[Season Finale] Boots 1x08 – The Crucible

“Living a lie is too high a price”

QUE SÉRIE IMPACTANTE. É tão bom ser positivamente surpreendido por uma produção. Eu me interessei por “Boots” em seu anúncio e a vi começar a fazer barulho ao estrear, e fui assistir animado, mas eu não tinha verdadeira noção do que ela seria… ela é mais rica do que eu jamais imaginaria, trata com honestidade e ocasional brutalidade assuntos que fazem parte da vida de muitas pessoas LGBTQIA+ e cada episódio é um soco no estômago. O fato de ela ser inspirada em acontecimentos reais a segura de tender à fantasia e miraculosidade pela qual quase esperamos, e a imperfeição é equilibrada, por exemplo, pelo contraponto da presença da consciência de Cameron, que tem uma conversa importantíssima com ele no banheiro ao fim do episódio.

“Boots” é excelente, e engana-se quem pensa que não há complexidade em sua composição. Ela é um recorte aparentemente bastante específico de uma realidade alheia, mas cujas questões demandam reflexão e, inevitavelmente, geram reconhecimento. A realidade de Cameron Cope é simbólica, tentando encaixar-se em um lugar que não o aceita, um lugar de performances, possivelmente negando em parte quem é para sentir que “pertence”, uma realidade que, dentro e fora do exército, fez parte da vida de muitos homens gays que tardaram a se aceitar, ou nunca se aceitaram. Por outro lado, há a questão de pertencimento e de ocupar os espaços que deseja, então talvez sua atitude seja, em parte, um pouco de resistência.

Gosto demais da série porque “Boots” é sobre ser LGBTQIA+ sem, necessariamente, ser sobre romance – preste atenção ao texto da série e perceba o quanto ele suscita! Em “The Crucible”, Cameron e os demais recrutas estão prestes a finalizar o seu treinamento para se tornar fuzileiros navais e, para isso, eles precisam passar por uma prova final com duração de 54 horas em situações extremas, e o Sargento Sullivan coloca Jones ao lado de Cameron, como sua responsabilidade, e pede que “ele não o decepcione”, e é muito bom ver o paralelo dessa prova final com a Barbara Cope conversando com a mãe de Ray sobre Cameron, e sobre quando ele foi provocado por garotos de bicicleta e os enfrentou, mas depois chorou quando estava sozinho…

O mundo é cheio de “garotos de bicicleta”.

Colocar Jones como responsabilidade de Cameron dá um peso a mais nessa prova final, com direito ao Jones, muito mais consciente da realidade do que Cam, dizendo algumas verdades que talvez Cameron não quisesse ver… ele fala sobre como o Sullivan o está usando para moldar o Cameron à sua imagem fodida, e sobre como o Sullivan não é “um herói”: ele é um valentão que se odeia e que faz bullying com os demais. São verdades que doem, que Cameron não queria ouvir, mas que é convidado a enfrentar – e quando os dois escutam uma conversa da Capitã Fajardo com ele sobre um civil que está na UTI depois de apanhar de um fuzileiro em um bar, Cameron não pode negar a verdade… Cam e Sullivan são dois momentos de uma “mesma” vida.

A escolha e a consequência.

A prova final é repleta dos desafios convencionais e de eventos extras que tornam tudo ainda mais impactante, como a morte do pai de Cody e John Bowman e a possibilidade de sair por 72h para o luto e retornar para fazer a prova com outro pelotão – enquanto Cody pensa em sair, no entanto, John diz que o seu lugar é ali e ele vai ficar… o pai sempre o tratou como lixo e causou muitos traumas em sua vida mesmo. É uma virada interessante porque Cody não sabe lidar com isso, tampouco quer sair se John não estiver com ele, e John finalmente se dá conta de algo sobre o que fala com Cody: não é ele quem precisa de um irmão. Fortíssima a cena em que Cody surta e quase ataca o irmão durante uma caminhada, e muita gente se reúne para contê-lo.

Quando Jones desaparece durante a noite, e não fica claro se ele escapou porque Sullivan não vai mais conseguir para ele a dispensa médica que prometera – “As coisas mudaram. Você está por conta própria” – ou se ele teve um episódio de sonambulismo, ele precisa ser encontrado. Sullivan assume a missão de ir atrás dele, mas Cameron o segue porque sente que é sua responsabilidade, já que Sullivan disse que “esse recruta estava em sua mochila”, e Ray também vai, porque ele está habituado a “proteger” o Cameron e se importa com ele. Quando eles são descobertos por Sullivan e Sullivan desobedece uma ordem direta de Fajardo, Ray resolve retornar, e Cameron o incentiva a fazer isso, mas ele diz que ele vai seguir e que Ray pode confiar nele…

Ele não precisa mais ser protegido.

“Ray, I got this. You don’t need to take care of me anymore. I’ll be ok. I got this. Trust me”

A atitude de Ray lhe tira a oportunidade de se tornar o “Homem de Honra”, título com o qual ele sonhou desde que chegara, por causa do pai, mas ele sorri ao descobrir isso, porque ele não se arrepende de nada… ele fez o que acreditou que precisava ser feito – e talvez seja um alívio não ser exatamente a cópia de seu pai. Na mata, Cam e Sullivan compartilham uma das cenas mais fortes e tristes de toda a série, quando Sullivan o confronta e pergunta se ele quer ser como o Jones e ele responde que não, que ele quer ser como ele. Cameron pergunta o que Fajardo quis dizer sobre “a história de Guam”, e tudo o que Sullivan diz é que “burro ele não é”, o que, naquela situação, é como confirmar a Cameron que ele também é gay… e que Cameron já sabe disso.

