Off-Broadway – Nevermore – The Imaginary Life and Mysterious Death of Edgar Allan Poe


Excêntrico. Macabro. Perturbador.
Nevermore – The Imaginary Life and Mysterious Death of Edgar Allan Poe é uma obra de ficção bastante interessante e bastante macabra. Assim como os famosos contos e poemas desse autor, que sempre fala do grotesco, do macabro e do misterioso, o musical tenta assumir esse mesmo tom, enquanto mistura elementos de várias de suas obras na sua já misteriosa biografia. Temos toda a vida confusa, dramática e cheia de desgraças de Edgar Allan Poe, com todas as reviravoltas possíveis – enquanto sabemos que aquelas coisas realmente aconteceram de verdade. Não as sobre as quais ele escreverá, mas coisas como morar com os Allan, perder o irmão, não receber ajuda de Jock Allan ou se casar com a prima. Isso é o que eu achei mais interessante enquanto assistia Nevermore: a maneira como a linha entre a realidade e a ficção é perfeitamente tênue.
Tudo é muito excêntrico. Com pouquíssimos atores no palco (são sete no total), temos uma biografia com bastante narração – os figurinos são basicamente bizarros e exagerados, as cores são poucas, e sempre muito escuras ou sem vida; ao mesmo tempo, tudo também é muito sombrio, um tanto quanto assustador. Eu adoro como apenas parece estranha a fantasia de seu gato de estimação, mas como parece assustadora a fantasia de corvo. Como as luzes e os sons contribuem para momentos realmente apavorantes – eu devo confessar que em momentos eu estava realmente encolhido em minha poltrona. Como, por exemplo, o momento da morte de Eliza Poe... aquele rosto, aquelas mãos, aquela luz... aquele in e out... ou então a maneira como os garotos mais velhos torturaram e mataram aquele rato que ele estava guardando consigo ao longo do dia. Coisas grotescas, bizarras.
Como sua obra.
Então em vários momentos realmente percebemos sua obra permeando os acontecimentos. Enquanto ele descia rumo ao seu quarto com Fanny Allan, eu não pude deixar de pensar em The Cask of Amontillado – toda a caminhada me fez pensar em todo aquele sentimento de vingança. O gato de estimação é certamente uma referência a The Black Cat, e eu adorei todo aquele momento no qual ele sente raiva do gato por incomodá-lo tanto, e tenta matá-lo. Eu esperei, com as mãos sobre a boca, um desfecho horrendo como o do conto. Um dos maiores destaques, no entanto, está para a personificação do velho em Jock Allan. Adoro a escrita de The Tell-Tale Heart, e como cada detalhe nos deixa angustiado, e parece que estamos realmente vivendo cada uma daquelas cenas, até aquele final estranho e apavorante. A maneira como Jock assumiu o olho do velho foi espetacular, ainda que assustadora, e eu vibrei com a narração enquanto eles citavam, diretamente, a obra de Poe: He had the eye of a vulture – a pale blue eye, with a film over it.
Outras obras são citadas em vários outros momentos durante o musical, várias das quais tenho certeza de que falhei em reconhecer. Com a entrada de Elmira Royster no segundo ato temos duas citações bem importantes e bem diretas: primeiramente a história que ela conta para ele, sobre uma mulher que foi enterrada viva. The Premature Burial. A maneira como ela narra, como os sons são aterrorizadores, como tudo contribui para sustos e angústia... parecemos estar mesmo lendo uma obra de Edgar Allan Poe. Aquela sensação que ele consegue transmitir em sua narração. Com a partida dela temos o retrato que ele faz, que nos faz pensar em The Oval Portrait, enquanto ela vai ficando mais pálida enquanto o retrato vai ficando cada vez parecendo mais real. Também tivemos uma citação importantíssima, que inclusive foi todo o objeto de uma música, já quase no fim do musical: The Raven.
Mas como eu não sou de poesia, falhei em captar todas as nuances do momento.
Adoro a obra de Edgar Allan Poe por ser essa desmistificação do horror. Sua obra fala sobre sentimentos que as pessoas tentam esconder, que não são tidos como certos, e é isso o que chama atenção. O cruel, o estranho, aquilo sobre o que não se fala. Não é como se fôssemos sair por aí matando um velho com uma cama porque nós não gostamos de seu olho de vidro, mas a obra de Edgar Allan Poe é mais do que isso que aparece na superfície: é a transcrição impressionante e precisa da mais perversa natureza humana, dos sentimentos mais desprezíveis que buscamos esquecer, e a leitura dele nos proporciona justamente o prazer daquilo que não fazemos na vida real, ou o prazer de viver e sentir aquilo que não nos permitimos viver e sentir no nosso dia-a-dia porque não parece correto. E talvez realmente não o seja, mas é tão instintivamente humano!
Sua morte sempre foi envolta em mistério – assim como suas obras são cheias de mistério, ninguém sabe exatamente como foi que ele morreu. O musical sugere uma morte por tuberculose, mas ainda deixa o evento razoavelmente aberto a interpretações. Depois da morte de Sissy, sua prima com quem se casou, ele reencontra Elmira, mas antes de poder se casar com ela, é encontrado em um trem. Ficou belíssima essa cena no musical! Eu adorei como ali foi o momento em que os outros seis atores, que estavam narrando a vida de Edgar Allan Poe, crescem, e ganham um nome: eles se tornam os personagens de Edgar Allan Poe, àqueles a quem ele deu vida, e cantam uma música quase épica sobre criação e destruição, amor e ódio, sonho e pesadelo. A intensidade das vozes, a melodia macabra... tudo ainda chega ao ápice com muita emoção, enquanto Henry retorna para falar coisas que não podem ser entendidas, como se fossem segredos; e sua mãe retorna para segurar seu braço.
Assim como no começo. Lindo. Comovente.
Elenco incrível, que conseguiu passar adiante toda essa estranheza da obra de Edgar Allan Poe, em uma obra que não foi escrita por ele – colocaram todo o excêntrico, todo o horror, e nos comoveram, nos assustaram, e ocasionalmente nos fizeram sorrir. Nevermore – The Imaginary Life and Mysterious Death of Edgar Allan Poe foi escrito e dirigido por Jonathan Christenson. Sua primeira montagem, no Catalyst Theatre foi em 2009, e chega a Nova York em 2015. com Scott Shpeley como Edgar Allan Poe, o restante do elenco que interpreta vários e vários personagens é formado por Gaelan Beatty, Shannon Blanchet, Beth Graham, Ryan Parker, Garett Ross e Lindsie VanWinkle. Todo o elenco e toda a equipe criativa está de parabéns! A obra é uma adaptação perfeita e assustadora da vida de um dos maiores escritores de língua inglesa, aquele que deu voz a tantos sentimentos escondidos, e que nos deixou aterrorizados com uma série de terríveis mortes e mistérios.
And all he loved / He loved alone.

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