Sem Fôlego (Wonderstruck, 2017)

“Todos estamos na sarjeta, mas alguns olham as estrelas (Oscar Wilde)”

Dirigido por Todd Haynes e baseado no livro homônimo de Brian Selznick, que também ficou responsável pelo roteiro da adaptação, “Sem Fôlego” é um filme de 2017 que usa diferentes linguagens para contar duas histórias paralelas, uma ambientada em 1927 e outra em 1977, que acabam eventualmente se tornando uma só… assim como “A Invenção de Hugo Cabret”, do mesmo autor, unia ficção e realidade através de elementos da história do cinema e de Georges Méliès, “Sem Fôlego” nos apresenta ao Panorama, um modelo da cidade de Nova York que foi apresentado na Feira Mundial de 1964 e segue exposto em um museu no Queens, e que aqui ganha ainda mais vida através da história de personagens que se encontram ali e cujas vidas estão, de algum modo, representadas.

Embora esteja aqui para falar sobre o filme, preciso me desviar brevemente e falar sobre como gosto da escrita de Brian Selznick, e de suas técnicas que misturam prosa e ilustração na contagem de suas histórias. Até o momento, li três livros do autor – “A Invenção de Hugo Cabret”, “Sem Fôlego” e “Os Marvels” –, e embora os três tenham essa união e alternância entre prosa e imagem, o autor utiliza essas linguagens de maneiras e por motivos distintos a cada livro, o que torna cada trabalho único. Ao ler “Sêm Fôlego”, acompanhamos em prosa a história de Ben, um garoto que perde a audição depois de um acidente com um raio e um telefone, e sai em busca do pai; e em imagem, acompanhamos a história de Rose, uma garota surda com uma mãe atriz.

Se no livro havia essa separação entre prosa e imagem para as histórias de Ben e Rose, respectivamente, a adaptação precisava encontrar uma maneira de traduzir essa “diferença” para a linguagem audiovisual. Assim, com Ben acompanhamos uma narrativa em cores, “tradicional”, com um cuidado em como a sua perda recente de audição é retratada, e alternamos entre momentos de silêncio e incompreensão, nos quais o filme emula a percepção de Ben, e outros marcados por sons da cidade ou a voz de Jamie. Para a parte de Rose da história, a escolha foi contar a sua história em preto-e-branco, e embora não siga exatamente a linguagem do cinema mudo pelo qual Rose é apaixonada, sofre influências deste, com destaque para a trilha sonora.

1927. Rose é uma garota surda com um pai autoritário que quer que ela aprenda a vocalizar e ler lábios, e não vê a língua de sinais como uma opção. Ela escapa de casa e ruma a Nova York sozinha em busca de Lillian Mayhew, a mãe que ela idolatra através dos filmes dela que vê no cinema e das matérias de jornais e revistas que transforma em um livro de recortes, e que está em cartaz em uma peça por lá… o filme pincela questões como o preconceito enraizado na sociedade, a falta de preparação para lidar com o que é considerado diferente e a superproteção da mãe, que parece querer “esconder” a filha em casa, e a vida de Rose só parece dar uma guinada boa quando ela é encontrada pelo irmão mais velho no Museu de História Natural de Nova York.

1977. Ben está morando na casa dos tios desde que sua mãe morrera em um acidente, e ele quer desesperadamente se agarrar à memória da mãe e, quiçá, descobrir algo sobre o pai que nunca conheceu. Ele perde a audição durante uma tempestade quando um raio é canalizado pelo telefone que ele estava tentando usar, e ele foge daquela vida e daquela casa que detesta seguindo uma única pista vaga em um marca-página que encontrou dentro de um livro que pertencera à mãe… sua jornada também o leva a Nova York, ao Museu de História Natural onde ele conhece um amigo que será importante, e, eventualmente, à Livraria Kincaid, onde talvez as suas perguntas possam enfim ser respondidas. E ele tem muitas perguntas, e mais que surgem dentro do museu

A perspicácia da história de “Sem Fôlego” é que ela faz com que nos perguntemos como as duas tramas se tornarão uma só, e o filme é recheado de paralelos deliciosos representados pelas buscas de ambos os protagonistas e os lugares que eles visitam – e isso tudo culmina no Panorama da Cidade de Nova York, no Queens. De um modo ou de outro. Quando Ben consegue chegar à Livraria Kincaid, ele não encontra o pai, como esperava, mas encontra sua história, a verdade por trás do marca-página, a resposta do porquê de a sua casa estar nos arquivos de um diorama do Museu de História Natural e por que sonhava com lobos… além de alguém que realmente o verá como família: Rose, 50 anos mais velha do que a conhecemos em 1927, e avó de Ben.

Emoção e sensibilidade constroem uma sequência linda conferindo novo significado ao Panorama da Cidade de Nova York: algo em que Rose trabalhou e trabalha, e que recheou de “segredos” em memória ao seu filho… de certo modo, parte da história de Ben também está naquela maquete gigantesca na qual neto e avó se encontram agora. E quando uma nova tempestade faz cair a luz do local, Ben percebe que não tem por que ficar assustado porque, diferente da outra vez, ele não está sozinho – ele tem a avó e um amigo, porque Jamie reaparece com sua câmera polaroide, cujos flashes são usados inteligentemente para guiá-los para fora… há tanto naquela cena dos três olhando para cima no fim, remetendo novamente à frase de Oscar Wilde.

Um filme lindíssimo.

 

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