Black Mirror 1x02 – 15 Million Merits


O QUANTO ESSE EPISÓDIO FOI PERTURBADOR! Saímos de algo que poderia estar acontecendo em nosso próprio tempo, em “The National Anthem”, para algo em um futuro distópico que se assemelha ao nosso em milhares de formas, com “15 Million Merits”. Assisti ao episódio e estou quase às lágrimas, profundamente incomodado. “Black Mirror” é uma série forte, para ser assistida por quem tem um estômago forte, e por quem consegue captar o quanto eles criticam a nossa realidade, e perceber o quanto isso é REAL! É isso o que torna a série tão doentia e o que nos incomoda mais: saber que nada disso é inventado e/ou distante do que vivemos AGORA. Não é. “Black Mirror” é desconcertante, e nós somos atormentados por cada narrativa angustiante… a série causa transtorno e mexe de verdade com o nosso emocional.
“15 Million Merits” trata os conceitos de ficção científica com um respeito admirável. É uma bela obra distópica que, em 62 minutos, aproximadamente, constrói claramente um mundo perturbador para contar uma história terrível e questionar o mundo em que vivemos. O episódio me fez pensar bastante em “A Ilha”, e eu amo aquele pedaço de ficção. Somos levados do entusiasmo visual pelos bons efeitos e pela boa construção do espaço, para uma tormenta de emoções negativas que parecem uma sequência de apunhaladas em nossa autoestima e crença na humanidade. O episódio brinca com a questão da esperança, do distante e do belo, e nos mostra o quanto é inatingível dentro do que construímos. O episódio fala da exploração do trabalho, de reality shows e, acima de tudo, do sistema e da incapacidade que temos de confrontá-lo.
Isso é provado da forma MAIS DOLOROSA possível!
Conhecemos Bing Madsen em um dia de sua vida enclausurado em um pequeno cubículo em que tudo é virtual. Estamos vivendo em um mundo assim, quase inteiramente virtual, e somos totalmente dependentes do computador. Assim como eles. Ao completar 21 anos de idade, todos são transportados para um lugar em que vivem isolados, acordando às 7:30 diariamente, por um galo eletrônico, para pedalar o resto do dia em busca de “méritos”, que são usados para compras diárias como pasta de dente e comidas, todas extremamente artificiais. Enquanto pedalam, esses escravos produzem energia para alguém fora daquela realidade toda, e a perspectiva de vida deles é INEXISTENTE. A não ser se se considerar a “chance” no Hot Shot como algo que se almeja… e não sabemos o quanto isso é macabro quando o episódio começa.
Mas suspeitamos.
A construção dessa “sociedade” é eficaz, e nos mostra os vídeos que eles são “obrigados” a assistir, o tipo de jogo que jogam antes de dormir, e os seres humanos se resumiram a isso. Quando Bing conhece Abi Khan e a ouve cantando no banheiro, ele se apega a ela como o pouco de REALIDADE ao qual quer se prender. Ele está cansado de tudo, ele quer sentir que ALGUMA COISA É REAL. E por isso, com o dinheiro que herdou do irmão depois de sua morte, ele doa 15 milhões de méritos para ela, para a sua inscrição no Hot Shot… ele acha que ela devia cantar! E parece uma crítica ferrenha, também, aos realities como o X-Factor talvez, e eu fico me perguntando o que acontece nos bastidores desse meio… tudo é amedrontador desde o momento que chegamos. Desde que as cores se assemelham a A.I. (!) e Abi precisa tomar uma caixinha de “concordância”.
No Hot Shot, Abi Khan é totalmente HUMILHADA! Seu sonho de cantar, antes tão mágico, é anuviado por uma sequência de humilhações desumanas de quem não a vê como um ser humano mais do que como uma mercadoria. Querem ver seus peitos, dizem que o lugar está SATURADO de cantoras, e ela devia estar disposta a fazer outras coisas. É deprimente e corrompe todo o sonho de Abi e a boa ação de Bing. Infeliz e em um estado deplorável, Abi é atormentada por uma série de pressões, que vem dos jurados, que vem de quem assiste, da sociedade, e o seu sonho de deixar as bicicletas ou de “ser famosa” a levam a extremos… a coisas que, normalmente, não se disporia a fazer, mas agora está ali, tendo que se submeter. E infelizmente isso parece tão real que faz com que meus olhos se encham de lágrimas.
Tudo é angustiante nessa sequência final de “15 Million Merits”, em que Abi se torna uma atriz pornô do WraithBabes, e o quanto Black Mirror pode ser gráfico sem ser explícito, mostrando toda a angústia da tortura que é Bing quase sem méritos, incapaz de pular o pornô, como sempre fazia, obrigado a assistir enquanto Abi fala sobre como “isso era um sonho”, enquanto a “televisão” fantasia um “sonho” e uma vida maravilhosa agora para ela, enquanto é evidente o quanto ela deixou de ser ela mesma, o quanto ela está dopada e destruída, o quanto a sua vida terminou… o surto dele é palpável, e então, se cortando ao quebrar as telas ao seu redor, Bing tem uma ideia, e começa a trabalhar por ela ardentemente, com determinação e com muita inteligência, se submetendo a uma vida ainda mais difícil do que a que levava, para juntar seus próprios 15 milhões de méritos…
…e ir ele mesmo ao Hot Shot.
Ele chega lá quase em surto e perigoso, mas muito inteligente, capaz de recusar a caixinha de “Concordância” com a ajuda da caixinha dela que levou consigo, tentando quebrar esse jogo constante do sistema, que brinca com eles como se fossem objetos. Ele faz uma performance, ele ameaça se matar e pede a palavra, e faz um discurso ARREBATADOR e bem-escrito, que é inutilizado pela capacidade máxima de manipulação da televisão e do sistema. Ele fala sobre como está farto de tratarem-no como objeto, e quase destrói a ideologia do sistema, mas suas palavras se tornam vazias quando eles continuam brincando com a vida de uma pessoa como se ela fosse um objeto, e é isso o que nos incomoda em Black Mirror: a capacidade de ser real. Profundamente mexido com aquilo tudo, eu estava incomodado, transtornado.
E sabia como ia terminar.
Porque os “jurados” do Hot Shot são baixos, falsos e manipulativos. Eles continuam jogando, o tempo todo. Bing não consegue fazer NENHUMA MUDANÇA, não consegue NENHUMA MELHORA. Tudo se mantém o mesmo e ele se torna parte disso. Enaltecem-no por seu discurso repleto de paixão e oferecem-no um programa de 20 minutos, duas vezes por semana, para ele “falar com essa paixão na programação”. Bing se torna, por fim, mais um rosto na programação daquele sub-mundo, perpetuando aquilo que, por Abi Khan, ele quis exterminar, e infelizmente isso me parecem profundamente real, exatamente o tipo de coisa que aconteceria no nosso mundo… é triste perceber o quanto isso é desesperador e chocante, mas o quanto está próximo do mundo em que vivemos. Estamos fadados a chegar ali a qualquer momento.
Não devíamos estar fazendo ALGO?!

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