O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children, 2016)


A minha impressão às vezes era que eles não sabiam o que estavam fazendo!
Eu deixei o cinema decepcionado, essa é a verdade. Um pouquinho assustado também, descrente, triste. Lamento. O que eu faço agora é lamentar. Me desculpem desde já se o meu texto assumir um tom muito amargurado, mas eu adoro a história, e a versão para o cinema é brutalmente mutilada de forma vergonhosa. Mas olha… eu não sou um grande chato que fica sempre defendendo o livro e massacrando o filme. Ah, não. Por exemplo, para mim O Senhor dos Anéis é melhor em filme que em livro. E há outros exemplos… Maze Runner, por exemplo, e especialmente Prova de Fogo, é extremamente distante do livro, mas ainda assim o filme é tão bom que eu adoro o filme! Infelizmente, até filmes questionáveis como Percy Jackson se saíram melhor em sua adaptação que O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares, então vocês sabem que é algo sério. Eu acredito que o segundo Percy Jackson, por exemplo, mesmo com TODAS as diferenças (e não são poucas), captou o espírito do livro, no estilo e no tom. Acho que foi bem condizente, o que não aconteceu aqui.
O Lar das Crianças Peculiares NÃO consegue captar o espírito do livro. O tom da história. Acho que faltou muito cuidado na produção, faltou atenção aos detalhes. O começo do filme parece feito às pressas, com cenas cortadas jogadas de qualquer jeito numa pressa terrível para se chegar a algum outro lugar. Eu sinto que eu entendi aquele começo todo porque eu tinha lido o livro. Não houve uma proximidade bonita de Jacob com o avô. Pior, não houve o doloroso sofrimento de Jacob depois da morte dele, aqueles dias que ele passa sem conseguir sair da lavanderia por exemplo… eu entendo a restrição de tempo que o cinema impõe, afinal de contas é outra mídia, mas eles pareciam querer colocar um número muito grande de coisas em pouco tempo, sem o cuidado de amarrar ou de dar significado às coisas que estávamos vendo. Tudo foi simplesmente jogado ali e as cenas se sucediam de uma forma tão rápida que eu não sei direito o que pensar.
Vou elogiar alguns pontos, para eu não ficar aqui como o reclamão. Eu acho que eles tinham tudo para fazer um bom filme… quer dizer, visualmente estava muito bonito, graças ao Tim Burton (pena que parece que essa foi a única parte do filme que ganhou atenção). Os personagens não me lembravam nada os personagens do livro, mas não é nisso que estou pensando agora. Estou pensando na própria construção da Ilha, estou pensando na construção do Orfanato todo destruído pela bomba, estou pensando no Orfanato colorido, aquelas fontes e árvores que a Fiona construiu na forma de animais. É tudo muito bonito, muito cheio de cor, mas eu ainda consigo sentir algo de esquisito e de macabro naquilo tudo, o que era a intenção. E em meio a alguns efeitos nem tão bons assim, nós temos sequências espetaculares, e me refiro especificamente ao momento em que a Srta. Peregrine vai reiniciar a fenda e as crianças ficam do lado de fora, empolgadas, assistindo. Jacob se assustando e se abaixando enquanto ninguém faz nada. As máscaras de gás (“Are you my mummy?”), as bombas caindo, então o tempo parando e retrocedendo em 24 horas.
Eu achei aquilo fenomenal!
