Uma Canção de Amor e Ódio (Vinícius Grossos)

“Eu vejo você”

Excitante, irreverente, sincero, reflexivo… “Uma Canção de Amor e Ódio”, de Vinícius Grossos, é um delicioso livro com protagonismo LGBTQIAP+ com uma sinopse interessante e personagens carismáticos, que nos levam a sentir coisas com eles. Podemos sentir raiva, podemos sentir tesão, e podemos sentir todo o peso que às vezes é colocado sobre nós, que temos tantos aspectos de nossa vida roubados e/ou dificultados apenas por sermos quem somos. Não acho que seja o melhor livro de Vinícius Grossos, para dizer a verdade, mas é uma leitura prazerosa que me envolveu e fez com que eu virasse as páginas avidamente, porque eu queria saber mais sobre Benjamin e Theodoro, como eles se conectariam, se apaixonariam… e como eles fariam história.

Benjamin e Theodoro, ou Ben e Theo, os protagonistas de “Uma Canção de Amor e Ódio”, são dois cantores brasileiros que estão explodindo nos serviços de streaming e fazendo muito sucesso com o público. Ben é um garoto bissexual muito bonito e talentoso, que adora chamar a atenção e se envolver em polêmica, o que basicamente faz com que ele nunca saia da boca do povo, mas embora pareça que ele “adora alimentar os portais de fofoca para se promover” ou algo assim, na verdade ele só está querendo viver a vida ao máximo e ser ele mesmo. Theo, por sua vez, é o típico “garoto certinho”: extremamente talentoso, Theo é reservado e conseguiu se manter afastado de polêmicas durante toda a sua carreira… pelo menos até a apresentação no Pop in Rio.

O livro começa no grande dia da carreira de Ben e Theo. Eles ainda não são grandes o suficiente para ser a atração principal de um festival de música como o fictício Pop in Rio, mas eles vão abrir um show e se apresentar na mesma noite de pessoas como a Pabllo Vittar, a Ariana Grande e a Lady Gaga… mesmo com 10 minutos em cima do palco cada um, essa é A GRANDE CHANCE DE SUAS VIDAS! E Ben quer fazer valer a pena – mas as coisas não saem como ele planejou quando ele descobre que não vai ser o último dos quatro artistas em ascensão a se aproximar e quer saber? Eu achei bem-feito! Toda a marra de Benjamin que o impediu de comparecer aos importantes ensaios fizeram com que ele e Theo tivessem as ordens de apresentação invertidas, e Theo fica por último…

O que deixa Ben furioso.

A proposta de “Uma Canção de Amor e Ódio” é algo como enemies to lovers, mas, no fim, é bem unilateral. Afinal de contas, Ben detesta o Theo, tanto porque eles surgiram ao mesmo tempo e vivem disputando a atenção da mídia ou a primeira posição nos charts, quanto porque ele não consegue deixar de pensar que toda aquela pose de bom moço do Theo é forçada para que as pessoas gostem dele ou algo assim, mas nós não sentimos o mesmo vindo de Theo… praticamente todo o livro é narrado do ponto de vista de Benjamin, e desde o início eu preciso dizer: EU ESTAVA APAIXONADO POR THEO E 100% AO SEU LADO. Talvez eu nem seja muito dessas coisas, mas eu comprei a sua postura de “bom moço que não se envolve em polêmicas”, me pareceu genuíno.

E era mesmo, no fim das contas.

Isso não impede o Benjamin de fazer um fiasco nos bastidores do Pop in Rio que acaba com os dois caindo para fora do palco na frente de todo mundo e indo parar em todos os portais de fofoca, por causa da suposta briga que eles protagonizaram… e que, agora, os empresários precisam “consertar” de qualquer maneira. A premissa de “Uma Canção de Amor e Ódio” me recorda um pouco a de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, porque também havia, entre Alex e Henry, essa suposta rivalidade, que se torna evidente quando eles caem em cima de um bolo e parece que eles estavam brigando (embora no caso de Alex e Henry tenha mesmo sido um mal-entendido), e então eles precisam fazer alguma coisa para “conter a crise” quando o escândalo explode.

Aqui, Ben e Theo são “confinados” em um hotel no Rio de Janeiro por mais uma semana depois do Pop in Rio para comporem juntos uma música e venderem a ideia de que eles são grandes amigos… e nós sabemos perfeitamente o que vai acontecer: eles vão se aproximar, se conhecer além das aparências e do que a mídia mostra, se conectarem e se apaixonarem. E, enquanto lemos, estamos ansiosos para ver isso tudo se desenrolar. Vinícius Grossos entrega uma leitura simples e gostosa que faz com que nos apaixonemos por seus personagens, e é interessante narrar o livro do ponto de vista de Benjamin, porque ele é um protagonista imperfeito de quem precisamos aprender a gostar… afinal de contas, não dá para negar que ele foi um BABACA desde o início.

