O Baile dos 41 (El Baile de los 41, 2020)

Pelo direito de sermos quem somos!

México, 1901. Com direção de David Pablos e protagonizado por Alfonso Herrera, “O Baile dos 41” é um drama histórico LGBTQIA+ lançado em 2020 que mistura realidade e ficção para contar a história de um grupo de homens que foram expostos, humilhados e condenados em um ato de homofobia do início do Século XX e que marcou a história mexicana. É um filme sincero, intenso e sentimental que consegue caminhar com destreza entre amores, prazeres, interesses e preconceitos, na dicotomia de uma sociedade conservadora onde se vive de aparências contraposta por um clube onde as pessoas marginalizadas se permitem ser quem elas são de verdade. “O Baile dos 41” é uma daquelas obras importantes e marcantes, que carregamos conosco para sempre.

Alfonso Herrera interpreta Ignacio de la Torre y Mier, um deputado com ambições de se tornar governador do estado e que se casa com Amada Díaz, a filha ilegítima do presidente da república. Ignacio é uma das 41 pessoas que frequentam um clube secreto formado por homens gays – um lugar onde eles podem se encontrar para conversar, se conhecer, se divertir, transar e ser eles mesmos… eu gosto de como o filme faz a apresentação desse clube ao longo de várias cenas com tons muito diferentes: há a elegância e a alegria de um jantar onde todos são iguais, a diversão de uma peça de teatro inusitada e a sensualidade e o erotismo de encontros sexuais intensos, por exemplo; tudo banhado por um sentimento de liberdade.

No clube, eles podem ser quem são.

Ignacio é quem leva ao clube o Evaristo Rivas, interpretado por Emiliano Zurita, um homem que ele conhece no local de trabalho – e eu adoro como a comunicação acontece entre eles em um primeiro momento: como Evaristo comenta o fato de Ignacio “ficar até mais tarde no trabalho” e como “imagina compartilhar dos mesmos interesses”, e como o reconhecimento surge. Confesso que fiquei com medo por Ignacio estar convidando Evaristo para o clube aparentemente sem seguir todas as regras tradicionais, mas Evaristo se torna o 42º membro do clube, e é bom tê-lo por ali… as coisas mudam para Ignacio, no entanto, porque ele e Evaristo não se tornam apenas amigos e parceiros sexuais que se encontram ocasionalmente no clube…

Eles de fato se apaixonam um pelo outro.

Gosto muitíssimo de como a relação deles acontece. O filme pode ser ousado e erótico em vários momentos – aquela sequência da orgia no clube é uma cena excitante e belíssima –, mas a relação de Ignacio e Evaristo acontece de maneira mais singela, mais romântica… e mais íntima. Eu adoro a maneira como isso é representado visualmente no primeiro momento: há algo de puro tesão e sexo que toma conta do filme, enquanto pessoas diferentes se divertem em um ambiente comum do clube, e talvez Ignacio fosse transformar sua relação com Evaristo em “só mais uma transa qualquer”. Quando ele vira Eva de costas com aquela intensidade, no entanto, Eva se vira novamente e o beija, e aquela é a sua maneira de dizer que ele quer algo a mais

As cenas de Evaristo e Ignacio são lindas. Gosto particularmente da sequência que começa com os dois saindo para cavalgar juntos e culmina nos dois nadando pelados e se deitando sobre a relva mais tarde, em uma conexão íntima que é de carne e de espírito. Nós acreditamos naquele sentimento, e nós torcemos por ele… mesmo com todas as dificuldades. Afinal de contas, Ignacio é uma figura pública, e quando Amada Díaz descobre o “segredo” de Ignacio, as coisas ficam mais difíceis… Ignacio tem um casamento de fachada e nenhum interesse, sexual ou romântico, em sua esposa, mas ela exige que ele “lhe dê um filho” para não contar o seu segredo, e conforme as suas exigências não são atendidas, o segredo dele está por um fio…

Ignacio ganha uma escolta que o observa de perto o tempo todo, por exemplo, o que dificulta significativamente os seus encontros com Evaristo – embora um sinta intensamente a falta do outro. Apesar de todos os seus cuidados e de saber que está sendo observado e seguido, Ignacio ainda consegue um ou outro encontro romântico com Eva (eu adoro a cena de sexo dos dois), mas ele se arrisca quando decide comparecer ao baile anual do clube… maquiado, com um colar elegante e um lindo vestido verde, Ignacio de la Torre y Mier é apenas um dos muitos homens vestidos de mulher no “Baile dos 41”, que foi um evento social secreto que aconteceu no México em 1901, e que infelizmente acabou sendo descoberto, e as pessoas condenadas.

No filme, havia 42 pessoas na lista que foi entregue ao presidente – mas ele diz que “só via 41 nomes”. Antes da represália, Ignacio é retirado da cadeia e devolvido para casa, enquanto os demais passam por uma situação humilhante. Como um homem gay, é profundamente angustiante assistir à sequência final de “O Baile dos 41”, em que eles são ridicularizados, espancados e têm os seus cabelos cortados para “parecerem homens”, mas sabe o que é pior? Saber que hoje em dia não seria muito diferente. Se no início do Século XX tínhamos uma sociedade conservadora e preconceituosa dessa maneira, agora, em 2024, ainda receberíamos o mesmo julgamento de uma parcela gigantesca da sociedade, apenas por estarmos reunidos nos divertindo e sendo nós mesmos…

Se a sociedade tivesse mudado o suficiente, esse filme seria apenas o retrato de um evento trágico; mas se a sociedade tivesse mudado o suficiente, não teríamos presenciado pessoas conservadoras sendo eleitas governantes em diferentes esferas. É um filme doloroso, sim, mas também necessário. É um retrato humano de algo que gostaríamos que fosse diferente… queríamos viver em um mundo no qual Ignacio e os outros 41 pudessem apenas existir e viver os seus amores e as suas vontades como qualquer outra pessoa. O amor de Ignacio e Eva é puro, sincero… e o filme intensifica isso em sua última cena, quando vemos um Ignacio apático à mesa, porque nada mais lhe importa de verdade, quando Amada diz que “Evaristo morreu”, e uma lágrima escorre dos olhos dele.

Atuação pungente de Alfonso Herrera. Palavras não são necessárias… o sentimento está ali.

Filmaço!

 

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