Enquanto eu não te encontro (Pedro Rhuas)
“Nenhum encontro é por acaso”
Extremamente
carismático, divertido e romântico, “Enquanto
eu não te encontro” é o livro de estreia de Pedro Rhuas: um romance que o
próprio autor descreve como “orgulhosamente nordestino e LGBTQIA+”. Um
verdadeiro conto de fadas sobre um garoto de Luna do Norte que se mudou para
Natal para fazer faculdade e que não acredita que “o seu coração funciona como
deveria” porque nunca se apaixonou de verdade (!), e que acaba conhecendo o
amor de sua vida na forma de um francês (extremamente charmoso, com um sotaque
francês e potiguar, porque o pai dele é do Rio Grande do Norte, afinal de contas)
com quem esbarra na inauguração de uma nova boate que promete agitar as noites
LGBTQIA+ natalenses daquele dia em diante: a
Titanic.
O livro é
verdadeiramente encantador. Eu sempre fui apaixonado
por comédias românticas jovens (passei minha adolescência lendo praticamente
todos os livros de Meg Cabot, por exemplo, e me apaixonando continuamente por
cada um de seus protagonistas!), e eu fico muito contente com a maneira como o
mercado editorial está se abrindo, nos últimos anos, para uma variedade de livros
de comédia romântica com protagonismo LGBTQIA+. “Enquanto eu não te encontro” é exatamente o que Pedro Rhuas
promete: extremamente brasileiro e repleto de referências que fazem parte do
nosso dia-a-dia, sua leitura é uma experiência divertida, sensível e
envolvente, como se fôssemos convidados a fazer
parte da história não só de Lucas e de Pierre, mas de todos ao seu redor…
Mas Lucas e
Pierre são encantadores demais.
Tudo tem um
quê de fantasia, é verdade, mas é um
problema? Comédias românticas fazem sucesso há anos e nunca foram realmente
famosas por serem “pé no chão”, e o autor consegue colocar o seu pezinho na
realidade através de críticas interessantes que são momentos em que a sua voz
escapa através da história e dos personagens. Ambientado em 2015, o livro tece
críticas “antecipadamente” ao devastador cenário político que tomaria conta do
Brasil nos anos seguintes, por exemplo. Em algumas ocasiões, sinto que alguns
diálogos têm mais cara de coisas que o narrador compartilharia com o leitor, de
maneira “confidencial”, mais do que coisas que seriam realmente ditas em voz alta durante uma conversa,
mas tudo bem… os personagens querem contar sua história.
E que
história linda.
Não só um
romance entre dois homens… mas uma
história também de amor próprio.
E de descobertas.
Lucas
costuma pensar que “o universo não está a seu favor” ou qualquer coisa assim.
Ele tende a acreditar que quando algo muito
bom acontece, algo muito ruim
também está prestes a acontecer, como se o “equilíbrio” do universo precisasse
ser mantido ou qualquer coisa assim. Por isso, quando ele tem a noite mais perfeita de sua vida no
Titanic… bem, o próprio nome da boate deveria sugerir que se seguiria um
naufrágio, certo? A história de Lucas e Pierre é recheada de encontros,
desencontros e reencontros que, inusitadamente, talvez torne a história deles ainda mais especial… afinal de contas,
dá para acreditar que “tem um dedinho do universo” quando coincidências demais
se sucedem e coisas que pareciam improváveis acontecem mais de uma vez…
Certo?
Dividido em
três partes (mais um epílogo), “Enquanto
eu não te encontro” começa com o momento em que as vidas de Lucas e Pierre
se cruzam na inauguração de uma boate chamada Titanic. Lucas estava esperando
por aquilo há meses e nada está
saindo como ele planejara, porque seu melhor amigo levara o namorado chato para
uma noite que deveria ser só deles, e quando um “cara qualquer” esbarra nele e
arruína sua calça branca, ele acredita que o
fim da noite está decretada… curiosamente, aquele é apenas o início de uma
das melhores noites de sua vida, porque o cara que esbarrou nele e derrubou
bebida é um francês lindíssimo, charmoso e educado que o segue até o banheiro
para pedir desculpas e, a partir
daquele momento, eles constroem algo.
