todo dia (David Levithan)


Acordo. Imediatamente preciso descobrir quem sou. Não se trata apenas do corpo – de abrir os olhos e ver se a pele é clara ou escura, se meu cabelo é comprido ou curto, se sou gordo ou magro, garoto ou garota, se tenho ou não cicatrizes. O corpo é a coisa mais fácil à qual se ajustar quando se está acostumado a acordar em um corpo novo todas as manhãs. É a vida, o contexto do corpo, que pode ser difícil de entender.

Primeiramente, preciso demonstrar minha grande paixão: ADOREI ESSE LIVRO!
Com essa escrita, David Levithan sobe incrivelmente no meu conceito, a ponto de tornar-se um de meus autores favoritos, de todos os tempos. Estou absolutamente feliz por ter encontrado esse livro enquanto andava pela livraria – e o nome do autor me chamou atenção, já o conhecendo de Nick e Norah e Will e Will; a sinopse então estava impressionante, eu precisava ler. Mas eu não podia imaginar a tamanha profundidade contida naquelas páginas, todas aquelas histórias, aquelas vidas… as reflexões que o autor consegue colocar em seu livro de maneira tão convincente, e tão verdadeira. Ele levanta questões importantes, ele fala em um tom de conversa, e ao mesmo tempo filosófico, que te leva a pensar. Que não te permite uma leitura passiva, de maneira nenhuma. Ele finaliza de maneira bela.
Ele te emociona do início ao fim.
O livro é a história de A. A é uma pessoa que a cada dia acorda em um corpo diferente. Ele não tem uma vida que seja exclusivamente dele – ao contrário, ele vive uma vida diferente a cada dia, tendo que se adaptar àquele corpo, àquelas idéias, àquelas pessoas ao seu redor. E com isso vive muito mais do que qualquer um de nós, vivendo infinitas vidas. Uma simbologia impressionante que nos leva a pensar na maneira como tratamos cada um de nossos “dias”, e como nós também podemos – ou precisamos – viver “infinitas vidas”. A pode acordar sendo qualquer pessoa da idade dele, tendo que enfrentar o que quer que tenha que enfrentar, compartilhando momentos com as pessoas que outrora habitaram aquele corpo; e que retornarão a ele no dia seguinte. É uma vida interessante, embora sofrida, de desapego e observância.
Assim como a idéia é muito original, David Levithan surpreende na maneira como conduz sua história. Ele tem em mãos uma premissa inovadora, que já nos deixa imaginando – como isso seria possível? Como seria acordar cada dia sendo uma pessoa diferente? E o que fazer com isso? Sendo cada dia um diferente adolescente, Levithan pode refletir a respeito de uma infinidade de questões (e vidas) da melhor maneira possível: vendo ali de dentro. É como se A fosse um grande protagonista, mas ao mesmo tempo fosse vários deles. Como se ele fosse um ser humano qualquer, buscando a mesma coisa que todos os demais de sua idade, mas também fosse uma entidade onipresente que pudesse observar todas essas discussões do lado de dentro. Uma voz do autor em paralelo àquilo que as pessoas ao redor dele esperam dele: a sociedade. É verdadeiramente um livro impactante. É uma daquelas leituras para guardar conosco para sempre.
Com a temática e a maneira como o livro é conduzido, A pode ser uma infinidade de pessoas. E é impressionante vê-lo em todas aquelas situações… por exemplo, quando ele acorda no corpo de um drogado, e toda aquela discussão sobre como ele não pode vencer uma batalha contra aquele corpo. Como lutar contra ele é incrivelmente difícil, porque a mente está desassociada daquele corpo em específico… não importa que ele não queira a droga, aquele corpo a quer, e o corpo toma conta. Ou como quando ele acordo no corpo de Kelsea, uma menina depressiva com planos para cometer suicídio. E como as pessoas tendem a pensar que as doenças mentais são uma questão de escolha, quando na verdade é biológico. Não importa que ele, A, não queira se matar, aquele corpo quer. E isso não é uma escolha. Aquelas angústias profundas, aquela ânsia por tirar a própria vida… é um capítulo extremamente forte de uma narrativa nítida e honesta de Levithan.
Levithan pode falar com propriedade sobre Religião, por exemplo. “Ao longo dos anos, fui a muitas cerimônias religiosas. Cada uma que freqüento apenas fortalece minha impressão geral de que as religiões têm muito, muito mais em comum do que gostariam de admitir. As crenças são sempre praticamente as mesmas; apenas as histórias diferem. Todas as pessoas querem acreditar num poder superior. Todas querem pertencer a algo maior do que elas mesmas […]” (LEVITHAN, 2013, p. 69-70) e como são somente nos “pontos mais delicados” que nós diferimos uns dos outros, mas “todos nós temos cerca de 98 por cento em comum com todos os outros” (LEVITHAN, 2013, p. 70), e por algum motivo as pessoas falham em perceber isso, e preferem se concentrar nos 2% que somos diferentes, o que é a maior causa de conflitos na humanidade.
Boa, Levithan.
De maneira mais sutil que a droga ou a depressão, Levithan também fala, por exemplo, da escravidão à beleza. “Na manhã seguinte, acordo no corpo da Beyoncé” (LEVITHAN, 2013, P. 129). Não é a Beyoncé de fato, mas Ashley Ashton, uma menina tão bonita que sua vida inteira é definida por sua beleza. Como se nada mais importasse em seu caráter, em sua personalidade.
