A Montanha Encantada (Maria José Dupré)


“Mamãe, descobrimos uma cidade maravilhosa…”
Reler livros como A Montanha Encantada é uma experiência curiosa, no mínimo. E isso está me fazendo reconsiderar quem eu mesmo era quando criança – é fascinante perceber que, naquela época, eu lia os livros de uma maneira e agora os leio de outra. A Montanha Encantada continua sendo um ÓTIMO livro, mas se enquanto criança eu simplesmente acreditava nas aventuras deles (na incrível Cidade dos Anões, toda pavimentada com ouro e pedras preciosas) e não as questionava (e certamente lamentava que eles não pudessem prová-las para o Padrinho), agora, relendo o livro, eu me pergunto o quanto daquilo de fato aconteceu, se alguma coisa aconteceu. Algumas dicas estão ali para nos mostrar que sim, a cidade de fato existe, afinal de contas o Padrinho pode escutar os sinos anunciando a partida deles da Montanha… mas por que as pedras “preciosas” que a Princesa Filó lhes deu de presente são pedras comuns de uma hora para outra?
Estranho.
A aventura se passa depois de A Ilha Perdida, outro encantador livro de Maria José Dupré que, atualmente, também me deixa incerto. Henrique e Eduardo, os heróis da Ilha Perdida, estão presente em toda a excursão, mas não vivem as fantasias deliciosas da Montanha Encantada. Acontece que, durante as férias na Fazenda do Padrinho, as crianças (primeiro a Cecília) começam a enxergar uma estranha luz no topo da montanha. Como ela não para de falar sobre isso, absolutamente fascinada, pouco a pouco todas as crianças são capazes de vê-la… e por causa da obsessão de descobrir o que está lá no topo da montanha causando essa luz tão bonita e chamativa, o Padrinho resolve organizar uma deliciosa excursão que vai levar as crianças até o topo da Montanha Encantada (nomeada assim por eles mesmos) para que eles possam investigar melhor. E isso, por si só, já é uma grande aventura de dias.
Eles sobem a montanha, Pingo e Pipoca, os cachorros que os acompanham, são os responsáveis por encontrar água, e os mistérios começam a surgir quando passos são ouvidos do lado de fora das barracas (alarmando os cachorros) ou sinos são escutados – assim, ao chegar ao topo da Montanha Encantada, as cinco crianças acabam caindo por uma pedra DENTRO dela. As crianças, Quico, Oscar, Cecília, Lúcia e Vera, logo são guiadas por Julião, um anãozinho que cuida da entrada da Montanha e os leva até a Cidade dos Anões. Supostamente, essa cidade encantada está ali há tanto tempo que poucas coisas mudaram com o tempo. Sem nunca sair, os anões que ali moram comem comidas limitadas a galo garnisé e têm tudo pavimentado com ouro e pedras preciosas, em um luxo que só. É claro que as crianças ficam fascinadas com tudo o que veem, mas quando são impedidas de sair, pelo Príncipe, elas logo começam a planejar uma fuga.
A ideia da história é bastante bonita. A “Cidade Mais Rica do Mundo” é lindíssima. Pedras preciosas por todo lado, muito ouro, e as crianças ficam embasbacadas com tanta riqueza e esplendor. No entanto, a dita riqueza não lhes significa nada, porque eles não precisam de dinheiro dentro da Montanha. A reflexão está em tornar o lugar na “Cidade Mais Pobre do Mundo”:

“Meus filhos, a riqueza não consiste apenas no ouro e nas pedras preciosas que vocês estão vendo. Eu já vivi muito e sei o que digo; a riqueza não está nas casas de ouro com janelas de safiras, nem nos pratos de ouro, nem nas xícaras de ouro nas quais vocês tomam chá, nem nas vestes de brilhantes! A maior riqueza está aqui, aqui, aqui e aqui… (mostrou os olhos, os ouvidos, o coração e a cabeça).
[…]
Com eles poder ver os pássaros voando e as flores nos jardins; poder ouvir a divina música que enternece os corações, poder sentir o sol que aquece e cura, poder ler os livros que ensinam e consolam. A maior riqueza é a do espírito, meus filhos, nunca se esqueçam disso! Nós temos olhos, ouvidos, coração e cabeça, mas não temos o que apreciar, portanto todo este ouro, todos estes brilhantes de nada valem. E aquele que não pode ou não sabe apreciar a beleza de uma flor, admirar o voo de um pássaro, ler um livro, ouvir uma música, sentir o sol… pode possuir as maiores riquezas deste mundo… será sempre pobre, o mais pobre dentre os pobres da terra…”

Foi a passagem que mais me arrepiou na releitura recente da obra. Comove-me a beleza da reflexão, que ainda e sempre parece tão pertinente! Confundimos riqueza e felicidade com ouro e pedras preciosas continuamente, enquanto, às vezes, esquecemo-nos de apreciar o sol, as flores, a música, os livros… a vida na Cidade dos Anões pode até ser boa, mas a vida do lado de fora também o é, se não melhor. É por isso que as crianças precisam voltar embora, mesmo que prometam retornar no ano seguinte e trazer com eles alguns presentes para a Princesa Filó. Afinal de contas, eles passaram bons momentos ali dentro, e se divertiram bastante – vestiram roupas lindíssimas, as meninas seus vestidos cor de sonho, de céu e de arco-íris; os meninos roupas encantadoras. Também causaram confusão, buscando Pingo que desaparecera na hora de retornar para casa… mas, por fim, puderam partir, deixando para trás a beleza e as diversões vividas na Cidade dos Anões e no casamento…
Assim, encontram-se de volta do lado de fora, durante uma tempestade.
Ensopados e escondidos embaixo de uma pedra, é assim que eles são encontrados de volta, entusiasmados com as histórias que têm para contar sobre a magnífica cidade toda enfeitada com ouro que acabam de deixar. O retorno é estranho, a conexão é vaga e não sabemos a transição exata do interior para o exterior da montanha – ou da fantasia para a realidade. Parece meio desconcertante, para nós e para eles. E, desaparecidos desde o dia anterior de manhã, os adultos não parecem muito dispostos a acreditar na fantástica história das crianças, mesmo que eles insistam que é verdade, e mostrem suas “pedras preciosas”, presente de Filó que, subitamente, não são mais extraordinárias que qualquer pedra comum encontrada em qualquer lugar ali pela montanha. Não sei o que houve. De todo modo, a fantasia aconteceu, a aventura aconteceu e as memórias daquelas cinco crianças serão sempre esplêndidas sobre o que viveram naqueles dias na Montanha Encantada. Ouvindo os sinos ainda tocar, anunciando sua partida, elas têm a esperança de voltar no ano seguinte…
E sinceramente? Eu realmente espero que elas consigam!
Vale a pena ser criança!

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