Black Mirror – White Christmas

 

Merry Christmas?

WOW! De longe um dos MELHORES EPISÓDIOS da série! “White Christmas” é um interessante “Especial de Natal” que traz o melhor da ficção científica e aquilo que “Black Mirror” sabe oferecer de melhor: questionamentos e angústia. “White Christmas” acompanha a história de dois homens, Matt e Joe, confinados em uma casinha durante uma nevasca, preparando a ceia de Natal e compartilhando suas histórias e o que “os levou até ali”. Gosto muito da construção de “White Christmas”, porque por muito tempo você ainda não sabe bem o que está acontecendo, mas “Black Mirror” cria uma narrativa tão interessante que você acompanha avidamente, fascinado… gosto de como o episódio longo (1h13min) é “dividido” em contos que, na verdade, compõem uma mesma grande história, e de como tudo é inteligentemente amarrado no final.

Gosto, também, dos questionamentos que o episódio levanta.

Ficção científica em seu melhor, certamente!

Matt é quem começa a compartilhar suas histórias… na primeira delas, ele conta sobre um “trabalho” ilegal que ele fazia, que consistia em ajudar homens tímidos a ficarem com mulheres em festas – nesse caso em particular, uma festa de fim de ano de uma empresa da qual o homem não faz parte. Elementos importantes são discretamente apresentados aqui, enquanto temos umas tecnologias que me fizeram pensar em “The Entire History of You”. O crime de Matt não era ajudar os homens e dar-lhes conselhos, mas assistir a tudo através de seus olhos, compartilhar com um grupo de outras pessoas, inclusive os momentos mais íntimos do encontro, sem o consentimento da mulher… o que ele não esperava era que ele e o grupo presenciassem um assassinato, e quando tudo vem à tona, a esposa de Matt discute com ele e faz algo inusitado: ela o bloqueia.

Fico me perguntando as consequências de se poder bloquear alguém na vida real.

A ideia é MAGNÍFICA e ATERRADORA… mas guardemos isso para mais tarde.

Depois, Matt compartilha com Joe uma história sobre o seu trabalho, e descobrimos que Matt trabalha com cookies, que são uma espécie de cópia da mente de uma pessoa feita e armazenada em uma pequena máquina, com os mais variados propósitos. Eu acho que uma das coisas que mais me interessam em “White Christmas” é essa aparente mudança brusca de cenário e de história – a princípio, não vemos nenhuma conexão entre essa história do emprego de Matt com a primeira, a não ser o fato de ambas terem a participação de Matt e estarem sendo contadas, agora, para Joe. No mais, há uma mudança de cenário, de linguagem, da paleta de cores, e isso causa certo desconforto, porque é como se tivéssemos trocado de episódio sem perceber, com a estranheza de ter deixado um não-finalizado e estarmos “repetindo um rosto” pela primeira vez.

A história do trabalho de Matt é muito bem desenvolvida e levanta algumas discussões da ficção científica que já foram abordadas em outras obras, em relação a robôs e inteligências artificiais: esse cookie, que é uma cópia da mente de uma mulher, é real ou é apenas uma máquina? E quando podemos nos empolgar em responder depressa que “é apenas uma máquina”, a partir do momento em que o cookie também pode pensar, sentir e sofrer… continua sendo apenas uma máquina? É justa a tortura que lhe é imposta? Porque aquela mulher, ou a cópia dela, está visivelmente atormentada e infeliz lá dentro, sendo tratada como escrava para que o seu “eu real” possa acordar na hora certa, ter a agenda organizada, o chão aquecido e a torrada do jeito que ela gosta. Além da maneira como Matt pode manipular o tempo, fazer com que passe, para ela, três semanas ou seis meses, enquanto ele dá uma mordida na torrada e só.

É apavorante!

Depois que Matt conta suas histórias e consegue chegar a Joe de alguma maneira, ele consegue fazer com que Joe se abra… com que Joe conte, também, a sua história – e é aqui que as coisas vão começar a se fechar, a se conectar. A história de Joe era o que esperávamos, era aonde o episódio queria chegar. Joe conta sobre o seu casamento, sobre como seu sogro nunca gostou dele, e conta o que aconteceu quando a esposa descobriu que estava grávida e não queria ter o bebê. As coisas se tornam verdadeiramente desesperadoras quando Joe parece querer ter um filho, mas a esposa diz que não e, no meio de uma discussão, ela acaba o bloqueando e diz que eles conversarão no dia seguinte. Ao invés de fazer o que prometeu, no entanto, a esposa de Joe o mantém bloqueado e então vai embora, desaparece por completo, sem nunca mais lhe dar sinal de vida.

