A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)



“I believe I’m a woman… inside”
QUE FILME BELO E EMOCIONANTE. Enquanto assistia ao filme, eu pensei muito em “Sergio Y. vai à América”, do brasileiro Alexandre Vidal Porto, e eu me emocionei tanto quanto ao ler aquele livro. Acredito que as histórias são complementares, de alguma maneira, porque falam sobre o tema da transexualidade em tempos diferentes – Lili Elbe, a protagonista de “A Garota Dinamarquesa”, é a primeira pessoa de que se tem notícias a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual, e aqueles momentos que acompanhamos no fim do filme são perfeitos para percebermos o quanto isso é importante… o sorriso de Lili, a maneira como ela se sente completa, o sonho que teve com a mãe. Baseado no livro de David Ebershoff e na história real de Lili Elbe, o filme é um sucesso, e Eddie Redmayne está dando um verdadeiro show de interpretação.
Começamos o filme conhecendo Einar Wegener, um pintor dinamarquês da década de 1920, casado com Gerda e apaixonado pela esposa – talvez não de maneira romântica, mas o amor que Einar/Lili e Gerda compartilham é inegável. Gerda precisou amá-la com todas suas forças para sempre estar ao seu lado daquela maneira… o filme é inteligente ao conduzir a história e ao nos permitir sentir as emoções de Lili despertando, sentir a Lili tomar forma enquanto Einar lhe permite vir à tona. E é uma série de momentos que nos permite vê-la, até que nos esqueçamos da imagem de Einar, até que entendamos aquilo que Lili vem nos falando desde sempre: que aquele é apenas um disfarce, um erro da natureza. E algo que, por toda sua vida, a aprisionou, a impediu de ser quem ela realmente é. É tão importante ser quem realmente somos!
Lili sempre esteve adormecida dentro de Einar, sufocada, e Gerda ajudou a dar vida a ela com algo que começou como uma brincadeira… em momentos como quando pediu que o marido colocasse um meia-calça para ajudá-la em uma pintura, ou quando ela se divertiu criando a personagem de Lili, “a prima de Einar”, uma garota que veio de outra cidade e que a acompanha a um baile… naquele momento, no entanto, percebemos que Lili não era só uma brincadeira. Naquele momento, Einar se tornou quem ele realmente é: Lili. As cenas com Henrik Sandahl são surpreendentes, e são bonitas, porque Henrik realmente a deseja, e Lili passa a visitá-lo constantemente, até que as coisas esquentem entre eles e Henrik equivocadamente a chame de “Einar”, e Lili foge, porque aquilo a deixa confusa: quem é que o Henri deseja, afinal de contas?
Eddie Redmayne, como eu comentei, está excelente no papel. Ele é encantador desde o início do filme, e a maneira como ele incorpora Lili, e como ele coloca emoção nos menores detalhes possíveis… na maneira como Lili reage ao sentir o vestido sobre seu corpo, ainda antes de colocá-lo, ou a primeira vez em que se veste inteiramente como uma garota, como aquilo a deixa feliz! Gosto, particularmente, daquela cena em que Lili, vestida como Einar, vai a uma espécie de bordel em Paris e fica olhando para uma mulher nua, e emula seus movimentos… a interpretação de Eddie Redmayne é tão completa, é tão SINCERA, e está no olhar, está na maneira como suas mãos tremem ao imitar os gestos da mulher que vê do outro lado do vidro. Eu sou um fã do ator, mas esse deve ser um de seus melhores trabalhos no cinema. Que atuação…
As coisas, infelizmente, não são fáceis para Lili. Ainda como Einar, ela vai a diferentes médicos que a tratam como homossexual, o que era considerado um crime naquela época, ou como esquizofrênico (!), ou ainda sugerem “tratamento para perversão”, e então, para protegê-la, Gerda resolve aceitar uma proposta para expor em Paris, achando que elas estarão melhor lá… e, lá, Lili ganha mais força do que nunca. Quando Gerda traz uma figura do passado do marido de volta, Hans (um garoto que o beijou na infância/adolescência), Lili é a única que tem coragem de aparecer e falar com ele. E, aos poucos, Einar desaparece por completo, dando lugar a quem realmente habita aquele corpo, e é duro ver o preconceito, mesmo em uma cidade considerada mais avançada, quando Lili é agredida na rua apenas por ser quem é – mas Hans é um fofo cuidando dela.
Não sei como foram as coisas na vida real, e talvez o livro e o filme tenham romantizado essa parte da vida de Lili, mas a relação dela com Gerda é lindíssima – justamente porque é imperfeita. Gerda ama Einar mais que tudo, e é ela quem o visualiza como uma mulher pela primeira vez, quem idealiza o visual que apenas exterioriza quem Einar é por dentro. Não é, e não tinha como ser, fácil para Gerda. Ela se vê constantemente confusa, ela deseja poder ver, abraçar e falar com o marido novamente, e Lili precisa fazê-la entender que o Einar já não existe. Alicia Vikander (que ganhou o Oscar de Atriz Coadjuvante pelo papel) também brilha no personagem de Gerda, em todo o seu apoio e julgamento, motivados pelo amor que ela sempre teve por Einar e tem que aprender a ter por Lili… e, no fim, foi Gerda quem mais esteve ao lado de Lili.
Em todos os momentos mais difíceis.
É Gerda quem ajuda Lili a encontrar um médico que a enxerga como ela é – que não vê uma doença a ser curada, que não vê algo a ser punido, mas um médico disposto a ajudá-la a se tornar quem ela quer ser. Lili precisará passar por duas cirurgias, uma que retira o órgão genital masculino, e outra que constrói uma vagina para ela, e ela entende os riscos (era tudo muito pioneiro na década de 1920), mas seus olhos brilham quando o Dr. Warnekros fala sobre a possibilidade, e Lili vai para a Alemanha… a princípio, sozinha, mas Gerda quer estar presente naquele momento, e é emocionante a hora que Lili está sofrendo durante a cirurgia, com dor, e ela vê um rosto conhecido ao seu lado. O rosto de alguém que a ama. E aquela primeira cirurgia possibilita que ela se sinta mais próxima de quem realmente é… mais Lili do que ela jamais fora até então.
Assim, depois dessa primeira cirurgia, Lili convida Gerda a retornar à Dinamarca, e são momentos muito bonitos, em que ela está escrevendo um diário (!), está sendo ela mesma, e ela tem um interessante reencontro com Henrik Sandahl, no qual ela conta sobre a cirurgia que fez, e quando ele pergunta se “o médico a fez uma mulher”, ela responde que “não; Deus a fez uma mulher, o médico apenas corrigiu o erro que era seu disfarce”. AQUILO É DE ARREPIAR. Infelizmente, Lili acaba morrendo em decorrência de complicações da segunda cirurgia, mas ela foi feliz sendo Lili por meses, e os seus últimos momentos deixam isso muito claro. Fraca, ao lado de Gerda, Lili sorri como nunca a vimos sorrir antes. Realmente feliz, radiante, em cada parte de seu ser. E ela fala sobre como “se sente totalmente completa”, e como teve um sonho essa noite: um sonho no qual era um bebê, estava nos braços da mãe, e a mãe a chamava pelo nome… Lili.
Ela foi ela mesma. Ela estava completa. Ela estava FELIZ.
E é isso o que importa.
FILME LINDÍSSIMO! <3


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