Sabe aquele
momento que é chamado de “meet cute”
em comédias românticas? Lucas e Pierre definitivamente têm isso! E, a partir
disso, eles se conhecem… eles se permitem
se conhecer. Gosto muito da linearidade da narrativa e de como passamos muito
tempo no desenrolar de uma mesma noite (uma técnica narrativa que nos aproxima dos eventos e parece
torná-los ainda mais real, como se fôssemos espectadores presentes). É um
prazer acompanhar o diálogo de Lucas e Pierre, a maneira como eles são sinceros
um com o outro, o mistério da bebida escolhida por Pierre, o primeiro beijo marcante no chão da boate (!), a conexão
na proa do navio, a sensação de que eles se conhecem há tanto tempo… a dor da
despedida, as promessas de mensagens, a esperança no futuro.
E então, de
certa maneira, parece que o Lucas tinha razão… o universo realmente lhe prega peças. A noite não termina nada como
ele esperava: ele tem que ir embora mais cedo porque o amigo está bebadaço (e
sai gritando um meme hilário da Inês Brasil para toda a boate ouvir!), e Eric
ainda acaba sendo o responsável por derrubar e acabar com o celular de Lucas – o único lugar onde estava guardado o número
de Pierre. Lucas fica devastado, e quase acredita que o universo está
mantendo-os afastados propositalmente: Pierre estava sem bateria para marcar
seu número; seu próprio celular estragou além da possibilidade de reparo; as
fotos tiradas na Titanic simplesmente desapareceram; Pierre não usa redes
sociais. Como ele pode reencontrar o
garoto dos seus sonhos?!
Acho que
Pedro Rhuas não gostaria que eu dissesse isso, mas é quase cômico acompanhar ao
Lucas na fossa… não porque eu me divirta com o seu sofrimento, de modo algum, e
eu torci muito por Lucas e Pierre,
mas porque talvez aquela seja a parte em que mais facilmente possamos nos
reconhecer em Lucas? Sim, eu sei: triste. Gosto de todo o desenvolvimento dessa
parte, e de como ela é essencial, no fim das contas… talvez o Lucas precisasse daquele tempo sem o Pierre, mas depois de tê-lo
conhecido, para que algumas coisas se acertassem: a sua relação com o Eric, por
exemplo, que entra em crise, mas deve sair mais fortalecida depois que algumas
coisas são ditas, e o fato de Lucas começar a aprender que, diferente do que
ele pensava, ele merece coisas boas.
Pierre o ensina
a olhar para si mesmo de uma nova forma.
Mas é perversamente irônico que Lucas e Pierre
se reencontrem naquela situação
desconfortabilíssima, né? Posso imaginar o Pedro Rhuas se divertindo ao pensar naquela reviravolta, mas não posso
culpá-lo: a vida faz dessas coisas mesmo,
e se fosse uma história real, Lucas certamente reencontraria o Pierre
justamente no dia em que ele finalmente resolveu sair com outro cara, depois de
meses… FELIZMENTE, “Enquanto eu não
te encontro” ainda é um conto de fadas, uma ficção linda na qual nos
permitimos imergir-nos, e Pierre é aquele príncipe apaixonante que confia tanto no que sente por Lucas que
ele escolhe lhe dar o benefício da dúvida
– assim, ele aceita o convite de Lucas para ir à sua casa e pretende ouvir a
história que Lucas tem para contar.
Porque, no
fim, não foi sua culpa…
Mas, para Pierre, ficou parecendo que o
Lucas foi um idiota, não?
O segundo
encontro de Lucas e Pierre equivale, então, à terceira e última parte do livro,
e passamos uma noite (especial, íntima, romântica, quente e significativa) de
sexta e o sábado ao lado deles… toda uma sequência repleta de beijos
apaixonados e aliviados, conexão inegável, diálogos filosóficos e/ou divertidos
e despretensiosos e como é bom estar ali. Definitivamente, é a melhor parte do
livro, e o autor nos guia por sentimentos tão verdadeiros e tão puros que
também nos fazem acreditar no amor e nas possibilidades. Amo como, ao lado de
Lucas, descobrimos cada nova faceta de Pierre, que, como deveria, é muito mais do que o rapaz charmoso (e
gostoso) que conhecemos na Titanic. E quando ele anuncia que vai voltar para
Paris, ele pede que Lucas fique com ele pelos 4 meses que lhe restam no Brasil…
E Lucas dá um salto de fé.
