Matrimilhas (Matrimillas, 2022)

“Quem chegar a 1.000 milhas primeiro sai de viagem!”

Irreverente e inusitadamente sincero, “Matrimilhas” é uma comédia romântica argentina que chegou à Netflix em 07 de dezembro de 2022, e trata de uma fase da vida às vezes menos explorada por comédias românticas: a crise matrimonial. O filme tem uma introdução muito legal e típica do gênero, quando Fede e Belén se conhecem em uma situação bizarra que acaba se tornando fofa (Fede merece créditos por ter conseguido um encontro com Belén, depois de ter chegado à sua vida arrancando a porta do seu carro, preciso dizer isso), e então sabemos o que vai acontecer a seguir… anos depois, Fede e Belén estão casados, com dois filhos e não necessariamente felizes, porque o casamento tem suas imperfeições que estão começando a pesar sobre eles.

É interessante como o assunto é trazido à tona com muito bom-humor, mas, também, com alguma carga dramática que causa um certo desespero: o casamento é algo complicado, no fim das contas. Percebemos que Fede e Belén não deixaram de se amar, mas o amor por si só não é o suficiente para manter um casamento bem-sucedido, se não houver uma dedicação constante que não se refere apenas a agrados e palavras sinceras, mas à justa divisão das responsabilidades e parceria no que tange vários aspectos da vida de um casal. Belén e Fede se amam, sim, mas eles estão construindo uma situação insustentável conforme pequenas coisas não saem conforme o planejado, pedidos não são atendidos, e isso se alia à própria frustração pessoal de cada um.

Assim, quando a irmã de Belén, que estava com o seu casamento em crise, aparece “mais apaixonada do que nunca”, Belén não consegue não ficar curiosa para conhecer a tal “Equilibrium”, que é o que está permitindo esse aparente avanço no relacionamento deles – ou o que eles chamam de “amor real”. Toda a sequência da Equilibrium me faz pensar em episódios de “The Twilight Zone”, contos de Philip K. Dick ou, mais recentes, episódios de “Black Mirror”: trata-se de uma tecnologia controlada por um relógio que ambos devem usar e que vai contabilizar matrimilhas de acordo com as suas atitudes um com o outro. Eles podem ganhar ou perder milhas, de acordo com as coisas que fazem, e no fim trocar essas milhas por alguns “prêmios”.

Bem, o preço do tal Equilibrium é salgado, mas Fede vê aí a oportunidade de ir em uma viagem para Cancún com os amigos, já que eles foram selecionados para um concurso de cozinheiros amadores ou algo assim, então ele resolve que “eles precisam disso”. E, para conseguir uma viagem ao exterior com os amigos, Fede precisa de 1.000 milhas… e, para angariá-las, ele se torna “o marido mais perfeito do mundo”. Por si só, isso demonstra toda a falha do sistema, porque o suposto “amor real” acaba sendo, na verdade, um “amor” de puro interesse: Fede está fazendo coisas por Belén, está sendo colaborativo, romântico, mostrando preocupação e dando atenção a ela, mas tudo de forma calculista, olhando para o relógio para saber de quantas milhas ainda precisa para o seu objetivo.

Eventualmente, Belén descobre o que ele está fazendo… e é aí que “Matrimilhas” entra em sua parte mais HILÁRIA, porque os dois começam uma competição acirrada para ver quem chega a 1.000 milhas primeiro: ele para ir com os amigos para Cancún, ela para ir com a melhor amiga para a Índia… e apenas um deles poderá ir, porque o outro vai ter que ficar em casa para cuidar das crianças! Aqui, o filme se joga sem medo no gênero da comédia e entrega uma série de cenas divertidas – por vezes até bem simples, como aquela em que eles brigam para ver quem vai levar o lixo para fora, mas funciona brilhantemente dentro da proposta do filme e certamente arranca algumas risadas. E, quando entra no jogo, Belén entra para ganhar, porque ela leu o manual…

Ela sabe como conseguir mais milhas.

As coisas vão ficando cada vez mais inusitadas, grandiosas e preocupantes, enquanto um joga com o outro em busca de milhas. Belén prepara todo o cenário para um aparente ménage à trois, que ela consegue convencer Fede de que realmente aconteceu, o que faz com que ele perca um monte de milhas (afinal de contas, mostrou interesse sexual em outra mulher na frente de sua esposa), mas faz com que ela ganhe várias (porque ela “realizou uma fantasia dele”). E, se é para jogar assim, Fede resolve jogar também, e decide se tornar o herói de Belén… o que lhe garante muitas milhas, mas, diferente do que Belén fez, gera uma situação traumatizante para Belén quando ele forja um assalto e ali, definitivamente, ele passou de qualquer limite.

Dali em diante, não tinha como consertar as coisas.

No fim, nenhum dos dois chega a 1.000 milhas, eles não fazem uma viagem ao exterior com os amigos, e o casamento parece desandar de vez, com o Equilibrium e as matrimilhas sendo um catalisador de tudo o que havia de ruim e de egoísta no casamento deles… Fede não demora para se arrepender de tudo o que fizera, tenta consertar as coisas fazendo uma janta surpresa para Belén, o que ele poderia ter feito enquanto eles ainda estavam casados, mas isso não é o suficiente para salvar o casamento deles – não agora, não no ponto em que as coisas chegaram, e Belén é madura e necessária ao dizer para ele que acabou. É um tanto melancólico, mas eu gosto de “Matrimilhas” não ser exageradamente utópico e não se apressar com soluções feitas de qualquer maneira.

Eles precisam de tempo.

E é o que eles ganham.

Depois do fim do casamento, Belén se dedica à sua loja de brinquedos, desenha novas coleções exclusivas e faz com que a loja decole, ao mesmo tempo em que se aproxima da filha adolescente, com quem vinha deixando a desejar. Fede, por sua vez, percebe o que estava faltando na relação deles e nas suas atitudes, se torna um pai mais presente para o filho que quer jogar basquete, e vende o consultório dentista, que ele nunca quis ter, na verdade, para abrir um restaurante de comida asiática, que é o que ele gosta de fazer, eliminando uma frustração de sua vida. A partir do momento em que, separados, cada um encontra seu caminho e se sente mais realizado, então eles podem tentar novamente – porque sabem o que estava errado e, como eu disse, o amor não morreu.

É um final muito bonito e maduro. E sinto que, dessa vez, o casamento vai ser bem melhor!

Gostei bastante do filme!

 

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