No Coração do Mar (In the Heart of the Sea, 2015)

 

Antes de Moby Dick…

QUE FILMAÇO! Eu me lembro de quando vi o trailer de “No Coração do Mar” e fiquei encantado pelo visual e pela proposta do filme… acabei não assistindo na época, porque o filme não se saiu tão bem quanto esperava na bilheteria (o que não significa que o filme não seja bom) e, por isso, não passou na minha cidade. Assisti recentemente e… wow! “No Coração do Mar” é um filme com uma “aventura” épica no mar, baseado no livro homônimo de Nathaniel Philbrick, e conta a história do baleeiro Essex, que foi atacado por uma baleia gigante em 1820, causando um dramático naufrágio e obrigando os marinheiros a fazerem o que fosse necessário por sua sobrevivência nos 90 dias que eles ficaram à deriva depois disso, buscando uma forma de voltar para casa. Eu achei o filme fortíssimo (me causou angústia em vários momentos), e nos permite várias reflexões.

O mais interessante, talvez, é que a história do baleeiro Essex é real, portanto “No Coração do Mar” é baseado em fatos reais, e foi essa história que inspirou Herman Melville a escrever “Moby Dick”, um dos livros mais famosos da literatura mundial, publicado em 1851. Assim, Herman Melville (interpretado por Ben Whishaw) se torna um dos personagens do livro, anos depois do naufrágio do Essex, conversando com um dos sobreviventes em busca de uma história… o sobrevivente em questão é Thomas Nickerson, um jovem de 14 anos (interpretado, no passado, por Tom Holland) na época em que o Essex saiu para alto-mar. O Essex era comandado pelo Capitão George Pollard (Benjamin Walker), um homem sem nenhum tipo de experiência e cheio de decisões equivocadas, e o primeiro imediato Owen Chase (Chris Hemsworth).

Eu gostei muito da forma como o filme contou a história, e do desespero que é acompanhar os vários desafios desses baleeiros que iam ao mar caçar baleias – e é de uma brutalidade angustiante assistir à caça e morte dessas baleias, se você me perguntar, mas eu não consigo julgar aqueles homens. Os julgaria agora, mas não na época… não de volta ao Século XIX, ainda antes do petróleo, quando esse era o meio de sobrevivência que eles tinham. Mesmo assim, as cenas em que a baleia é caçada, o óleo de baleia é recolhido, e Thomas Nickerson precisa entrar na baleia morta para pegar o máximo de óleo que eles puderem aproveitar… como aquilo é nojento. No meio disso tudo, acompanhamos os embates de Pollard e Chase, com opiniões e experiências bem diferentes, uma tempestade traiçoeira e o fracasso de não encontrar mais baleias.

É assim, então, que uma vez no Chile, eles se fascinam com uma história que escutam. Pollard e Chase nunca concordaram em nada, se provocaram o tempo todo (Chase porque sabia o que fazer e como fazer, Pollard porque queria contradizê-lo e mostrar autoridade), mas, naquele momento, eles se tornaram um só – naquele momento, eles concordaram. Os homens no Chile falaram sobre um lugar repleto de baleias, um lugar onde eles poderiam facilmente encher 3.000 barris de óleo em um dia, “se não fosse pelo demônio que mora lá”. Eles escolheram ignorar essa última parte, porque a ganância, o sentimento de frustração, a vontade de voltar para casa (e o medo de não conseguir) os motivam a ir até esse lugar e enfrentar o que tiverem que enfrentar… assim, eles rumam o Essex até o lugar mais perigoso a que um baleeiro podia ir.

Realmente, o lugar era repleto de baleias, mas tinha uma em especial que os atormentou e acabou com todos os seus planos: a gigantesca baleia branca – que, no livro de Herman Melville, se tornaria a “Moby Dick”. O interessante é que, se você veio a esse filme em busca de um grande embate com uma baleia gigante e toda essa parte mais fantasiosa, você não vai ganhar isso. “No Coração do Mar” é muito mais sobre o Essex e os marinheiros em busca de sobrevivência do que sobre a “baleia gigante”, que motiva todos os acontecimentos futuros, mas tem pouca participação em tela… porque a história, mesmo com todas suas romantizações inevitáveis, está mais apoiada na realidade. E a baleia não é a vilã da história nem nada… ela atacou um barco que estava atacando as baleias do lugar, inclusive ela. Afinal de contas, os olhos de Chase cresceram ao ver uma baleia daquele tamanho.

Mas eles não tinham nenhuma chance contra ela.

Assim, a baleia atacou o barco, o naufragou, o óleo de baleia que eles guardavam explodiu, e os sobreviventes do Essex ficaram em barquinhos menores, navegando dias e dias e dias, tentando chegar a algum lugar, até serem novamente atacados pela baleia gigante, que os seguiu durante todo esse tempo… e quando o segundo ataque da baleia acontece, agora nos barcos muito menores, parece que eles não tinham mais o que fazer. Os barcos são destruídos e eles são jogados para a costa de uma ilha inabitada, onde eles esperam ser resgatados. Mas, a julgar pelos esqueletos que encontram em uma caverna, isso não vai acontecer – eles precisam reconstruir os barcos e se jogar de volta no mar. A essa altura, eles já estavam lidando com a fome, com a desidratação, com a insolação, e, os mais sensatos entre eles, com suas próprias crenças.

O Capitão e Chase têm uma conversa rápida sobre aquilo em que acreditam enquanto estão nessa ilha. O Capitão demonstra um ódio pela baleia e diz que ela “é a única criatura abominada por Deus nessa história” (uma obsessão que se concretiza mais tarde, quando descobrimos que ele voltaria ao mar em busca da baleia branca), enquanto Chase se mostra muito mais aberto a questionar suas próprias convicções… talvez não seja a baleia a vilã dessa história, e talvez eles não sejam “os reis do planeta”, como o capitão acredita. De qualquer maneira, eles retornam ao mar, com poucos deles escolhendo ficar para trás, e então eles precisam fazer coisas ainda piores para sobreviver, como comer a carne de um homem morto ou, pior, decidir na sorte qual deles eles vão matar para que possam comer… é cruel, assustador, chocante.

Mas, novamente, impossível de julgar. Era uma situação extrema e eles estavam buscando sobrevivência… de outro modo, talvez todos eles tivessem morrido antes de conseguirem voltar para casa. Porque, eventualmente, eles conseguem. Owen Chase convence o Capitão Pollard a dizer a verdade sobre o que aconteceu, independente dos poderosos que querem contar uma história inventada, e cada um segue seu caminho… Pollard retorna ao mar em busca da baleia, Chase aceita um trabalho em navio mercante, como a esposa sempre quis, e todos os sobreviventes vivem assombrados para sempre com o trauma do que viveram e, principalmente, das coisas que tiveram que fazer para garantir sua sobrevivência. É um final melancólico, mas bonito, e o filme termina com Herman Melville escrevendo “Moby Dick” – um verdadeiro sucesso que o consagrou como escritor, eventualmente.

EU AMEI O FILME.

 

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