Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)

“I can’t remember anything without you”

“Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” é um dos filmes mais amados da história do cinema – com aprovação da crítica e do público (no site Rotten Tomatoes, o filme tem 93% de aprovação da crítica especializada e 94% de aprovação do público), o filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2005, além de outros prêmios como um BAFTA de Melhor Montagem, e é realmente um filme incrível… com um roteiro divertido, mas, ao mesmo tempo, melancólico, o filme é original e criativo, usando elementos que perpassam a comédia e o romance, mas que têm uma grande influência da ficção científica e, em última instância, acabam refletindo o ser humano, seus sentimentos, suas fraquezas e inseguranças, seus impulsos… um filme intimista e sensível, que nos deixa reflexivos: uma verdadeira obra de arte da história do cinema.

E gosto muito da atuação de Jim Carrey nesse filme! O Jim não é o meu ator favorito e ele tem um humor marcadíssimo que o consagrou em filmes como “O Máskara”, e mesmo em “O Show de Truman”, que é um filme com um roteiro mais complexo e sério, ele tem a possibilidade de fazer suas palhaçadas no melhor estilo Jim Carrey de atuar… em “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, vemos uma outra faceta do ator, menos explorada, e sentir isso já nos primeiros minutos de filmes fez com que eu me envolvesse com aquele universo – a diferença na atuação está na postura, nas expressões e, especialmente, no modo de falar de Joel Barrish, e mesmo os momentos mais divertidos e non-sense do filme trazem um humor diferente do habitual, algo que tem a ver com o Joel Barrish fechado, confuso e um tanto deprimido que conhecemos.

O filme é diferente de tudo o que eu esperava… como eu disse na introdução do texto, ele perpassa pela comédia e pelo romance, porque, afinal de contas, é a história do romance imperfeito de Joel Barrish, interpretado por Jim Carrey, e Clementine Kruczynski, interpretada por Kate Winslet, mas todo o mote tem a ver com memória e esquecimento, num novum apresentado que parece saído de um conto de Philip K. Dick – particularmente, pensei muito em “Podemos recordar para você, por um preço razoável”, especialmente na primeira parte do filme. Adoro a influência da ficção científica e como isso dá ao romance uma faceta extra e diferente, tornando “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” um filme especial… e, para contar essa história inusitada, que se passa quase que inteiramente nas memórias de Joel, a edição é brilhante!

Em 2010, seis anos depois do lançamento do filme, acredito que há um pouco de “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” na maneira como Christopher Nolan contou sua história em “A Origem”, visualmente falando… ao invés de sonhos, no entanto, o filme de 2004 trabalha com a memória em edições belíssimas que sobrepõem memórias e momentos de uma maneira inteligente, além de ser um interessante exercício diacrônico, tendo em vista que a história não é contada de forma linear. Começamos mais ou menos no fim do filme e depois voltamos, cada memória sendo um passo atrás na história de Joel e Clem, do momento em que eles terminaram e decidiram esquecer-se um do outro (literalmente) até o momento em que eles se conheceram… isso tudo enquanto a direção do filme brinca com os elementos importantes para a história e com o que está acontecendo fora da mente de Joel.

A trama do filme traz a ficção científica para criar um procedimento que torna toda a trama capaz, mas a pergunta que o filme te faz é: você apagaria alguém da sua vida se pudesse? E, se o fizesse, quais seriam as consequências disso? Relações humanas podem ser difíceis, podem ser sofridas, e ao passo que a maioria das pessoas não faria o que eles fizeram se pensassem racionalmente sobre isso, a verdade é que é esse consultório estaria sempre lotado porque as pessoas tendem a não pensar – no impulso, na dor e no sofrimento, podemos fazer coisas impensáveis. Até escolher apagar alguém completamente de sua vida: mesmo que isso signifique apagar anos de história e sabe-se lá o que mais acaba se perdendo no processo… quantas memórias de Joel também foram arruinadas a partir do momento em que Clem é excluída de sua mente?

