Mais Que Amigos (Bros, 2022)

“Love is not love”

Eu fico muito feliz, mas, também, muito pensativo, toda vez que temos a oportunidade de assistir a um filme como “Mais Que Amigos” (“Bros”, no original). Dirigido por Nicholas Stoller e protagonizado por Billy Eichner e Luke Macfarlane, o filme é uma deliciosa comédia romântica gay bastante completa, daquelas que nos arranca verdadeiras risadas, nos faz torcer e suspirar pelo casal principal, e nos confronta com a realidade de que as coisas não são tão simples quanto “amor é amor”, porque, como o Bobby comenta, criamos isso, como comunidade LGBTQIA+, na esperança de que fôssemos tratados com o mínimo de respeito, mas relacionamentos héteros e relacionamentos queer não são a mesma coisa – porque não deveriam mesmo ser! Com um elenco carismático e um roteiro inteligente, “Mais Que Amigos” toca em assuntos muito pertinentes com competência.

Eu já estava apaixonado pelo filme (e pelo personagem do Bobby, um homem gay de 40 anos que “nunca se apaixonou” e que apresenta um podcast um tanto amargo – e maravilhoso –, além de estar montando, com uma equipe cheia de representatividade, o primeiro Museu Americano da História LGBTQIA+) nos primeiros minutos, ao ouvir àquele podcast de Bobby (definitivamente, um podcast que eu ouviria), repleto de críticas incríveis. Adoro como ele responde às perguntas dos fãs, comentando sobre os livros infantis que escreveu, mas que não venderam, porque “os pais não querem ensinar às crianças sobre ícones LGBTQIA+”, ou sobre a comédia romântica que foi convidado a escrever e se recusou, por causa de toda a problemática do pedido de “escrever um filme que um cara hétero gostaria de assistir com a namorada, porque ‘amor é amor’”.

Bobby se sai TÃO BEM respondendo a isso!

O filme tem um romance fofo e gostoso de se acompanhar, mas eu acabo realmente marcado por momentos como aquele na praia, no qual Bobby está conversando com Aaron um pouco sobre a sua realidade, sobre a sua vida, sobre tudo o que passou para chegar aonde está, para ser bem-sucedido como agora pode dizer que é – é um monólogo de Billy Eichner, e ele o faz com tanta verdade, com tanta emoção, que nós sabemos que não é apenas uma fala do personagem… que é uma fala também do Billy, que é uma fala por todos os LGBTQIA+ que passam por isso diariamente, pela realidade de ter um homem hétero menos talentoso do que você passando na frente só porque ele é hétero, por exemplo. A fala dele sobre os conselhos de “ficar apenas na escrita” porque “tinha a voz gay demais para poder ser um repórter” ou algo assim.

Doloroso. E real.

Voltarei a esses comentários mais tarde…

Bobby é um personagem interessante – complexo, talvez difícil de lidar, mas tão intenso e tão verdadeiro! Embora ele esconda uma parte de si mesmo até para ele… ele diz que não tem importância que ele nunca tenha “se apaixonado”, por exemplo, mas a verdade é que ele quer viver um romance – e a possibilidade surge quando ele conhece Aaron em uma balada. Aaron é aquele tipo de gay que é gostoso e sabe que é gostoso: confiante de mais, chamando a atenção por onde passa, sem dificuldade alguma para fazer sexo e podendo ser “confundido com hétero”. Eventualmente, o filme vai desconstruindo isso, e essa é uma das partes mais interessantes de “Mais Que Amigos”, porque a verdade é que Aaron não é feliz como é, e ele é o resultado de uma criação e de uma sociedade heteronormativa que sempre o fez “esconder” quem é.

Essa é uma outra discussão que aparece com força quando o relacionamento de Bobby e Aaron já avançou um bocado e Bobby é apresentado aos pais de Aaron, que vieram do interior e estão loucos para conhecer Nova York. O jantar em um restaurante musical (sério, eu queria jantar nesse restaurante!) acaba tenso quando o assunto do Museu LGBTQIA+ vem à tona e Bobby não consegue se segurar (e não deveria!), e pergunta por que ela, como professora da 2ª Série, não ensina sobre a história LGBTQIA+ para os seus alunos, e ela diz que “acha que eles são muito novos para isso”. Já tive discussões parecidas na vida, então eu entendo o Bobby perfeitamente. NÃO EXISTE isso de “novos demais” para aprender sobre respeito – crianças são ensinadas a serem preconceituosas, e é a melhor fase da vida para tentarmos ensiná-las a não ser… só assim construiremos um mundo melhor.

Apoiei muito tudo o que Bobby disse à mãe de Aaron!

O romance de Bobby e Aaron vai surgindo aos poucos… Bobby está se envolvendo, Aaron está se esquivando porque “tem medo de compromisso” ou algo assim, e sente mais segurança em fazer sexo grupal com um casal de amigos, por exemplo, do que correr o risco de subir ao apartamento de Bobby e tornar o que eles estão começando mais “íntimo”. Aos poucos, isso vai mudando, e toda a sequência da primeira vez deles é maravilhosa e inusitadamente divertida, porque começa com os dois “brigando” no Central Park, e é uma dinâmica que desperta tesão e que funciona, então eles a levam para dentro do quarto e talvez tenha sido o sexo mais prazeroso de ambos na vida – a julgar pela cena depois do sexo, eu diria que sim, porque eles estão absolutamente fofos se elogiando e se aconchegando um no outro, como se aquele fosse o melhor lugar do mundo.

