chris Columbus, consegue captar toda a beleza e força de “Rent” e transportá-lo ao cinema, em um filme emocionante, sensível, intenso e visual e musicalmente impactante. “Rent” se passa em Nova York entre a noite de Natal de 1989 e a noite de Natal de 1990, e conta a história de um grupo de amigos, uma família de boêmios, vivendo seus 525.600 minutos e enfrentando a realidade da época, que inclui falta de dinheiro para o aluguel, ameaças de despejo, drogas e o assustador avanço do HIV. Além de ter uma história bem contada com um elenco talentoso e temas fortes, “Rent” também é um marco na história do teatro musical, sem dúvida.

Grande parte do elenco original da Broadway retorna para reprisar seus papeis: Anthony Rapp retorna ao papel de Mark Cohen, um cineasta que está gravando sem roteiro para fazer um documentário; Adam Pascal retorna como Roger Davis, um músico com HIV e ex-viciado, que perdeu a namorada para a doença e agora está tentando compor uma música marcante; Jesse L. Martin retorna como Tom Collins, um professor de filosofia que também tem HIV; Wilson Jermaine Heredia volta a dar vida à Angel, uma drag queen talentosíssima e carismática que também tem HIV; Idina Menzel é Maureen Johnson, uma artista espalhafatosa e revolucionária; se juntam ao elenco Rosario Dawson, como Mimi Marquez, uma stripper viciada em heroína que se apaixona por Roger, e Tracie Thoms, como Joanne Jefferson, uma advogada que atualmente namora Maureen.

Quando “Rent” estreou no teatro, ele era um musical 100% cantado – para o filme, essa porcentagem diminui, com algumas alterações como o início original de “La Vie Bohème” virando um breve diálogo no restaurante, ou a música do Ano Novo sendo inteiramente cortada, mas, ainda assim, é um filme com muita música, a trilha sonora chegando a ser lançada em dois discos, por ter 95 minutos de duração. Adoro as músicas de “Rent”, acho que ele tem uma identidade musical muito forte, daqueles musicais que possuem melodias marcadas e que reconhecemos aonde quer que a ouçamos… adoro como algumas notas e versos são reaproveitados em mais de uma canção, uma estratégia comum de musicais que garantem a impressão de que tudo faz parte de um todo, além de incentivar familiaridade, como quando ouvimos “Your Eyes” no fim do filme, mas parece algo que já conhecemos e pelo que já esperamos.

A história de “Rent” é forte e nos deixa reflexivos“Seasons of Love”, no filme puxada para o início da história, é uma das mais belas músicas já escritas, e é emocionante ver aquele elenco reunido em um palco, como na Broadway, cantando sobre os 525.600 minutos que formam um ano e nos perguntando como medidos nossa vida… se o fazemos em risos, em lágrimas, em multas de trânsito, em boletins escolares – e nos perguntando por que não o fazemos em “amor”. Todos os personagens de “Rent” são construções inteligentes e complexas com quem nos importamos de cara, e é justamente por isso que o filme se torna tão profundo e nos toca tão intensamente: porque de fato torcemos por cada um deles, porque “Rent” faz com que nos sintamos parte dessa família, amigos de cada um deles, e então é doloroso demais vê-los sofrer por qualquer motivo.

Mark Cohen é um personagem interessante, apresentado oficialmente na música de mesmo nome do filme, e é interessante como ele caminha durante todo o filme com a sua câmera nas mãos, servindo, muitas vezes, como “espectador” da história – inclusive, é o que Roger lhe diz em determinado momento, antes de ir embora para Santa Fe, e aquilo é fortíssimo. De certa maneira, é essa a função dele mesmo, porque Mark curiosamente não enfrenta os mesmos problemas de seus amigos: ele não sofre de HIV, por exemplo. O que não quer dizer que ele não sinta como todos os outros. Mark tem visões interessantes das reuniões de Apoio à Vida, por exemplo, e as cenas de “Life Support” e “Will I?” sempre acabam comigo e me levam facilmente às lágrimas… o filme todo é bastante emotivo, e a letra dessas canções nos deixam muito pensativos.

