Mais reflexões sobre “O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares”


O livro mexeu comigo demais quando o li, ainda tenho coisas a dizer…
…mas são meras especulações e opiniões minhas. Gosto de pensar em toda a questão que envolve O Orfanato e o que pode estar acontecendo, enquanto o autor não diz com todas as letras. Riggs não é categórico (e não deveria ser) ao nos olhar e dizer: isso é tudo da cabeça de Jacob, ele está em surto ou é uma fuga. Não, mas ele enche seu livro de elementos que devem ser levados em consideração e dão um bom e longo estudo. A “Ilha” (minha mãe, que já trabalhou na área, me veio com uma teoria de quem sabe nem ser mesmo uma ilha) é cheia de coisas bizarras e/ou macabras. O próprio Buraco do Padre. O museu. As casinhas são todas iguais. Os moradores se tornam catadores de lixo, acumuladores. O que é uma característica de pessoas com transtornos mentais, assim como o blazer por cima do pijama do cara que conta a Jacob sobre a bomba no dia 03 de Setembro de 1940, com seus próprios tiques. Por que o psiquiatra aprovou tanto a ideia de Jacob ir para a “ilha”?
O conceito de “ilha” em si é repleto de simbologia!
E o Jacob chega a usar o termo “prisão”.
Agora viajemos: é explícito que a família de Jacob tem muito dinheiro, também que ele tem uma dificuldade imensa de lidar com a morte do avô, e entra em estresse pós-traumático após a morte. Jacob é repleto de características que ilustram sua condição, e então ele começa terapia. Ao mesmo tempo em que a “viagem” pode denotar uma pausa na terapia e o Orfanato em ruínas desencadear uma série de “memórias” e projeções (eu não acredito que tudo aquilo pelo qual Jacob passou de fato tenha acontecido, são apenas conjecturas em cima das histórias do avô, as coisas que ele disse antes de morrer, as fotos que mostrava e as fotos que Jacob encontrou na casa em ruínas, ou outros objetos), a “ilha” em si se parece muito com um possível internamento. Os moradores da ilha apresentam outras características de pessoas com problemas psiquiátricos. As casinhas iguais… por que elas são iguais? Por que não tem telefone na “ilha”, com exceção de um? Quando minha mãe me chamou a atenção para esse último detalhe eu surtei um pouco… internados, eles não poderiam mesmo ter “contato” com o mundo exterior.
Há muitas características que apontam para essa possibilidade.
Embora eu admita que seja um passo maior nesse caso.
Mas independentemente de Jacob estar, de fato, na Ilha onde o avô viveu quando era criança, encontrando o Orfanato em ruínas, que foi destruído por uma bomba em 1940, ou então estar internado, Ransom Riggs fez um trabalho belíssimo ao possibilitar inúmeras interpretações. Há quem acredite que tudo é uma grande fantasia, e Jacob descobriu mesmo essa fenda temporal. A mim, essa parte da história parece a fantasia criada por uma mente perturbada para fugir de outras coisas. Mas a ambiguidade é importante ao roteiro e valoriza a obra. Engrandece-a. De todo modo, eu não acredito que Jacob de fato tenha chegado ao Orfanato em seu esplendor, com as crianças peculiares que moram lá, toda a cor e a alegria em um eterno 03 de Setembro de 1940. Era o que ele queria encontrar, com base na relação bonita que tivera com o avô. Ele tinha elementos o suficiente para criar isso (as histórias, as fotos, as falas do avô, as coisas encontradas na casa em ruínas), e possivelmente está tentando lidar com o trauma da morte do avô.
Daí toda a narrativa é construída em cima do material que ele tem.
Eu reconheço que isso é muito mais forte no primeiro livro da série do que no segundo, por exemplo, que eu acabei de ler hoje pela manhã (texto estará amanhã no Parada Temporal!), mas eu tenho minhas convicções. O autor passou muito tempo no “presente” e encheu sua obra da possibilidade de tudo ser um surto para que isso não seja, no mínimo, levado em consideração. As escolhas de lugar, de situações e, principalmente, de vocabulário não são aleatórias. E, por fim, o livro é narrado em primeira pessoa, um narrador não-confiável. Tudo vai ser tão real quanto Jacob quiser que seja… De todo modo, O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares é uma leitura de lazer, de “diversão”, mas ao mesmo tempo acredito que devamos evitar uma leitura demasiadamente superficial de seu conteúdo. Abraçar a fantasia e descartar todo o restante é ignorar a magnitude proposta. Resumidamente, defendo a ideia de que ignorar tudo isso e assumir uma posição radical de “Tudo aquilo aconteceu de verdade e pronto” é um tanto reducionista e perigoso. Perigoso porque não permite que o livro viva todo o seu potencial.
Enfim. Por hoje é isso.

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