Jogos Vorazes – A Esperança: Parte 1 (The Hunger Games – Mockingjay: Part 1, 2014)

“If we burn, you burn with us!”

É preciso apenas uma fagulha para começar um fogo… e a partir do momento em que o fogo se espalha, é praticamente impossível conter. Katniss Everdeen, a Garota em Chamas, enfrentou a Capital tanto durante a edição dos 74º Jogos Vorazes quanto, no ano seguinte, do 3º Massacre Quaternário, e isso deu aos Distritos algo cujo poder o Presidente Snow sempre conheceu e sempre temeu: ESPERANÇA. Katniss Everdeen nunca planejou se tornar o símbolo de uma revolução – ela queria salvar a vida de sua irmã, Prim, e depois a vida de Peeta Mellark –, mas agora ela é o TORDO e os rebeldes reunidos no Distrito 13, um distrito que se acreditava ter sido completamente destruído na época da Guerra de Panem, há 75 anos, contam com ela para manter a chama da revolução viva.

“Jogos Vorazes – A Esperança: Parte 1” é a primeira adaptação de “A Esperança”, o livro final na trilogia de Suzanne Collins, e embora não seja o meu favorito (porque eu tenho um carinho muito especial por “Em Chamas”), é talvez o livro mais inteligente, político e revolucionário de toda a trilogia. Aqui, as coisas mudaram… todo o controle que a Capital tem sobre os Distritos, que sempre pareceu inviolável porque o Presidente Snow faz de tudo para “mostrar quem manda”, já não é mais tão concreto assim, conforme levantes surgem em pelo menos 7 Distritos de Panem… e, com o poder ameaçado pelo Tordo e a Revolução, a Capital está lutando com todas as suas armas para “abafar essa chama”, enquanto os rebeldes do Distrito 13 se preparam para a guerra.

Esse é um filme completamente diferente de “Jogos Vorazes” ou “Em Chamas”. Ainda mais maduro e sombrio, a direção e a fotografia do filme se transformam para apresentar uma atmosfera mais hostil e infértil: é um filme no qual não se vê muitas cores, nem em figurino ou em cenários, e muitos momentos são tão escuros que nós mal conseguimos entender o que está acontecendo – o que é uma escolha criativa, no fim das contas, porque nos coloca ao lado desses revolucionários, experimentando, de certa maneira, sensações semelhantes às deles, conforme avançamos no escuro sem saber bem o que estamos fazendo ou onde vamos chegar… é uma experiência quase imersiva e ocasionalmente angustiante, como quando Prim volta para salvar o seu gato.

E tem que ser assim: estamos no meio de uma revolução.

A devastação tomou conta de ainda mais cenários de Panem. O Distrito 13, que foi considerado “morto” durante tantos anos, sobreviveu no subsolo, trabalhando em uma guerra que, para eles, nunca acabou… o Distrito 12, como ficamos sabendo no fim de “Em Chamas”, foi completamente destruído depois que Katniss e Peeta saíram para o Massacre Quaternário, e retornar àquele cenário é sufocante: um cenário que já era cinza e sem vida, mas que agora está realmente destruído e soterrado sob escombros e corpos queimados de todas aquelas pessoas que não conseguiram escapar dos ataques dos Pacificadores – segundo Gale, 915 das 10.000 pessoas que moravam no Distrito 12 conseguiram escapar… e isso intensifica a dor dos protagonistas.

Katniss, o Tordo, se torna um peão nas mãos da Presidente Coin, a líder do Distrito 13 e, consequentemente, da revolução. Eles querem usá-la como propaganda de guerra, para que ela fale com os Distritos e mantenha a chama da revolução viva – eles acreditam que os Distritos podem se unir contra a Capital, e que esse é o momento. Katniss Everdeen, no entanto, nunca foi boa em fazer coisas que outras pessoas pensaram para ela… ela precisa agir sem um roteiro, como o fez ao se voluntariar para os 74º Jogos Vorazes, no lugar de Primrose, ou ao ameaçar comer as amoras venenosas para salvar a vida de Peeta. Por isso, Katniss é colocada em situações nas quais ela possa falar o que pensa sem que outras pessoas escrevam para ela o que dizer.