Roger, por sua vez, é alguém que se fechou para o mundo desde a morte de April, sua namorada. Desde então, ele não usou mais drogas, mas tampouco foi a uma reunião do Apoio à Vida, conseguiu escrever uma canção (“One Song Glory”) ou se permitiu conhecer outra pessoa… isso começa a mudar na noite de Natal, quando as luzes são desligadas e ele conhece Mimi, que aparece no seu apartamento pedindo que ele acenda a sua vela (amo “Light My Candle”), e ele resiste a Mimi a todo custo, talvez porque ela o lembre demais de April, e ele não quer correr o risco de se envolver e depois a perder. Inclusive, eu acho a sequência de “Out Tonight” e “Another Day” uma das mais intensas e inteligentes do filme, porque Mimi está ali, pedindo que ele a leve para sair e ele está mandando ela “voltar outro dia”, enquanto Mimi é acompanhada pelos demais, ecoando a fala da música do Apoio à Vida

“No day but today”

Maureen, por sua vez, é um espírito livre e aventureiro – e difícil de se relacionar. Depois de ela ter deixado Mark para ficar com Joanne (eu adoro a bizarra e desconfortável interação dos dois em “Tango: Maureen”), e de flertar com todo mundo que vê pela frente, Maureen ainda consegue manipular a todos ao seu redor, e fazer com que eles façam o que ela quiser… é assim que ambos a ajudam durante o protesto que ela está organizando contra o despejo dos sem-teto e a construção do Cyber Café – inclusive, toda a sequência do pretenso protesto (“Only thing to do is jump over the moon…”) é uma das coisas mais bizarras do teatro e do cinema e, ainda assim, no meio de tanta coisa sem-noção, contém de fato uma crítica e consegue ser estranhamente divertido. Também gosto de “Take Me or Leave Me”, dueto de Maureen e Joanne na segunda parte do filme.

Um dos ápices do filme é, certamente, “LA VIE BOHÈME”. Nos palcos, “La Vie Bohème” é o encerramento do primeiro ato e, como todo encerramento de primeiro ato precisa ser, é impressionante e chamativo – para mim, além disso, esse é um dos maiores eventos do teatro e do cinema musical, porque a intensidade dessa cena, dessa música, dessa performance é de arrepiar! Adoro como a vida transborda dessa cena, de cada verso cantado, cada nome citado, dos sorrisos que tomam conta desse grupo que está celebrando a vida boêmia depois de Benny ter sugerido que “a boemia morreu”. A cena consegue ser emocionante, inteligente e divertida, tudo ao mesmo tempo (adoro a listagem de tudo o que eles são, amam e celebram), e ainda nos traz uma das minhas frases favoritas de todo o filme: “The opposite of war isn’t peace… it’s creation!”

Outro personagem queridíssimo do filme é Angel Dumott Schunard. Angel aparece pela primeira vez tocando na rua quando encontra Collins depois de ele ter levado uma surra; depois, reencontramos Angel na manhã seguinte, como uma glamorosa drag queen, quando Collins a traz à casa de Mark e Roger e ela canta “Today 4 U”, contando como conseguiu dinheiro naquela manhã… eu adoro a relação de Angel e de Collins – eles são absolutamente fofos, e suas cenas sempre me emocionam… talvez até por saber o que está vindo pela frente, não sei. De qualquer maneira, o romance dos dois é lindo, cenas como “Santa Fe” são divertidas, mas “I’ll Cover You” é uma das coisas mais ternas que o filme tem a oferecer, enquanto eles caminham pelas ruas de Nova York e Angel convida Collins para morar com ela, dizendo que ele pode pagar “com mil beijos”.

Angel é, possivelmente, a personagem mais carismática de “Rent”, e é por isso que é tão doloroso nos despedirmos dela. Quando o recém-começado relacionamento de Mimi e Roger entra em crise e Mimi volta a usar drogas, temos uma das músicas mais fortes e tristes do musical: durante “Without You”, vemos Mimi participando de reuniões do Apoio à Vida enquanto as pessoas ao seu redor vão desaparecendo, morrendo, e vemos Collins segurar Angel passando mal no metrô, e então entendemos o que vem pela frente… ver a Angel no hospital, ver os amigos ao seu redor, cuidando dela, a Mimi colocando gelo na sua boca… tudo aquilo é de partir o coração, e a cena termina com uma reprise dolorosa de “I’ll Cover You” por Collins no velório de Angel, enquanto os amigos cantam trechos de “Seasons of Love”. Uma cena poderosa e que nos atinge em cheio.

Depois da morte de Angel, tudo desanda… a família se desfaz. Maureen e Joanne estão brigando desde o noivado que não deu certo, Mimi voltou a se aproximar de Benny, Roger vendeu a guitarra e comprou um carro para ir embora, Mark está trabalhando para uma empresa que vai contra tudo em que ele acredita, e me dói bastante assistir à cena do grupo brigando por todos esses motivos ainda no cemitério, pouco depois de enterrar Angel – e essa fala, compartilhada por quase todos, é fortíssima: “I’d be happy to die for a taste of what Angel had… someone to live for, unafraid to say I love you”. Assim como o Collins intervindo, pedindo que eles não façam isso, não hoje, enquanto vemos tudo o que amamos meio que desmoronar, deixar de existir – “I can’t believe this family must die. Angel helped us believe in love, I can’t believe you disagree, I can’t believe this is goodbye”.