A cena é MARAVILHOSA, mas incompleta, porque fica a ser mostrada na íntegra depois, e quando eles encontram Jones juntos, Cameron retorna sozinho o carregando nos ombros (!), e entrega o rádio de Sullivan, respondendo a Fajardo que não sabe onde ele está. Então, depois de ter passado por tudo muito mais intensamente, Cameron Cope pede à Capitã Fajardo a chance de completar a prova, e ele o faz: enquanto todos os demais estão na linha de chegada, torcendo por ele, ele dá os últimos passos que o fazem se tornar, oficialmente, um fuzileiro naval… “Boots” é um misto de emoções, e eu não sei até que ponto aquilo ali é, de fato, uma vitória, mas eu fiquei arrepiado. E eu não posso deixar de ficar orgulhoso de tudo o que Cameron conseguiu.

Quando os ex-recrutas, agora fuzileiros navais, entram na cerimônia que os oficializa, o olhar de Cameron é determinado, mas também parece buscar algo nas pessoas que os olham… e é nesse paralelo que vemos a integridade da cena dele com Sullivan. Ali, Sullivan lhe diz que o seu trabalho era treiná-lo e ele já fez isso… agora, Cameron não precis amais dele, porque está pronto e já é um fuzileiro. Sullivan está deixando algumas cargas para trás e, com elas, máscaras e muros, por isso ele fala sobre ter sido excessivamente duro com Cameron e pede desculpas por o desapontar, como quem diz que ele não tem motivos para admirá-lo, ou para “querer ser ele” – é como se implorasse para que ele olhasse para a sua infelicidade, mas deixasse que Cameron escolhesse…

Em parte, ele está orgulhoso, e tem motivo para estar.

Por outro lado, talvez ele quisesse que Cameron fosse mais feliz do que ele foi.

Sullivan some e não temos notícias dele… Cameron completa a sua “formatura”, ao lado de outros recrutas cujas jornadas acompanhamos. Nash é o orgulhoso Homem de Honra, por exemplo. Ray recebe talvez o primeiro “Bom trabalho” do pai, o que o deixa feliz, e ele reencontra a garota da enfermaria cujo nome até agora não sabe, mas ela lhe entrega um papel com o seu telefone. E Cameron, aparentemente sozinho sem ninguém tendo ido para vê-lo, é chamado à sala de Fajardo porque “alguém quer vê-lo”, e ele se depara com a mãe: a mãe e a notícia de que ela supostamente falsificou a sua certidão de nascimento e, na verdade, ele só tem 17 anos… parece uma mentira, porque Barbara é excelente em mentir, mas é uma saída…

Novamente, a série propositalmente nos divide. Friamente, eu consigo entender o desespero de Barbara e a ideia de que ela está “o salvando”, dizendo que agora eles vão ter que deixá-lo ir e ele está livre; por outro lado, Cameron lutou tanto por aquilo e a escolha deve ser dele, não dela, então eu fiquei com raiva de como ela fez. Uma das cenas mais emblemáticas de “Boots” acontece quando Cameron pede para ir ao banheiro e então ele tem uma conversa e uma discussão com a sua consciência, na qual ela fala sobre como, se ficar ali, ele vai acabar derrotado como Jones ou quebrado como o Sullivan, e quanto mais tempo ele passar escondendo quem é e fingindo ser quem e o que não é, mais essa parte verdadeira dele vai desaparecendo…

Fortíssimo a “Consciência” perguntando o que será dele.

E então ele some.

Não sei se Cameron fez a escolha certa… tampouco sei que alternativa a série tinha, tendo em vista que é baseada na vida de um homem gay que realmente se juntou aos fuzileiros navais em uma época em que a homossexualidade era proibida nas forças armadas. Na verdade, eu sofro por Cameron. Ele faz a sua escolha, e enquanto Barbara assina aquele documento que o autoriza a continuar ali, eu senti um nó no estômago… doeu, doeu demais. Acho que isso resume muito o que foi “Boots” para mim: eu fiquei confuso, eu tive sentimentos mistos em vários momentos, mas eu não consegui passar por nenhum episódio indiferente. Tudo nessa série fez com que eu SENTISSE intensamente, e isso tornou a experiência significativa… é uma das minhas favoritas no ano.

A conclusão da temporada é irônica. Eu adoraria continuar e, no caso de uma segunda temporada, eu estarei aqui empolgado a assistindo – mas não é estritamente necessário. Há essa inteligência na ironia que só não me pega desprevenido porque sinto que a série foi muito bem concebida do início ao fim… Cameron se une aos seus companheiros para a celebração por eles terem completado o treinamento, mas a série (nem tão) sutilmente nos pergunta se há mesmo motivo para comemorar. Enquanto tantos deles parecem alheios à realidade e vivendo no seu próprio mundo, Cameron presta atenção nas matérias que estão sendo mostradas na TV, e Ray se une logo a ele: tem uma guerra explodindo, e em breve eles devem estar lá…

Quantos daqueles jovens celebrando no bar estarão mortos em meses?

Outro soco no estômago. QUE SÉRIE ESPETACULAR!

 

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