E ele só começa a baixar a crista uns dois dias depois… primeiro, ele foge da responsabilidade de escrever uma música com Theo e age como se ele estivesse de férias no Rio de Janeiro ou algo assim, e aparece atrasado para uma entrevista no “Fantástico”, por exemplo, porque nem se deu ao trabalho de olhar o cronograma com as suas responsabilidades… naquela entrevista, no entanto, percebemos como há espaço para uma aproximação, como o Theo fica tenso com o Benjamin colocando a mão na sua coxa, por exemplo, enquanto o Ben só está tentando vender a ideia de que eles se sentem muito confortáveis um na presença do outro ou qualquer coisa assim… para ele, tudo é uma encenação, até aquele momento em que ele encontra Theo no elevador.

E, vulnerável, Theo parece uma pessoa de verdade.

Gostei muitíssimo de acompanhar Ben e Theo se aproximando – e, quando Ben dá abertura o suficiente para isso, fica mais do que evidente que o problema sempre foi ele… e que o Theo é realmente uma boa pessoa e ele nunca tinha parado para pensar que talvez ele fosse genuinamente da maneira como é retratado pela mídia. As interações fluem, e quando percebemos, estamos lendo sobre Ben e Theo fazendo uma guerra de água na piscina e rindo juntos, enquanto o som da risada de Theo faz com que Ben se sinta bem, de uma maneira que ele nem sabe bem explicar. Ou talvez saiba, no fim das contas, porque, na tentativa de conhecer melhor o seu “novo amigo”, Ben faz uma pergunta que mexe com Theo: se ele já beijou garotos antes.

Naquele momento, Theo não quer responder.

Infelizmente para tantos de nós, acabamos nos reconhecendo nessa coisa de “se apaixonar por um cara hétero”, e entendemos perfeitamente o que Ben quer dizer quando diz a si mesmo que não pode fazer isso com ele – afinal de contas, ele é um homem bissexual bem resolvido, e apaixonar-se por um cara hétero é a última coisa que ele devia fazer. Como ele pode negar o tesão que sente, no entanto, quando ele aparece no quarto de Theo e o Theo abre a porta apenas com uma toalha branca enrolada na cintura e um corpo de tirar o fôlego que me deixou meio sem ar só ao ler a descrição de Vinícius Grossos, imagina vendo ao vivo… não culpo o Ben por tudo o que aconteceu depois, sabe… aquela tentativa desesperada de acabar com uma ereção.

Com uma solução assombrosa, por sinal.

Credo, fiquei com medo de ter pesadelos com aquela visão que ele evoca.

Eventualmente, Ben precisa admitir que parte do “ódio” que ele sempre sentiu de Theo era tesão reprimido, e ele pode finalmente colocar isso para fora quando Theo aparece de surpresa no seu quarto e, em um dos MELHORES MOMENTOS DO LIVRO, ele se aproxima de Ben, o beija e diz que “sim, ele já beijou garotos”. Gay, Theodoro tem uma cláusula no seu contrato que o impede de se assumir, mas naqueles poucos dias que ele compartilha com Benjamin em um hotel no Rio de Janeiro, ele pode ser ele mesmo, e provavelmente ele é mais feliz do que é há muito tempo… a maneira como eles se conectam, sexual e emocionalmente, como eles se entregam ao amor, ao desejo, ao sexo e à paixão pela música, tudo aquilo é envolvente e delicioso de se ler.

Sexualmente, o livro é uma delícia. Vinícius Grossos se desinibe de qualquer pudor e escreve sequências sexuais intensas e explícitas, com um vocabulário real que retrata esse romance jovem, quente, repleto de desejo, de tesão, de vontade, de prazer… livre de vergonha e de julgamentos. E cada passagem hot do livro era, consequentemente, um prazer. E elas estão AOS MONTES espalhadas por todo o livro “Uma Canção de Amor e Ódio”, o tornando quase um romance erótico, daqueles que adoramos ler, e eu gosto de como o autor aposta na criação da expectativa até a primeira vez em que Theo e Ben transam… como há momentos em que eles quase chegam lá, mas não podem, até o fatídico Capítulo 28, quando eles podem fazer tudo o que querem fazer um com o outro.