Aqui, exploramos as consequências do bloqueio na vida real. A pessoa bloqueada na vida real, através de algo implantado no olho/cérebro de todo mundo, não pode ser vista ou ouvida por quem a bloqueou, e ela também não pode ver ou ouvir essa pessoa… se tornam um borrão de estática. E isso acaba perturbando Joe, e eu não acho que ele seja o vilão de nada aqui, apesar das consequências fatais de seus atos. Mas eu entendo sua angústia, porque a facilidade do “bloqueio” acaba sendo escolhida sobre a conversa e um fechamento adequado para situações como essa… Joe descobre que a esposa acabou levando a gravidez adiante, mas ele não pode vê-la, não pode ver as fotos que tinha com ela, não pode ligar para ela e mesmo a filha, quando nasce, não pode ser vista por ele. Isso tudo acaba sendo demais para Joe, que ano após ano as visita no Natal, sentindo que está fazendo parte disso tudo.

Até que a esposa morre – e, com ela, o bloqueio. Ali as coisas se tornam surpreendentes, porque Joe pode finalmente se aproximar da filha no Natal, e então ele descobre que a garota não era sua filha, no fim das contas, mas filha de sua esposa com um amigo deles, e é por isso que ela o bloqueou durante todos esses anos… Joe está visivelmente transtornado, querendo ver a filha (que, na verdade, não existe, porque ele não teve nenhuma filha), e então ele acaba agindo impulsivamente quando o seu sogro tenta expulsá-lo e ele o agride com o globo de neve que comprara para a garota – e o sogro morre por causa disso. É angustiante e desesperador ouvir Joe contar a sua história, enquanto chora, e enquanto conclui a respeito da garota, que também acabou morrendo por ter sido deixada sozinha na casa, porque quando ela saiu para procurar ajuda não chegou muito longe.

Morreu de frio.

E era isso o que Matt queria: QUE JOE CONFESSASSE. A ideia do episódio é brilhante, mas também revoltante em vários sentidos… descobrimos que o Joe que vimos naquela casa durante todo o episódio é, na verdade, o cookie do Joe verdadeiro – esse, por sua vez, mantido detido na delegacia enquanto eles tentam conseguir uma confissão dele para condená-lo pela morte do velho e da criança. E Matt consegue fazer com que ele, ou o seu cookie, que também é ele, confesse, conversando com ele, manipulando-o, torturando-o psicologicamente, fazendo com que ele acredite, por exemplo, que está naquela casa há 5 anos, quando só se passaram, na verdade, 70 minutos… eu adoro a maneira distópica como esses futuros tecnológicos são construídos em “Black Mirror”, e a verdade é que eles causam tanta angústia porque sabemos que as pessoas agiriam exatamente assim.

As tecnologias apenas tornam algumas ações possíveis, mas a brutalidade do episódio está na tortura descabida que nos lembra um pouco de “White Bear”, no fim das contas… não é a mesma coisa, mas pensamos no prazer de sentir que “você está torturando alguém, fazendo alguém pagar por algo” – é totalmente descabido deixar o cookie de Joe, que também é ele, de alguma maneira, sofrendo eternamente sozinho dentro daquele lugar, enquanto o policial sai satisfeito para celebrar o Natal, deixando o cookie programado para 1.000 anos por minuto… isso quer dizer que, em apenas um dia, Joe estará dentro daquele cookie sofrendo por quase um milhão e meio de anos – ele terá enlouquecido muito antes de chegar a isso, na verdade. Enquanto isso, Matt também é punido por suas atividades ilegais e sua omissão no caso do homicídio e ele acaba sendo bloqueado por todos. Ou seja, ele está do lado de fora, no “mundo real”, mas tão isolado quanto Joe.

Um enlouquecendo lá dentro.

Outro enlouquecendo aqui fora.

QUE EPISÓDIO FORTE E IMPACTANTE!

 

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