Adoro assistir ao romance deles, às cenas que eles compartilham ao longo dos meses seguintes, e como isso coloca uma luz nos olhos de ambos. Uma das sequências mais bonitas do filme é a viagem que eles fazem juntos a Provincetown, para conversar com um milionário que Bobby espera que faça uma doação para o Museu LGBTQIA+ que ele está montando, e que Aaron surpreendentemente ajuda a doar muito mais do que Bobby esperava – afinal de contas, Aaron é advogado e trabalha com testamentos, então ele “tem um jeito” para falar com pessoas ricas excêntricas… mas esse também é um trabalho que Aaron detesta, e na verdade ele sonhava em fazer chocolates, mas sempre foi algo que ele escondeu, porque ele sabia que não teria o apoio da família para fazer algo assim. Então, ele escolheu uma profissão chata de que não gosta e o faz infeliz.

O conflito entre eles, que eventualmente os afasta, é muito maior do que o crush da adolescência de Aaron que finalmente se assume gay, e não pode ser reduzido a isso – esse é, talvez, o elemento mais fraco de toda a separação. O afastamento justo de Aaron e Bobby tem muito mais a ver com o fato de eles serem muito diferentes em como lidam com sua sexualidade, e eu consigo entender um pouco dos dois lados… Aaron foi criado muito mais preso, se “acostumou” a esconder sua homossexualidade e, mesmo assumido há anos, ele não tem a confiança que Bobby tem, o que é profundamente triste; no caso de Bobby, por outro lado, ele passou por tanta coisa na vida para conquistar/escolher essa confiança que mostra, que ele não pode e não deve aceitar que alguém peça que ele “seja mais discreto” ou algo assim…

É algo muito sensível e muito pessoal para ele.

Que bom seria se todos pudéssemos ser Bobbies, não?

Ainda vai além disso… existe um elemento de insegurança mútuo que pode ser quase “surpreendente”, porque Bobby não esperava aquilo de Aaron. Bobby sente que pode “não ser suficiente” para Aaron, que ele não é o tipo de homem para quem Aaron olha em festas, e isso é doloroso demais! Mas Aaron também inveja a confiança de Bobby, sua capacidade de ser quem ele é e não ter medo disso, e ele o pressiona a ser mais ele mesmo, o que pode ser difícil, mas não é necessariamente algo ruim. A conversa dos dois quando Aaron reconhece que pisou na bola é fortíssima, bonita e emocionante. Aaron é intenso e sincero, mas Bobby diz que não pode fazer isso com ele mesmo… ele o beija, mas vai embora, e Aaron grita dizendo que se Bobby acreditou que “não era digno de ser amado como é”, ele é a prova viva de que ele estava errado.

QUE LINDO!

Acho que ambos precisavam daquele tempo… Aaron precisava reconhecer de fato o que sentia, precisava sentir falta de Bobby, e Bobby precisava de um tempo para si antes de decidir dar uma segunda chance, mas ele o faz. E então temos aquele momento típico do “grande gesto” que encerra uma comédia romântica, e é um momento lindíssimo de trazer lágrimas nos olhos! Bobby manda uma mensagem simples para Aaron (“Hey, what’s up?”), mas que significa muito para eles, e Aaron, em toda a felicidade mais fofa do mundo, nem a responde – mas corre até a inauguração do Museu LGBTQIA+, porque quer estar lá nesse momento com Bobby, e agora tem a “autorização” para estar. O discurso de Bobby, a música que ele escreveu para Aaron e que canta agora, os olhos de Aaron se enchendo de lágrimas, o Bobby mandando Debra Messing esperar porque precisa beijar Aaron.

O beijo dos dois…

Lindíssimo.

Uma comédia romântica divertida e consciente, que me fez rir e chorar – e refletir. Como eu comentei no início do texto, eu fico muito feliz quando filmes como esse são feitos, e por mais de um motivo… primeiro, vou comentar sobre algo que também comentei enquanto escrevia sobre “Uncoupled”, a nova série do meu crush eterno Neil Patrick Harris, na Netflix: eu fico extremamente contente em ver histórias sobre gays maduros sendo contadas, porque muitas vezes recebemos apenas filmes, séries e livros adolescentes/jovens, que falam sobre a descoberta e aceitação da nossa sexualidade, o que eu acho, também, extremamente importante e adoro assistir; mas, como um gay maduro eu mesmo, gosto muito de me ver representado na tela através de um gay bem-sucedido de 40 anos, que enfrenta, também, outros tipos de problemas…

Minha reflexão final, depois de assistir a “Mais Que Amigos”, vem em paralelo àquela cena do início do filme, quando Bobby conta sobre a sua entrevista com o estúdio de cinema que queria que ele escrevesse uma comédia romântica de que “héteros também pudessem gostar”, e percebo a realidade de que existem coisas que héteros jamais vão entender… eles nunca vão saber sobre tudo que nos foi roubado durante a vida, sobre como passamos anos sem sermos nós mesmos, sobre como muitas vezes não temos as experiências que algumas fases da vida deveriam trazer, como nossa vida “se atrasa” por isso… eu beijei pela primeira vez aos 19 anos, por exemplo, mesma idade em que me assumi… como minha vida poderia ter sido diferente se eu não vivesse em uma sociedade preconceituosa e heteronormativa? Felizmente, como professor do Ensino Médio atualmente, eu vejo alguns dos meus alunos assumidos há anos, sendo eles mesmos desde mais jovens do que eu pude ser, e isso nunca falha em me emocionar e me deixar feliz.

 

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