Sítio do Picapau Amarelo (1979) – Emília, Romeu e Julieta: Parte Final

“É muito triste a sua história, Shakespeare!”

Essa é, sem dúvida, UMA DAS MINHAS HISTÓRIAS FAVORITAS da temporada de 1979 do “Sítio do Picapau Amarelo”. Com roteiro de Marcos Rey, baseado na clássica história de William Shakespeare, “Emília, Romeu e Julieta” é divertida, bonita e extremamente bem conduzida, trazendo paralelos entre a história de Romeu e Julieta (e a briga entre os Montecchio e os Capuleto) com a história de Tonico e Rosinha, ali mesmo em Tucanos, além de trazer muitas visitas a Verona para “assistir à história ao vivo”. Eu amo a maneira lúdica como o “Sítio do Picapau Amarelo” consegue trazer “Romeu e Julieta” à vida, adaptando lindamente a história quase na íntegra e, surpreendentemente, sem interferências, permitindo que o texto original de Shakespeare seja conhecido.

Para mim, essa é uma das grandes vantagens de “Emília, Romeu e Julieta”. Apaixonado por Shakespeare desde a faculdade, graças a uma professora minha, é muito bom ver a história ganhar vida, e eu não acho que a versão de 2001 a 2007 teria feito essa história contando a história de “Romeu e Julieta” como realmente está na peça original. Aqui, temos uma carinha de “Sítio do Picapau Amarelo” garantida pela presença de Pedrinho, Narizinho e Emília em Verona, mas eles são mais espectadores que qualquer coisa… sua ação, de fato, está concentrada em Tucanos, tentando “mudar o final da peça” ou tentando ajudar Rosinha e Tonico a viverem o seu amor, enquanto uma encenação bastante fiel de “Romeu e Julieta” acontece em Verona.

Tem a identidade do “Sítio”, sem deixar de ser extremamente respeitoso à obra original.

É uma história INCRÍVEL!

Severina, a mãe de Tonico, é a primeira a ceder… ao ver o filho triste por causa da notícia/boato de que Rosinha vai se casar com Luciano (!), ela diz que, se sua felicidade depende disso, ela está disposta a ir falar com Antenor, mas já é tarde demais – ela deveria ter despertado para isso antes. Agora, Tonico já perdeu as esperanças, e uma série de mal-entendidos acaba afastando ele e Rosinha cada vez mais… e ele está disposto a ir embora com a companhia de teatro do Seu Alaor, para encenar outra peça de William Shakespeare na próxima cidade, seja ela qual for. Preocupada com a possibilidade de o filho ir embora, Dona Severina resolve fazer alguma coisa, e até volta ao Sítio do Picapau Amarelo para falar com Dona Benta e dizer que Antenor não vai encontrar ninguém melhor que seu filho para Rosinha

Sabe o que eu amo aqui? O QUANTO A DONA BENTA É MARAVILHOSA! Eu gosto de como ela é uma senhora sábia e educada, mas como ela também é direta e sincera, e então ela diz o que todos queriam dizer: que foram eles mesmos que complicaram tudo. Dona Benta diz que metade da culpa dessa infelicidade cabe, sim, ao Antenor, mas a outra metade é dela… tem como Dona Benta ser mais perfeita?! Mesmo assim, ela vai ajudar, é claro, e Dona Benta pede que o Visconde leve Severina para falar com Antenor. Ela sugere que eles parem com essa briga de família que dura mais de 50 anos e eles nem se lembram mais do motivo, e ele “concorda”, mas diz que não pode consentir com o casamento porque Rosa está namorando com o Luciano e vai se casar.

Severina acaba indo embora ultrajada, dizendo que isso é uma ofensa a ela e ao filho.

Enquanto Tonico está disposto a ir embora e aparece no Sítio do Picapau Amarelo para se despedir de todo mundo, tristinho, Romeu também está passando por maus-bocados em Verona. Afinal de contas, depois da morte de Teobaldo, ele está sendo caçado… mas ele está aonde? Na casa dos Capuleto. Indo visitar Julieta uma última vez (!), os dois apaixonados compartilham um momento melancólico, como se soubessem a tragédia que está por vir… e, para impedir a tragédia, Emília tenta interferir e tenta convencer Romeu a fugir para o Sítio de Dona Benta com ela, dizendo que lá estará seguro, mas Shakespeare não a deixa interferir e sugere a Romeu que ele fuja para Mântua, e ele acaba aceitando essa sugestão, como na história original…

“Poxa, Shakespeare! Você não tem pena dos seus personagens!”