Assim, ganhamos aquela sequência desesperadora no Distrito 8, quando Katniss visita um hospital onde a recebem com o gesto que ela fizera para as câmeras depois da morte de Rue em “Jogos Vorazes”, e o fato de ela estar ali é o suficiente para que o Presidente Snow use a situação para “mandar uma mensagem”: ele bombardeia o hospital, matando todos aqueles sobreviventes, para lembrar Panem de que qualquer associação com o Tordo será considerada traição e paga com a vida. Ironicamente, as ações de Snow geram tanta revolta em Katniss que ela diz, com mais força e verdade do que ela jamais diria um texto ensaiado, algo que é exatamente o que se queria que ela dissesse… algo que gera, como Coin tanto queria, uma ótima “propaganda”.

Uma das forças de “Jogos Vorazes – A Esperança: Parte 1” é, sem dúvida, assistir à maneira como diferentes rebeliões estão acontecendo em diferentes Distritos e se espalhando por toda Panem… fortíssima a cena em que trabalhadores, após um assobio como o de Rue, correm, sobem em árvores e conseguem matar uma série de Pacificadores. Também é fortíssima a sequência em que um plano articulado consegue destruir parte de uma usina hidrelétrica no Distrito 2, derrubando a energia na Capital e, consequentemente, dando aos rebeldes algum tempo para invadir seus sistemas… isso ao som de “A Árvore-Forca”, cantada por Katniss Everdeen, uma música que Lucy Gray também canta algumas vezes em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”.

Durante todo o filme, eu sinto a falta de Peeta Mellark… Peeta sempre foi um dos melhores personagens da trilogia “Jogos Vorazes” e sua ausência, essencial para a história, é dolorosa e, de certa maneira, compromete meu envolvimento com “A Esperança”. Mas, no fim das contas, é justamente a ideia de Suzanne Collins: só um personagem que amássemos muito e com quem nos importássemos de verdade poderia gerar o impacto que ser apreendido pela Capital, usado por Snow e telessequestrado geraria. De certa maneira, parte do filme “gira em torno” de Peeta, ainda que suas aparições sejam bem curtas, porque Katniss só aceita fazer o papel de Tordo para garantir que Coin vai tentar resgatá-lo… pelo menos até entender que é justamente porque ela é o Tordo que Snow o está torturando.

Peeta Mellark está sendo usado pela Capital em sua própria propaganda… é a Capital usando Peeta de um lado e o Distrito 13 usando Katniss de outro – e, mais do que tudo, um só está tentando garantir a segurança do outro. Mesmo quando Peeta pede por um “cessar fogo” e é visto como traidor, Katniss sabe que “ele ainda está jogando o jogo”: ele ainda está fazendo de tudo para mantê-la em segurança. É impressionante como Katniss e Peeta têm uma química tão perfeita e tão essencial para “Jogos Vorazes” que, ainda que não cheguem realmente a contracenar nesse filme até os seus minutos finais, eles rendam uma das melhores cenas do filme, quando Beetee invade a transmissão da Capital e, ao ver Katniss, Peeta “volta a ser ele mesmo” por alguns segundos.

E os avisa sobre o ataque iminente ao Distrito 13.

O resgate de Peeta e dos demais Vitoriosos capturados pela Capital, que é possível graças ao ataque à usina hidrelétrica e às invasões de Beetee, é o clímax do filme, contando com uma força rebelde no Centro de Treinamento, uma conversa entre Katniss e Snow, muita tensão, suspense e uma armadilha que eles só entendem de verdade quando já estão de volta no Distrito 13. A cena de Peeta telessequestrado atacando Katniss assim que a vê é uma das mais marcantes e mais traumáticas de “Jogos Vorazes”, porque é uma quebra de expectativa imensa… todos sabemos o quanto Peeta ama Katniss e o quanto sempre a quis proteger, então vê-lo agir daquela maneira é a forma que o roteiro encontra para passar uma mensagem muito clara: Peeta não é mais o mesmo.

A Capital acabou com ele.

 

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