A cena de “Goodbye Love” foi cortada do filme, deixando apenas a primeira parte da música, no cemitério, mas os extras do DVD trazem a cena completa, uma cena que eu julgo importantíssima. A cena de “Goodbye Love” traz o Roger se preparando para ir embora, enquanto o Mark tenta convencê-lo a ficar, tenta dizer que a Mimi ainda o ama e que precisa dele, mas Roger está decidido. A briga de Mark e Roger é sofrida, com Roger perguntando quem é o Mark e dizendo que ele se esconde no seu trabalho, “fingindo observar e registrar, enquanto se priva de se sentir vivo”, e Mark, no calor, reage com uma fala igualmente poderosa, dizendo que “talvez seja porque ele será o único deles a sobreviver”. Eu adoro essa música, mas ela sempre me choca, toda vez que a escuto – mas ela é necessária para conferir a “What You Own” a força de que ela precisa, para que aquele abraço de Mark e Roger no retorno de Roger signifique tanto mais.

Adoro a amizade de Roger e Mark, e acho que grande parte da dinâmica de “Rent” se baseia nisso. No fim, eles se amam… e o final de “What You Own”, com o abraço dos dois, é a prova disso e dessa química tão perfeita que os personagens compartilham, porque nós não precisamos de um diálogo entre eles para entendermos tudo o que aconteceu, tudo o que aquele abraço significa, todas as desculpas que ambos estão pedindo, ao mesmo tempo em que automaticamente desculpam um ao outro. Com todas suas temáticas, “Rent” acaba retornando àquilo que apresenta em “Seasons of Love” e é justamente sobre isso: SOBRE O AMOR. Sobre pessoas medindo suas vidas em amor. Por isso é que é tão triste e doloroso ver essa família se desfazendo depois da morte de Angel, porque eles se amam e nós sabemos claramente disso… assim como eles.

A reta final do filme traz Mimi em destaque – depois da partida de Roger, ela aceita que Benny pague uma clínica de reabilitação para ela, mas ela acaba fugindo da clínica, não aparece para trabalhar, não busca mais os remédios contra o HIV e ninguém tem notícias dela… até a próxima noite de Natal. Tudo está voltando a acontecer como da última vez: Roger e Mark jogando pela sacada a chave para que Collins suba, e então ouvimos um grito lá de baixo chamando por eles, pedindo ajuda, e vemos Maureen e Joanne trazendo Mimi desacordada nos braços. Mimi é uma personagem riquíssima e sentimos por ela: enfraquecida pelas drogas e pelo HIV, nos perguntamos se ela poderá sobreviver quando ela é colocada sobre uma mesa no apartamento dos garotos – e é muito triste presenciar toda aquela cena, especialmente tão pouco tempo depois da morte de Angel.

Naquele momento, todo mundo parece muito certo do que vai acontecer, e a tristeza tomando conta dos personagens é contagiante. Então, Roger pede que Mimi continue com ele e canta a música que escreveu finalmente: demorou um ano, mas está pronta… e a música era Mimi o tempo todo. “Your Eyes” é uma performance emotiva e tocante que termina com a aparente morte de Mimi enquanto Roger a abraça e chama seu nome, e é um alívio IMENSO quando ela começa a mexer os dedos e desperta, e então conta sobre como estava caminhando em direção a uma luz, e Angel estava lá, mas ela a mandou voltar e “ouvir à música daquele rapaz”. Como eu acabo de dizer: “Rent” é, acima de tudo, sobre o amor, e sobre todo tipo de amor. O filme é forte, as músicas são excelentes, a mensagem é poderosa… e o filme nos deixa com uma vontade imensa de VIVER.

Adoro “Rent”.

 

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Comentários

  1. Não consigo ler tudo, e não consigo ler sem me emocionar. Gosto muito de Rent, não tem motivos específicos. Me apaixonei logo na primeira vez que assisti, depois vi de novo e de novo. Decorei as músicas, me apaixonei pelos personagens e pelos atores. Assisti no teatro, uma peça que uma amiga fez, gente... que emocionante. Depois, assisti 2 vezes um grupo musical, que cantava "tempos de amor", e eu continuo me emocionando.
    Obs: eu amo musicais né? então isso conta muito hahahahahaha somos team musical!

    um beijãozão :*

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    1. De fato somos Team Musical, inclusive foi por isso que você chegou aqui pela primeira vez! HAHAHA
      Mas Rent é mesmo incrível, um dos primeiros musicais que eu assisti, e é minha paixão até hoje... primeira vez que escrevi sobre Rent foi em 2010 (meee), por isso escrevi de novo... meu tipo de texto mudou em 10 anos, mas o amor por Rent não kkk Tenho o CD, adoroooo. Reassisti agora antes de ver "tick, tick, BOOM!", e Rent continua sempre perfeito mesmo <3

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