Mas os personagens não são os meus personagens. Eu adoro o Asa Butterfield, e eu acho que ele é um super ator (e muito fofo!), mas ele não tem a profundidade que o meu Jake tinha quando eu li o livro. A Srta. Peregrine para mim também está meio forçada, meio jovem demais. Mas as crianças… com exceção de algumas, tipo de Claire (que está bem parecida com o que eu esperava, e o próprio Hugh – ah, e o Millard, adoro!), eu fiquei meio incomodado. Por exemplo, eu não conseguia escutar o Jake chamando aquela garota loira que voava de Emma, e cada vez que isso era dito me doía um pouco. Não entendi qual o motivo que levou o roteiro a trocar Emma por Olive (agora Olive aparentemente solta fogo!) de forma tão brutal, mas eu não gostei. E eu não gostei da personagem de Emma como construída no filme. Esperava uma garota mais forte, mais determinada; um pouco mais grossa, irritada e perigosa. Não aquela menininha toda bobona…
Uma das coisas que eu gostei que o filme fez (embora não tenha lá feito da melhor maneira possível) foi trazer o personagem de Abe novamente antes do fim. Quer dizer, a cena da morte e o sofrimento todo do Jacob que se seguiu ao evento foi desprezado, mas nós tivemos ele de volta. Primeiro quando ele liga para a fenda em 03 de Setembro, e em uma das vezes é Jacob quem atende e diz coisas muito bonitas para o avô que realmente me comoveram. Depois, quando numa fenda em Janeiro de 2016 (volto a isso mais tarde), Jake consegue sair correndo daquele parque e ainda se encontrar com o avô uma última vez, mostrar-lhe que ele já sabia de tudo, que ele já tinha conhecido a Srta. Peregrine, o orfanato e as crianças peculiares. Eles podem ter um último momento de avô e neto, e então ele dá um conselho muito bonito que o faz sair correndo e ir atrás de sua própria vida, finalmente seguindo em frente, o que era a intenção toda desde que a Dra. Golan (na minha cabeça era um homem, mas tudo bem) o aconselhou a ir para a Ilha.
Cairnholm.
Mesmo com tudo muito rápido e com emoção limitada, no início eu estava bem disposto. Mas o clímax me destruiu totalmente, e foi o que realmente motivou essa análise negativa. Acho que independente do que você acredita, a maioria das pessoas deve concordar que é um livro forte, melancólico, quase deprimente! E eles se entregaram no filme a um conjunto de piadinhas bobas e um humor forçado e duvidoso como aquele lance das balas de menta para “Emma”. Não gostei do tom (risonho, piadinhas pior que filme B, os acólitos tão ridículos que não podiam nem ser considerados vilões), de jeito nenhum, e a cena do parque em 2016 me fez querer me enfiar embaixo da cadeira do cinema e nunca mais sair. Inicialmente me pareceu estranho sair de uma fenda na década de 1940 para Janeiro de 2016, mas quando eles passam eu achei que o cenário poderia até ser bom, embora sair de lugar nenhum. Mas pobre criança inocente… as cenas só podem ser descritas como vergonha alheia. Aquelas bolas de neve contra os etéreos, aqueles esqueletos do navio lutando contra eles. Foi uma cena pior que a outra.
Parecia (inclusive na trilha) um joguinho de videogame a não ser levado a sério.
Eu estava desconfortavelmente inquieto na poltrona.
Cena de humor que me agradou: Fiona crescendo aquela cenoura e Bronwyn carregando!
Infelizmente, eles erraram brutalmente no tom. Eles transformaram O Orfanato, uma história complexa, pesada e sombria em um filme infantil, todo divertidinho e colorido. Foi deprimente, mas pelo motivo errado. Não acho que eles vão conseguir fazer Cidade dos Etéreos para o cinema, e agora já fico feliz. Porque teve todo aquele lance do Jake andar pelas fendas temporais e chegar a 1942, até entrar para a Marinha antes de reencontrar “Emma” (até foi legalzinho) e a Srta. Peregrine não estava mais presa. As outras ymbrynes também não estavam mais presas. Aparentemente o plano dos etéreos e acólitos já tinha terminado… ah, eu nem falei do quão ridículo ficou parecendo aquelas cenas dos etéreos comendo olhos de peculiares, né? Okay, acho que vocês já perceberam que esse é o tom próprio do filme como um todo. Eu recomendo que vocês leiam o livro. O livro é espetacular, denso, proporciona muitos questionamentos e nos arrepia. O filme é apenas um eco mal feito que merece ser desconsiderado.
Mas leia o livro, vale a pena!

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