E UAU.

Como um homem gay, nada puritano e apaixonado por sexo, pude me ver e/ou me imaginar nessas passagens quentes de Ben e Theo, e é justamente a proposta de Vinícius Grossos… enquanto narra essas “aventuras sexuais” dos protagonistas, o autor quer despertar no leitor sensações semelhantes às que eles estão sentindo, e cada passagem erótica acerta em cheio e nos excita, nos desperta e nos dá prazer. O sexo oral detalhado, as diferentes posições que Ben e Theo experimentam, o prazer sentido de diferentes maneiras, o momento surpreendente em que Theo quer inverter as posições e eles se despem de qualquer inibição e transam na varanda do hotel, o que acaba se mostrando o motivo pelo qual tudo desanda na vida de ambos, quando eles só estavam se amando.

É muito triste pensar em todas as discussões que o livro levanta em relação à comunidade LGBTQIAP+, e nos reconhecemos nas dores de Theo e/ou de Ben, e ecoamos aquela pergunta que Ben faz a si mesmo: por que as coisas têm que ser mais difíceis para nós? Por que não podemos simplesmente nos amar e ser quem somos? Uma passagem do livro me fez pensar em algo que eu penso com frequência nesse tipo de obra: na maneira como tanta coisa é tirada da gente, é negada durante a vida. Eu nunca tive a oportunidade de ter um romance na escola, por exemplo, eu não vivi a fase do primeiro amor na adolescência, do primeiro beijo, nada disso… tudo veio tardiamente, começou aos 19 anos, porque foi o momento em que eu comecei a me entender e me aceitar.

Conforme se aproxima o fim dos dias que Ben e Theo vão compartilhar no Rio de Janeiro, Ben se pergunta como as coisas serão dali para a frente, se eles vão continuar juntos, nem que seja escondido. E isso levanta uma série de outras discussões. É muito triste, para alguém como Ben, que já saiu do armário, voltar a se esconder – embora ele não fosse esconder sua sexualidade, ele esconderia o seu relacionamento com Theo, mas estava disposto a fazer isso por Ben. Theo, por sua vez, por mais que também esteja perdidamente apaixonado por Ben, não pode pedir ou permitir que ele faça isso, porque sabe que vai acabar trazendo sofrimento para ambos, e ele não pode correr nenhum risco, porque do contrato com a gravadora depende sua carreira e o dinheiro para o tratamento de câncer da mãe, por exemplo…

Como eles poderiam seguir juntos?

Fico profundamente triste por ambos, de verdade, quando esses problemas se anunciam. Fico particularmente triste porque sabemos que isso não é uma “invenção” da cabeça de Vinícius Grossos nem nada assim, mas a dura representação daquilo que tantos de nós passam diariamente. E Theo precisa de tempo… sair do armário é um processo intrinsecamente pessoal, portanto Theo precisa estar preparado para isso. É verdade que, assim que esse dia chegar, Theo se sentirá mais livre, mais leve, sem um peso que às vezes a gente nem percebe que está carregando. Eu, particularmente, sinto que nunca fui tão feliz quanto fui quando finalmente eu me assumi como um homem gay, porque, dali em diante, eu podia finamente ser eu mesmo e não esconder parte de mim.

É uma sensação libertadora, de fato.

Quando Ben e Theo transam na varanda do hotel, no entanto, eles acabam sendo fotografados. Eles foram jovens, apaixonados e inconsequentes, esqueceram-se de qualquer cuidado porque estavam envolvidos demais no momento e um com o outro para pensar que podiam ter a falta de sorte de serem vistos bem naquele momento… mas são. E, ali, o mundo de ambos desaba. Para “conter a crise”, as equipes dos dois surgem com um plano de contenção que deixa a ambos arrasados: como não dá para ver que Theo é o cara com Ben nas fotos, ele vai negar que seja ele, e a equipe pretende, inclusive, usar a doença da mãe, sobre a qual a mídia ainda não sabe, para fazer drama caso a história cresça, enquanto Ben vai publicar as fotos ele mesmo e se fazer de vítima, enquanto sobem hashtags de que #BenMereceRespeito.

É um abuso, na verdade. A maneira como Ben e Theo não parecem ter escolha, como tudo foi decidido por eles, como eles são coagidos a aceitar os termos e não são perguntados a respeito do que eles acham, e é doloroso ver os caminhos se separando ali… na noite anterior, Theo parecia disposto a lutar pelo amor deles de qualquer maneira, mas, naquele momento, ele não sabe o que fazer, porque tudo é um golpe muito forte e vem com tudo, sem dar tempo para ele pensar e para fazer as coisas da maneira certa. E tudo acaba acontecendo exatamente como as equipes tinham planejado, o que pesa sobre ambos de maneira dolorosa, e eles mesmos acreditam que não existe muito mais como voltarem atrás, como eles retomarem o que lhes foi roubado.