Acreditando que a filha está triste pela morte do primo, a Sra. Capuleto conta a Julieta sobre o casamento com o Conde Páris na quinta-feira, e embora Julieta diga que não quer se casar, o pai grita com ela e a obriga, e quando ela pede a ajuda da mãe, ela também é abandonada por ela… e é aí que entramos na reta final de “Romeu e Julieta”, quando a moça busca o Frei Lorenzo na sacristia e diz que está disposta a se matar se ele não tiver uma maneira de socorrê-la: “Ao invés de me casar com Páris, preferia saltar do alto de uma torre, rastejar por onde as serpentes rastejam, enterrar-me viva em uma cova”. E é com essa fala que o Frei tem uma ideia: Julieta pode se passar por morta, com um veneno que ele tem, apenas para escapar do seu casamento com Páris

Segundo o plano, quando o efeito do veneno passar, em 42h, ela despertará no mausoléu dos Capuleto… e Romeu estará esperando por ela. Ironicamente, não é o pior dos planos, mas o problema está no fato de que a mensagem que explica o plano a Romeu nunca chega. Apaixonada, triste e desesperada, Julieta bebe o veneno enquanto a família está preparando o seu casamento, até que a ama a descubra “morta” na manhã seguinte, para desespero e dor dos Capuleto, responsáveis por isso… infelizmente, a carta com o plano nunca chega a Romeu, mas a triste notícia da morte de Julieta sim, então o rapaz busca um boticário com quem possa comprar um veneno mortal, para que possa “dormir com Julieta naquela noite mesmo”. E o “Sítio” conta toda a história como Shakespeare a escreveu.

Eu amo tanto isso!

É justamente a partir da cena do mausoléu que Emília quer fazer mudanças… afinal de contas, se Romeu não pensasse que Julieta estava morta de verdade, “Romeu e Julieta” teria um final feliz. Como o Seu Alaor se recusa a fazer alterações no texto, Emília resolve buscar a ajuda do próprio William Shakespeare… e, então, ela também tem que fazer concessões. Ela diz que promete não perturbar mais ali, mas, em compensação, ela quer que ele o ajude na encenação de Tucanos. Assim, Shakespeare aceita ceder, só um pouquinho, enquanto ali, em Verona, a história transcorre segundo o original… Romeu morre ao lado de Julieta, Julieta desperta, o vê morto e, com o frasco de veneno vazio, o beija na esperança de que ainda haja veneno em seus lábios e, como não há, ela se mata com um punhal.

Dramático, fortíssimo… histórico.

Quando Emília comenta com Shakespeare que “sua história é muito triste”, ele diz que a desgraça conciliou os Montecchio e os Capuleto, mas Emília acha que eles não precisavam morrer… e espera acabar com a briga entre os Camargo e os Peixoto em Tucanos sem que seja necessário um final trágico assim. Então, ela parte de volta a Tucanos, com o seu abaixo-assinado e a presença do próprio William Shakespeare, que tenta convencer Alaor a interromper a peça na morte de Julieta – não é realmente um final feliz, nem uma mudança drástica, apenas uma interrupção antes da grande tragédia. Nem assim, no entanto, Alaor cede, e segue dizendo que não vai mudar nenhuma linha da peça original… por isso, Emília precisa ser mais enfática, precisa chamar a atenção de todo mundo.

E organiza um protesto e um quase boicote à peça.

Apoiada por toda a população de Tucanos!

Há uma festança e um protesto do lado de fora do teatro, mas Alaor se surpreende ao descobrir que nenhum ingresso foi vendido. Emília e mais algumas pessoas estão segurando cartazes e placas que dizem coisas como “Tucanos quer Romeu e Julieta VIVOS” e coisas desse tipo, e eles garantem que ou Alaor muda o final da peça, ou eles não entram no teatro. Em parte, eu fico com pena do Alaor, porque eu entendo o seu posicionamento, mas eu também ri e me diverti muito com o protesto e a união do pessoal de Tucanos, e a verdade é que a população de Tucanos está usando essa coisa de “Romeu e Julieta” para passar um recado aos Camargo e aos Peixoto, para tentar acabar com a briga entre as famílias, então a intenção é bastante boa. E Alaor precisa ceder, eventualmente.

Então, o pessoal entra, feliz com a proposta de um final menos dramático, enquanto Rosinha e Tonico se acertam. Luciano procura Tonico para conversar com ele e para dizer que ele veio se despedir, porque está voltando para a cidade no dia seguinte de manhã e não volta mais, por causa de uma decepção amorosa: a moça de quem ele gosta está apaixonada por outro. Ele também diz que, se fosse o Tonico, ele levaria a sua mala de volta para casa, porque “talvez não queira tanto fazer teatro”. Gosto muito de o Luciano ter tido essa boa e justa atitude, e depois ele envia Rosinha para conversar com Tonico, e eles fazem as pazes. ELES SÃO UM CASAL TÃO BONITINHO E É TÃO BOM VÊ-LOS JUNTOS. Dessa vez, eles terão, finalmente, o apoio das famílias…

É o fim das brigas.

“Emília, Romeu e Julieta” é um EXEMPLO de roteiro, de adaptação e de atuação. Uma história cativante, interessante do início ao fim, uma homenagem linda a um clássico, pessoal do Sítio tendo uma participação incrível: uma verdadeira vitória do “Sítio do Picapau Amarelo”. São três conclusões: a) a original, da obra de William Shakespeare, em Verona, com a morte de Romeu e Julieta; b) a encenada em Tucanos, interrompida antes da grande tragédia, o que deixa Emília e toda a plateia satisfeitos; e c) a de Tonico e Rosinha, que finalmente podem ser felizes, com direito ao seu casamento sendo anunciado em cima do palco, no fim da peça, pelo ator que interpretava o Romeu. Além de tudo, esse final conseguiu ser perfeitamente emocionante. Eu realmente AMO essa história!

 

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