Para mim, a melhor parte do filme são os detalhes cuidadosamente pensados (os livros virados ao contrário naquela cena da biblioteca, já perto do fim do filme, por exemplo) e o quebra-cabeças se formando… começamos o filme vendo Joel agindo como nunca agiu antes, segundo ele: impulsivamente. Ele falta ao trabalho e pega um trem a Montauk, onde ele conhece uma mulher de cabelo azul que fala sem parar, a um dia do Dia dos Namorados, e algo parece nascer entre ele, da forma mais desconcertante possível… depois, retrocedendo um pouco no tempo, descobrimos que Joel e Clem já estiveram em um relacionamento de alguns anos, mas ela foi a um lugar para apagar o Joel de sua mente. Quando Joel a encontra, ela não faz ideia de quem ele é e parece já estar namorando outra pessoa, então, ele resolve fazer o mesmo que ela fez e apagá-la de sua memória.

Assim, ele não precisaria sofrer essa perda.

Conveniente, não? Tão conveniente quanto perigoso e incerto.

Assim, acompanhamos o mapeamento das memórias de Clem no cérebro de Joel e, depois, o procedimento para apagá-las, enquanto viajamos pelas memórias de Joel, da mais recente para a mais antiga, em transições inteligentes, divertidas e desconcertantes. O filme caminha por gêneros livremente, sendo divertido, romântico e melancólico em igual medida, cuidadosamente dosado para construir uma obra inteligente e recompensadora. Conhecemos as brigas do casal, os motivos pelos quais eles se afastaram, enquanto vamos em direção a um momento em que tudo era mais novo, mais fácil e mais mágico… um momento em que eles ainda eram perdidamente apaixonados um pelo outro, em que eles se faziam bem, e quando isso acontece, Joel desiste do que estava fazendo: decide que quer guardar as memórias de Clem…

Mas já é tarde para isso.

Então, e essa é uma parte interessantíssima do filme, Joel tenta fazer de tudo para “esconder” Clem em algum lugar que o programa não vá encontrá-la… por várias vezes, ele segura sua mão e pede que ela corra, e repetidamente ele a perde, conseguindo mantê-la afastada da “borracha” por mais tempo quando adentra sua mente mais fundo e em momentos nos quais ela não estava: se ele conseguir levar Clem para memórias que não têm relação nenhuma com ela, elas não estarão mapeadas e não serão apagadas – momentos como quando ele tinha 4 anos e se escondia embaixo da mesa (uma sequência inusitada e muito bacana aqui!), ou as suas maiores vergonhas e humilhações, lugares que ele evita visitar, mas que parecem ser o esconderijo perfeito dessa vez… parecem, mas acabam não sendo, porque Clem e Joel sempre são encontrados.

E as memórias se vão…

Até que cheguemos à primeira memória do casal, uma casa de praia invadida durante a noite, e ali Clementine faz uma última tentativa de permanecer, e pede que Joel a encontre em Montauk. Assim, depois do procedimento completo e de ambos serem apagados da mente do outro, retornamos ao início do filme, aquela inusitada sequência na qual eles “se conhecem” novamente, porque as memórias podem ter sido apagadas, mas o vazio do sentimento continua ali… mas eles não vão começar do zero, talvez porque, assim, eles cometeriam os mesmos erros e a relação deles não duraria; eles recebem, pelo correio, as fitas que gravaram na clínica, antes de terem suas memórias apagadas, e elas são depoimentos pesados e raivosos nos quais falam um do outro, e por mais duro que aquilo possa ser, talvez seja o segredo para que funcionem como casal: se eles se amam, se o sentimento continua ali, talvez ter tudo aquilo às claras os prive de cometer os mesmos erros.

Talvez, agora, Joel e Clem possam ser felizes.

Um filme lindíssimo! Belo roteiro, belas atuações e direção impecável! Amei.

 

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