Acho muito interessante como Vinícius Grossos faz uma pausa, aqui, trazendo um capítulo do ponto de vista de Patrícia, a empresária de Ben, e outro do ponto de vista de Yasmin, a irmã e melhor amiga de Ben, antes de dar a primeira voz a Theodoro, pela primeira vez. Ler aos capítulos de Theodoro é um golpe brutal. Sabemos que Ben está de coração partido e desiludido, depois de ter se apaixonado pela primeira vez e o amor lhe ter sido negado daquela maneira, mas Theo sempre foi mais sensível, e ele já estava passando por algo grande demais, então vemos tudo pesar sobre ele de maneira sufocante, e o autor aproveita-se dos capítulos de Theodoro para passar o tempo, enquanto acompanhamos a maneira como sua situação é cada vez pior.

Dói ler o que Theodoro está falando, sentindo e pensando… dói porque o seu estilo de narrativa é muito diferente do de Ben, e ele escreve tudo em parágrafos curtos, que na sua maioria só tem uma linha, porque é assim que as coisas estão acontecendo para Theo, é assim que a sua mente está funcionando: uma frase de cada vez, um pensamento rápido e cheio de dor por vez, sem tempo e espaço para elaborar, para ir além… Theo cai em depressão, deixa a música por um tempo, desaparece das redes e de todos os seus demais compromissos, vai para a terapia, começa a tomar remédio, perde peso, e é só assim que as pessoas começam a perceber o mal que lhe fizeram com aquela cláusula absurda que o impedia de revelar a sua sexualidade, porque aquela é uma parte dele que ele estava negando.

Por isso, é RECONFORTANTE ler as últimas páginas de “Uma Canção de Amor e Ódio”, e eu AGRADEÇO MUITÍSSIMO a Vinícius Grossos por nos dar aquele alento, por nos dar o presente de ver Ben e Theo felizes de novo. Cansados de ver o que o sofrimento está fazendo com o filho, os pais de Theo resolvem intervir, e o pai garante que vai dar um jeito na cláusula com a gravadora, mas, naquele momento, o que importa é que ele vá atrás de Benjamin – e, coincidentemente ou graças ao destino, o pai de Theo descobre que Ben está no Rio de Janeiro novamente, e é para lá que ele vai para reencontrar o homem que ama… no mesmo lugar em que eles se permitiram se conhecer, se apaixonar… no lugar em que tudo começou, que tudo terminou e que pode recomeçar.

Como é BOM ler aquele reencontro, vê-los bem, vê-los realizados, vê-los felizes.

Acho extremamente importante, em uma produção LGBTQIAP+ que se dedica a falar de descoberta, de amor e de preconceito, que haja esse toque colorido de esperança, e Vinícius Grossos faz isso muito bem. No emocionante último capítulo de “Uma Canção de Amor e Ódio”, Ben e Theo protagonizam uma cena revigorante com direito a um discurso lindíssimo de Benjamin, cheio de honestidade e sentimento, que é o que todos precisamos ler e ouvir de vez em quando: quem ainda não saiu do armário, quem está chegando lá, e mesmo quem já saiu há muito tempo e explodiu o armário no caminho… aquela mensagem de que um dia tudo vai ficar bem, que você pode ser quem você é e amar quem você quiser, que existem pessoas que te veem, que te amam e um mundo maravilhoso aqui do lado de fora.

Mais ou menos como disse o Vinícius Grossos e como eu já comentei em alguns dos meus muitos textos sobre produções LGBTQIAP+: tudo é no seu tempo, mas quando você estiver pronto para sair do armário, saiba que existe uma comunidade te esperando de braços abertos aqui do lado de fora, e nós queremos que VOCÊ SEJA FELIZ. Pode ser um processo assustador, e nem tudo será fácil para você, como “Uma Canção de Amor e Ódio” retrata bem, mas não quer dizer que não vale a pena… ser você mesmo não tem preço e todos têm esse direito, e você vai descobrir pessoas incríveis que talvez já estavam na sua vida e você nem sabia o quanto elas eram incríveis, além de todas as outras que você vai conhecer. Termino o livro emotivo e contente pela história que eu acabei de ler.

  

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