Outra coisa que eu adorei no livro foi a despreocupação de David Levithan com o gênero. Não importa que ele narre como se fosse um menino – acho que só o vemos assim por ele ter começado o livro no corpo de Justin, se apaixonando por Rhiannon. No entanto, ele mesmo não se vê necessariamente assim – como poderia, sendo cada dia uma pessoa diferente? “Eu não pensava em mim como menino ou menina; nunca pensei. Só pensava em mim como menino ou menina por um dia. Como se trocasse de roupa” (LEVITHAN, 2013, p. 135). Mas ele já deixa claro que a única outra vez, nos seus 16 anos, na qual se apaixonou foi por Brennan. E quando ele se apaixonou por Brennan, naquele cinema, ele era Ian, um garoto. E é igualmente bonito e verdadeiro vê-lo falar de Brennan e das conversas com ele para Rhiannon. Ele pode ser um garoto com namorada; ele pode ser uma garota com namorado, e beijá-lo da mesma maneira, porque o corpo quer aquilo, e sentimento é sentimento, independente de gênero. Tudo é muito mais sobre sentimentos e relacionamentos interpessoais, independente de sexo. Ele pode beijar Rhiannon no corpo de uma garota; ele pode acordar como Hugo, descobrir que tem um namorado chamado Austin, que segura sua mão enquanto andam, e mesmo distraído por Rhiannon, se sentir encantado por isso. David Levithan, um autor exemplar, dá uma lição da melhor maneira possível, falando com naturalidade, leveza, dizendo de forma despretensiosa a maior verdade de todas, enquanto Austin e Hugo estão numa Parada Gay:
“Vamos até uma esquina onde algumas pessoas estão protestando contra a comemoração. Não entendo o porquê. É como protestar contra o fato de algumas pessoas serem ruivas. / Na minha experiência, desejo é desejo, amor é amor. Nunca me apaixonei por um gênero. Apaixonei-me por indivíduos. Sei que é difícil as pessoas fazerem isso, mas não entendo por que é tão complicado, quando é tão óbvio” (LEVITHAN, 2013, p. 123) Sim, eu quis aplaudir quando li essas palavras, e minha admiração pelo autor só aumentou. Isso que, nesse momento, eu ainda não tinha lido aquelas cenas simples e profundamente românticas de Amelia e Zara. Porque aquilo, sim, é amor de verdade. É aquilo que todos queremos para nossas vidas.
A tem uma história própria no livro, independente dos corpos que habita. O quão independente alguém assim pode ser. E é uma história com Rhiannon – no corpo de Justin, o primeiro corpo que conhecemos, no dia 5.994, ele conhece Rhiannon e se encanta com ela, e se frustra com a maneira como ela é diminuída pelo namorado, como ele não gosta dela de verdade… e quer fazer algo por isso. Fica obcecado por ela, querendo vê-la todo dia. E muda a vida de várias pessoas pelas quais passa enquanto busca estar com Rhiannon. As cenas com Rhiannon são mais superficiais que todas as reflexões do livro, mas ao mesmo tempo são as cenas que humanizam A para que ele não seja um narrador onipresente, observando todas aquelas vidas de dentro. Rhiannon representa sua necessidade, a mais básica necessidade humana, de pertencer a algo. Eu não esperava – eu não queria – que eles ficassem juntos no final. Como alguém poderia levar uma vida normal com alguém que muda a todo dia? Mas o que ele fez por Rhiannon e Alexander Lin naquele último dia…
Foi a mais profunda e bonita prova de amor que eu já vi.
Então não importa qualquer outro questionamento. Não importa o que o Reverendo Poole possa dizer, ou no que Nathan acredite… não importa que ele tenha a chance de ficar se isso não é justo. Não importa se existem ou não outros como ele. A mais bonita das reflexões fica na tristeza da realidade da vida de A, nunca podendo pertencer a lugar algum… se alegrando com oportunidades como a de acordar cada dia no corpo de um gêmeo, e pertencendo dois dias seguidos a uma família. Suas lágrimas carregadas em seu primeiro funeral, não porque estava realmente triste pelo morto… “Choro porque estou com inveja do avô de Marc” (LEVITHAN, 2013, p. 231). David Levithan criou uma obra impressionante que merece e deve ser lida por todos. Uma infinidade de questionamentos e reflexões pertinentes, que podem ser trazidas às nossas vidas. Uma idéia original e interessantíssima, repleta de uma profundidade filosófica admirável. Realmente um livro impecável, que eu vou recomendar a todos. A todos.

LEVITHAN, David. Todo dia; tradução Ana Resende. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Galera Record, 2013.

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Comentários

  1. Nossa Jefferson....fiquei bem interessada!!!! Deve ser muito bacana!!!

    Vou procurar :)


    beijãozão *

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    Respostas
    1. Quando ler me avisa, comenta... quero saber o que você achou! kk

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    2. hahahahahahaha deixarei anotado na agenda, assim que der vou atrás dele! ;)

      E com certeza será avisado!

      Ah, depois procura, vê se você gosta: 'JJ e a Música do Tempo', eu ganhei e gostei bastante, é uma leitura diferente, principalmente no começo, mas bem interessante! :)

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