Sítio do Picapau Amarelo (1979) – O Curupira: Parte Final

“Ajuricaba, você não me disse quem você é”

Com a mensagem bonita do Ajuricaba reforçada nos últimos minutos, encerramos uma bela história da temporada de 1979 do “Sítio do Picapau Amarelo”, que trouxe a turminha às voltas com o Curupira na mata em torno das terras de Dona Benta e com as traquinagens de um Saci Trique, nascido de um gomo de taquara cortado por Emília… curiosamente, a minha parte favorita dessa história não foi, em nenhum momento, o Curupira que dá título à trama escrita por Benedito Ruy Barbosa, mas sim o Ajuricaba, em toda a sua bondade, humanidade e sabedoria, ensinando para as crianças – e, consequentemente, para toda a audiência jovem do “Sítio do Picapau Amarelo” – a respeito de como a água é vida e precisamos saber e lembrar disso!

No início da última semana de “O Curupira”, o pessoal do Sítio consegue se encontrar, colocar o Curupira para dormir com o plano da Emília e do Visconde e escapar, retornando em segurança para casa – e levando com eles o Ajuricaba, que se recusa a entrar na casa de Dona Benta, ainda que o Pedrinho tente convencê-lo dizendo que a avó quer conhecê-lo e falar com ele. Quando o garoto finalmente consegue convencer o Ajuricaba a entrar com ele, no entanto, o Curupira aparece, desperto de seu sono muito antes do que a Emília esperava que fosse acontecer, e então um novo problema se anuncia: ele quer que lhe entreguem o pequeno que escapou da mata e “os homens do machado”, e é então que o Ajuricaba parte em defesa de Pedrinho… mas com uma mentira.

Como o Curupira já tinha mandado o Pedrinho matar os “homens do machado”, o Ajuricaba diz que foi isso o que o garoto fez. Como prova, no entanto, o Curupira quer que Pedrinho leve os corações dos homens para ele na manhã seguinte, e eles precisam pensar em como escapar dessa depressa… Emília sugere dar corações de galinha no lugar dos corações dos homens, com uma história a respeito de como “eles eram tão maus que quase não tinham coração”. Eles torcem para dar certo, é claro, mas sabem que é um plano arriscado… o Curupira não gosta de ser enganado. E, de fato, o Curupira reconhece os corações como “corações de aves”, e Ajuricaba precisa novamente defender o Pedrinho, dizendo que aqueles não são corações de aves de bando…

Sem ter outra alternativa frente àquela situação toda, o Pedrinho conta toda a verdade… ele diz que os corações são de galinhas que foram criadas em galinheiros no Sítio do Picapau Amarelo, mas ele também joga com o Curupira, dizendo que se ele fizer algo contra ele, a sua avó vai mandar queimar toda a mata, mesmo que com dor no coração. Firme, Pedrinho tenta fazer o Curupira entender que ele não é uma má pessoa e que também gosta da mata e dos bichos, e Ajuricaba está ao seu lado, então ele faz um novo trato com o Curupira: Pedrinho fica livre para retornar para casa, mas ele precisa fazer uma coisa ao retornar: ele precisa soltar todas as galinhas e demais aves que estão presas no Sítio… uma verdadeira confusão com tanto bicho solto por ali!

Ajuricaba também protagoniza cenas EXCELENTES falando a respeito de sua realidade… não apenas sobre a mata e tudo o que foi ensinado sobre ela de geração em geração entre o seu povo, mas também sobre o extermínio dos indígenas, as doenças que foram trazidas pelos brancos e contra as quais os indígenas não tinham imunidade, e a luta de resistência que ele enfrentou… depois de sua partida, Dona Benta conta mais histórias a respeito da resistência do povo de Ajuricaba, e o Visconde de Sabugosa vai ler tudo o que pode a seu respeito, porque ele está curioso – e chega à conclusão de que ele não é “apenas” um indígena como outros… para o Visconde, todo o poder e a sabedoria de Ajuricaba mostram que ele é algo a mais… talvez uma espécie de “deus da mata”.

E é bonito pensar em Ajuricaba convertido nesse símbolo!

Também temos a história do Saci Trique, que está dando o que falar no Sítio de Dona Benta… ele está atormentando todo mundo com todo tipo de traquinagem possível típica de saci – coisas desaparecendo, o leite talhando, os ovos estragando, as roupas aparecendo amarradas. Um caos. Emília tenta “resolver” toda a situação porque acredita que o Saci Trique é “seu”, e ela também quer de volta a canastrinha que foi levada pelo Trique, mas apenas a Tia Nastácia e o Tio Barnabé, com toda a sua sabedoria sobre criaturas da mata, é que sabem métodos realmente eficientes para capturar um Saci Trique… quando o Zé e o Malasartes tentam usar uma tática do Tio Barnabé para obrigar o Saci Trique a devolver a canastrinha da Emília (em troca deum bolo de fubá), eles compram uma briga e tanto.

E se já parecia que o Saci Trique estava dando dor de cabeça, as coisas pioram ainda mais e toda a turminha precisa se reunir para “laçar” o novo sacizinho e fazer com que ele devolva tudo. No fim das contas, quem ajuda a turminha é o Ajuricaba – sábio e conhecedor da mata e de suas criaturas, Ajuricaba conversa com o Saci Trique através de assobios e faz com que ele devolva a carapuça do Saci Pererê (!), a canastrinha da Emília e todas as demais coisas com as quais ele desaparecera, e então ele o leva embora consigo, para “conhecer outras terras”. Na despedida, Pedrinho chama o Ajuricaba para perguntar quem ele é – “Espera aí, Ajuricaba. Quem é você? Diga” –, mas tudo o que ele diz, de maneira solene e bonita, é: “Pequeno guerreiro, pode me chamar… irmão”.

E é um final muito bonito para a história. Amo o tom, o mistério e a mensagem!

 

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