Aproveito,
também, para mencionar algumas das muitas referências incríveis das quais o
livro é repleto. Lucas é um fã irremediável de Katy Perry (tem uma passagem na
qual ele usa o clipe de “Wide Awake”
como alegoria para o que ele está sentindo, por sinal), mas o livro também
menciona uma série de outros artistas da música, como Lady Gaga, Ludmilla,
Rouge, Christina Aguilera, Nicki Minaj, Nelly Furtado, Jessie J, Ariana Grande,
Selena Gomez, Sandy e Junior, Beyoncé, RBD, Taylor Swift, Carly Era Jepsen…
também temos referências a séries e programas como “Grey’s Anatomy”, “Please
Like Me”, “Bananas de Pijamas”, “Sítio do Picapau Amarelo”, “RuPaul’s Drag Race”, “The Walking Dead”, “Digimon”, “Sailor Moon”,
“Rebelde”, “American Horror Story”…
Na galeria
de filmes, a própria Titanic é uma grande referência, bem como sua decoração:
“As paredes
ostentam quadros que vão de Marilyn Monroe a Popeye e Olivia, de Gianni Versace
a New Matogrosso e de Carmem Miranda a Betty Faria em Tieta”
Alguns de
outros filmes que foram mencionados: “Bonequinha
de Luxo”, “Avatar”, “Grease” (eu simplesmente ADORO como a
referência a Danny Zuko é unida à Grávida de Taubaté, isso é muito bom!), a
saga “Harry Potter” (com “Prisioneiro de Azkaban” devidamente
reconhecido como o melhor dos oito filmes), “Matrix”,
“Crepúsculo”, “Azul é a Cor Mais Quente”, “Feitiço
do Tempo”, “Cantando na Chuva”…
alguns livros, também, como “Alice no
País das Maravilhas”, “As Vantagens
de Ser Invisível”, “Aristóteles e
Dante Descobrem os Segredos do Universo”, “Percy Jackson”, “Jogos
Vorazes”, “Garoto Encontra Garoto”,
e alguns escritores, como John Green, Jorge Amado, Clarice Lispector, Adélia
Prado e um comentário sobre “a tensão homoerótica entre Bentinho e Escobar em ‘Dom Casmurro’”.
Alguns
trechos que gostaria de registrar:
“Pra minha
sorte, Eric, o Cérebro do meu Pink, o Junior da minha Sandy, surge do nada e
interrompe quaisquer que fossem os planos maliciosos de Gabriel”
“Devo ter
sido enfeitiçado (uma dose de Felix Felicis? Foi isso o que o francês me
ofereceu?)”
“Eu me
sinto em chamas, Lucas”
“Ok, Katniss. Cala a boca e para de reclamar que a gente já tá chegando”
Ah, e sobre
a “obsessão mundial por covinhas”?
É verdade.
Por fim, o
livro nos guia magistral e rapidamente pelos quatro meses que Lucas e Pierre
passam juntos antes de Pierre voltar para a França, sem qualquer perspectiva de
retorno para o Brasil… quatro meses mágicos, especiais e praticamente
perfeitos, repletos de “pequenos finais felizes”. E embora acreditemos no
universo dando uma forcinha a Lucas e Pierre, eu gosto muito da forma como eles
tentam viver esse romance despreocupadamente, curtindo cada momento e o
tornando único – porque se eles ficarão juntos ou não para sempre, não é
realmente o que importa. Não é porque
algo chega ao fim que não tenha sido especial, que não tenha sido importante…
que não tenha valido a pena. E cada segundo que Lucas e Pierre passaram
juntos VALEU A PENA.
“Enquanto eu não te encontro” é
perfeitamente emocionante e lindo. Mágico, catártico, certamente vai colocar um
sorriso no seu rosto… e se você é um fã de comédias românticas, como eu sou,
você vai sorrir e chorar com a sequência final do aeroporto, digna dos clichês
da Sessão da Tarde, mas que nós não vamos negar que sempre sonhamos em viver. O livro entrega tudo o que promete e
certamente é uma experiência lindíssima e cheia de acenos à cultura brasileira,
à cultura pop e à realidade LGBTQIA+. Diversão garantida. E se, assim como eu,
você terminou o livro potencialmente
angustiado com o que tinha na carta
que Pierre deixou para o Lucas em casa, uma dica: acessa o site oficial do
livro, indicado na última página… tem uma
surpresa para a gente lá!
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